Livre do peso do longo atraso na divulgação de dados financeiros auditados ao mercado, a Petrobrás voltou a enfrentar as desconfianças de sempre. Durante a teleconferência realizada nesta quinta-feira pelos executivos da empresa para explicar os dados do balanço, os analistas financeiros concentraram suas perguntas sobre o endividamento da estatal e sua capacidade de aumentar a produção para fazer caixa.
Na Bolsa, a reação foi confusa, com forte oscilação das cotações. As ações ON (ordinárias, com direito a voto nas principais decisões da empresa) subiram 5,63%, para R$ 14,06, refletindo o alívio com a divulgação do balanço. Já os papéis PN (preferenciais, sem direto a voto) caíram 1,52%, a R$ 12,92, afetados pelo anúncio de que, por causa do prejuízo, a estatal não pagará dividendos, a parte do lucro que cabe aos acionistas - os papéis PN têm preferência na hora de receber os pagamentos.
“A divulgação do balanço da Petrobrás sem dúvida alivia a situação, porque elimina o risco de uma aceleração no pagamento das dívidas da companhia”, afirmou Caio Toledo, analista da XP Investimentos.
Em linhas gerais, o prejuízo de R$ 21,587 bilhões em 2014, o primeiro resultado negativo anual desde 1991, causado por perdas de R$ 6,194 bilhões com gastos relacionados à corrupção e de outros R$ 44,636 bilhões com a revisão no valor dos ativos, não assustou investidores. A publicação do balanço, após cinco meses de adiamentos, e uma definição sobre o quanto registrar de perdas foram considerados “um alívio”.
Presidente da Petrobrás, Aldemir Bendine diz que novo plano de negócios deve ser anunciado em 30 dias
A agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) disse que a nota da Petrobrás não é afetada pelo balanço. Apesar de reconhecer que as baixas contábeis não afetam as métricas da companhia, a agência disse que a perspectiva negativa para a nota reflete incertezas sobre a capacidade de aumentar a produção.
Os analistas do banco Credit Suisse André Sobreira e Vinicius Canheu escreveram em relatório a clientes que os valores retirados como perdas do balanço “parecem grandes o suficiente para ter credibilidade”, mas investimentos estimados de US$ 29 bilhões, neste ano, e de US$ 25 bilhões, em 2016, não foram reduzidos na medida necessária diante de uma previsão de geração de caixa de US$ 23 bilhões neste ano.
Dívidas. Com dificuldade de gerar caixa e diante de um ambicioso plano de investimentos no pré-sal, a Petrobrás se endividou demais. A dívida líquida soma R$ 282 bilhões e subiu 27% em 2014 em comparação a 2013. Ela representa 48% do patrimônio da companhia, muito acima do limite de 35% estabelecido pela própria empresa.
Por isso, investidores esperam que a Petrobrás venda ativos e reduza investimentos. “Esperamos que os investidores foquem nos impactos da revisão do plano de negócios e na geração de caixa dos próximos dois anos”, escreveu o analista do Citibank Pedro Medeiros, em relatório distribuído nesta quinta-feira.
Na teleconferência, a diretoria da Petrobrás reforçou a estratégia de analisar a venda de ativos exploratórios, com o objetivo de compartilhar riscos e reduzir os investimentos. Segundo a diretora de Exploração e Produção, Solange Guedes, a companhia olha “com atenção” as oportunidades. “Olhamos com atenção ativos onde nós podemos compartilhar riscos”, disse Solange.
Ao comentar os resultados na quarta-feira, o presidente da Petrobrás, Aldemir Bendine, prometeu para daqui a aproximadamente 30 dias a apresentação do novo plano de negócios para os próximos cinco anos.
O plano de negócios 2014-2018, apresentado em fevereiro de 2014, prevê investimentos de US$ 220,6 bilhões. A expectativa de analistas é que a nova versão do plano venha menor.
'Até eu peço desculpas'
Presidente da Petrobrás de 2005 a 2012, ou seja, por quase todo o período sob investigação da Polícia Federal, iniciado um ano antes, José Sergio Gabrielli se disse tão constrangido quanto o atual presidente da companhia, Aldemir Bendine, que pediu desculpas ao revelar, durante a divulgação do balanço de 2014 da companhia, as perdas de R$ 6,2 bilhões com corrupção. O ex-presidente, porém, mantém a tese de que a corrupção teria sido prática isolada de alguns funcionários e um grupo de empreiteiras. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobrás
O senhor acompanhou a divulgação do balanço?
