Emenda aprovada nesta quarta-feira mantém a possibilidade de terceirização de toda atividade-fim; pedido de mudança na forma de tributação não foi aceito

 

Atualizado às 22h53

 

 

 

BRASÍLIA - Mesmo tendo escalado três ministros para negociar até o último momento, o governo sofreu nesta quarta-feira uma importante derrota comandada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Após impasses, negociações de última hora e reviravoltas nas posições partidárias, deputados aprovaram na noite desta quarta-feira um conjunto de emendas que estende a terceirização a todas as atividades de uma empresa e diminui a arrecadação do governo federal.

Foram 230 votos a favor da nova redação, 203 contra e quatro abstenções. O texto apresentado pelo deputado Arthur Maia (SD-BA), com apoio do PMDB de Cunha, contraria o Palácio do Planalto, que perdeu apoios relevantes como o do PSDB, dividido até a semana passada, mas que nesta quarta-feira orientou sua bancada a votar favoravelmente às emendas.

 

 

Parlamentares contrários à terceirizacão mostram carteiras de trabalho durante a votacão da emenda no Plenário da Câmara

Parlamentares contrários à terceirizacão mostram carteiras de trabalho durante a votacão da emenda no Plenário da Câmara

 

 

De nada adiantaram os apelos feitos pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, até poucos minutos antes da sessão. O Planalto deslocou, além de Levy, os ministros Ricardo Berzoini (Comunicações) e Eliseu Padilha (Aviação Civil) para defender seus interesses. Eles estiveram reunidos com o presidente da Câmara por cerca de uma hora e meia antes do início da votação. Para Cunha, a aprovação do projeto não vai provocar perdas de receitas à União. “Ninguém está preocupado ou tem a tentativa de reduzir aquilo que o governo possa ter de arrecadação”, afirmou.

Na semana passada, o presidente da Câmara foi obrigado a recuar e adiar por uma semana a votação das emendas para evitar que um requerimento apresentado pelo PSD, para retirada da matéria de pauta, fosse aprovado com apoio do PT e de parte do PSDB. Depois da intervenção do presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), os tucanos voltaram a apoiar o texto-base do projeto.

A principal mudança defendida por Levy ficou de fora. Ele tentou incluir a tributação de 5,5% sobre o faturamento das companhias para o financiamento do INSS. O relator, no entanto, não cedeu e os deputados aprovaram a manutenção da tributação como está hoje, com alíquota de 20%, mas sobre a folha de pagamentos. A arrecadação seria maior sobre o faturamento, mesmo com alíquota inferior.

 

 

A principal mudança defendida por Levy ficou de fora; ele tentou incluir a tributação de 5,5% sobre o faturamento das companhias para o financiamento do INSS

 

 

Apesar da derrota final, Levy já tinha conseguido inserir uma mudança tributária importante: a redução de 9,25% para 3,65% na alíquota do PIS/Cofins que as empresas poderão usar como crédito tributário na contratação de serviços terceirizados.

Pelo texto aprovado nesta quarta-feira, as atividades-fim (função principal de uma empresa) poderão ser terceirizadas. Hoje, a legislação permite a terceirização apenas de atividades-meio, por exemplo, os serviços de limpeza e segurança em um banco. Além disso, cooperativas podem ser contratadas como empresas terceirizadas. Também foi reduzida de 24 para 12 meses a carência mínima para que um trabalhador, hoje com carteira assinada, possa retornar à empresa como terceirizado.

A emenda aglutinativa aprovada também permite a “quarteirização”, ou seja, a subcontratação de uma empresa por uma outra empresa terceirizada.

O PT era o principal opositor à extensão da terceirização às atividades-fim. A atuação do governo, no entanto, foi principalmente focada nas questões fiscais. O relator do texto afirmou que o governo negociou somente questões tributárias.

“Nada sobre a questão de mérito do projeto, sobre as atividades-fim ou qualquer outro tema”, disse Maia. O governo vê com bons olhos a regulamentação da terceirização, mas internamente admite preocupação com o risco de “pejotização” que o projeto pode ampliar. Isto é, os trabalhadores hoje com carteira assinada serem trocados por um contrato de Pessoa Jurídica (PJ).

 

'Vitória da Casa'. Após o final da votação, Eduardo Cunha classificou a aprovação do texto final do Projeto de Lei que regulamenta a terceirização da mão de obra no Brasil como uma vitória.