Não, não vi.
A empresa contabilizou em R$ 6,2 bilhões as perdas por corrupção.
Li o texto. O que a Petrobrás fez foi aplicar uma regra geral, um cálculo linear, generalizado, sobre todos os contratos de 27 empresas acusadas de cartel. Porque era impossível para a Petrobrás identificar o que é específico da corrupção em cada contrato e em cada momento. Em função disso, a Petrobrás optou por uma visão mais conservadora, com maior precaução, e aplicou um valor linear de 3% em todos os contratos, mesmo sabendo que pode não ter sido isso. Ficou impossível para a contabilidade explicar o que era específico de corrupção de cada caso.
Aldemir Bendine reconheceu que houve corrupção.
Ele diz de forma explícita que o que aconteceu foi uma relação de ex-funcionários da Petrobrás com as empreiteiras e as transações que levaram a isso ocorreram fora da Petrobrás tanto é que o sistema de contabilidade não consegue capturar.
Mas, chegou a pedir desculpas pelo que ocorreu na empresa.
Evidente. Até eu peço desculpas, porque criou-se uma situação que ninguém podia imaginar. Se tem um diretor que confessa o que fez, tem que pedir desculpas, é lógico.
O senhor diz que a corrupção ficou restrita às áreas dos diretores presos?
Não tenho como dizer isso. Corrupção é um caso de polícia. A contabilidade não consegue ver isso. Não acredito em corrupção sistêmica geral. Não se consegue identificar nem depois de um ano de intensa investigação o tamanho do problema e opta-se por uma regra geral. O que ocorreu foi uma operação entre empreiteiros e alguns empregados.
Os números dos contratos não levantaram suspeitas de superfaturamento na época?
Não, porque se tem uma variação aceitável de -15% e +20% sobre o valor do orçamento. É um intervalo grande, mas essa é a prática usual de projetos complexos e sob encomenda.
Apesar de prejuízo, Petrobrás pagará R$ 856 milhões de PLR
Apesar do prejuízo de R$ 21,6 bilhões registrado no ano passado, a Petrobrás vai pagar R$ 856 milhões aos seus empregados a título de Participação nos Lucros e Resultados (PLR). O Acordo Coletivo de Trabalho, firmado em setembro do ano passado, prevê que a companhia pague um valor mínimo de participação nos lucros mesmo quando for registrado prejuízo. O argumento é que a PLR se aplica sobre as atividades operacionais dos trabalhadores, como o resultado da produção.
"A empresa pode não ter lucrado, mas os resultados da produção foram muito bons, com o lucro bruto aumentando 15%, e refletem o comprometimento do corpo técnico da Petrobrás, que não pode ser confundido com o bando que assaltou a empresa", disse Silvio Sinedino, representante dos trabalhadores no conselho de administração da estatal.
Silvio Sinedino, representante dos trabalhadores no conselho de administração da Petrobrás
Sinedino destaca que o prejuízo registrado no balanço é consequência direta da corrupção e da perda de valor dos ativos. "Sem esta medida saneadora, a Petrobrás teria apresentado um lucro líquido acima de R$ 20 bilhões. O lucro bruto, por exemplo, teve um aumento de 15% em relação a 2013, passando de R$ 70 bilhões para R$ 80 bilhões." Apesar de milionário, a PLR deste ano será 58% menor que a paga no ano passado.
Voto contra. O representante dos trabalhadores no conselho rejeitou os dados e a metodologia proposta para as perdas com corrupção no balanço da Petrobrás. Para ele, o relatório contém "erros graves" em relação à baixa contábil da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco. O primeiro trem da Refinaria não foi incluído entre os ativos afetados por desvios de corrupção no relatório. O documento considera apenas perdas de R$ 9,1 bilhões relativas ao adiamento da segunda etapa (trem) suspensa diante da atual limitação de caixa da empresa.
"Não baixar agora o que já se tem certeza - o sobrepreço no primeiro trem da Rnest - significa que daqui para a frente a rentabilidade será sempre rebaixada em função desse peso morto que estaremos carregando", publicou Sinedino em seu site.
Uma das principais obras sob investigação da Operação Lava Jato, a refinaria partiu de um orçamento de US$ 2,3 bilhões para US$ 18,5 bilhões.