 

"(O projeto vai) regular os direitos dos trabalhadores que não têm seus direitos reconhecidos pela forma precária como o trabalho terceirizado é regulamentado no País. Acho uma grande vitória da Casa", disse.

 

Cunha destacou o fato de o texto ter sido aprovado em semana de feriado. "No dia seguinte ao feriado, quando eu achava que não ia ter quórum, a Casa veio com a suas polêmicas, com os seus debates naturais, mas fez valer a posição de aprovar o texto", disse.

 

Questionado sobre as possíveis alterações que podem ser feitas no texto, agora que será analisado pelo Senado, Cunha disse que a palavra final será dos deputados. "O Senado entrou como casa revisora. Qualquer emenda que o Senado fizer voltará para ser deliberado pela Câmara. A última palavra será da Câmara", disse. / COLABORARAM NIVALDO SOUZA, BERNARDO CARAM E DAIENE CARDOSO 

GOVERNO CONTA COM A MOBILIZAÇÃO DE SINDICATOS PARA MUDAR PROJETOS

Planalto não considera aprovação uma 'derrota' e espera mudança no Senado, onde tem apoio de Renan Calheiros

 

 

 

A polêmica deixa o presidente do Senado, Renan Calheiros em lado oposto ao do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ)

A polêmica deixa o presidente do Senado, Renan Calheiros em lado oposto ao do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ)

 

 

Emissários do Palácio do Planalto não encararam o resultado da votação de ontem como uma "derrota final". Entre outros pontos, o texto aprovado estende a terceirização a todas as atividades. Para alterá-lo, governistas apostam na mobilização das centrais sindicais no Dia do Trabalhador e na discussão do projeto no Senado. As centrais sindicais anunciaram que vão às ruas contra o projeto, posição também defendida pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

 

A polêmica colocou Renan em lado oposto ao do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Renan disse ontem que a análise no Senado tem de ser feita com "maturidade" e se posicionou contrário à terceirização das atividades-fim. Para Renan, o PMDB não pode concordar com uma regulamentação da prática ampliada. Segundo ele, a medida tem de aumentar a segurança jurídica e precisa ter um limitador ou um porcentual para que as empresas realizem esse tipo de contratação.

 

"O Senado vai analisar esse projeto com maturidade. Evidente que há uma cobrança muito grande da sociedade com relação à regulamentação da terceirização. Mas essa regulamentação não pode ser ampla, geral e irrestrita. Se ela atingir 100% da atividade fim, estará condenando essas pessoas à supressão de direitos trabalhistas e sociais", disse.

 

Desde o início das discussões sobre terceirização, Cunha defendeu abertamente que o projeto tinha de incluir as atividades-fim, ou seja, as atividades principais de cada empresa. Hoje, é possível terceirizar apenas atividades-meio, como limpeza e segurança em um banco, por exemplo.

 

Quando questionado sobre a afirmação do presidente do Senado, Cunha disse que os deputados "tinham a palavra final" sobre o assunto. O projeto aprovado ontem segue agora para votação do Senado. Se a Casa comandada por Renan modificar o texto, ele volta para apreciação dos deputados, que podem alterá-lo antes da sanção da presidente Dilma Rousseff.

 

O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, passou boa parte do dia de ontem no Congresso fazendo lobby a favor do projeto. Ele afirmou que vai negociar o projeto que regulamenta e amplia a terceirização com Renan após a aprovação do projeto na Câmara. "É uma batalha por vez. Primeiro vamos aprovar na Câmara e depois começaremos uma nova maratona no Senado", disse.

 

Integrantes da CUT fizeram manifestação em uma das entradas da Câmara. Um pequeno grupo chegou a entrar no Congresso, mas não teve acesso às galerias. Em nota, a CUT afirmou que a "Câmara dos Deputados, sob o comando de seu presidente, apunhalou os trabalhadores e suas conquistas históricas aprovando a emenda que autoriza a terceirização em atividade-fim nas empresas do País" A entidade afirma que, apesar de os deputados terem piorado o projeto, com muito mais prejuízos para a classe trabalhadora, continua confiante na capacidade de mobilização para reverter a medida. / DANIEL CARVALHO, JOÃO VILLAVERDE, DAIENE CARDOSO, RICARDO BRITO E BERNARDO CARAM