Qualquer governante pode pedir suor e lágrimas. Só não pode fazer isso mentindo. O teor do pronunciamento da presidente Dilma Rousseff foi muito ruim. Por trás de palavras como “paciência”, ela camuflou uma versão dos fatos que ofende a inteligência. Disse que a crise internacional explica a conjuntura brasileira, que nem está tão ruim; a imprensa é que confunde, em vez de esclarecer.

Depois de uma campanha em que mentiu sobre a situação econômica e energética do país, fica muito difícil ouvir a mesma irritante distorção da realidade. A explicação para a mudança de inflexão da política econômica poderia ser feita de forma mais sincera, se ela não tivesse feito um marketing tão agressivo, acusando os seus adversários de preparar o que ela já sabia que tinha contratado.

Dilma acusou os candidatos Marina Silva e Aécio Neves de estarem preparando um tarifaço de energia, de quererem “plantar inflação para colher juros”, de tramarem um ajuste fiscal desnecessário para tomar medidas impopulares. “Impopular quer dizer contra o povo”. Ela disse muito mais. Pouparei vocês da repetição do longo rosário de falsidades ao qual estivemos expostos na campanha.

Não foi, como já disse aqui, a crise hídrica que nos trouxe o aumento da energia. Como sabem os que acompanharam as análises e as entrevistas dos especialistas, o governo contratou o tarifaço. Ao fim de 2015, a energia terá subido 100% em dois anos. Só em parte é a falta de chuvas. O erro foi reduzir o preço de forma populista e irreal, foi deixar as empresas sem contrato por erros de gestão, foi postergar o problema, mandando as distribuidoras pegarem empréstimos para serem repassados ao consumidor. Foi ignorar os alertas. Dilma já sabia que a energia teria que subir e muito em 2015, chovesse ou não. Os empréstimos bancários foram dados com o aval da Aneel para as distribuidoras cobrarem do consumidor com juros e correção monetária a partir deste ano.

Segundo a versão que a presidente apresentou, a energia vai subir apenas temporariamente. Não é verdade. Até o aumento da bandeira tarifária vai demorar bastante a ser revertido. As empresas ainda estão pegando empréstimos bancários que continuarão nos próximos anos sendo jogados na conta. Disse que estamos entrando numa outra fase da crise internacional de 2008 que, na visão dela, enfrentamos muito bem. A economia americana está crescendo, com recorde de criação de empregos. A China reduziu devagar seu crescimento, mas isso era esperado, e ainda cresce a 7%, a Europa tem dificuldades, mas vários países tem desempenho melhor que o país. O Brasil está estagnado e indo para a recessão. Parte fundamental da crise é resultado de políticas erradas, gasto desenfreado, mentiras contábeis e preços reprimidos.

Dilma disse: “como o mundo mudou, as circunstâncias mudaram, tivemos que mudar”. Para se aceitar essa versão era preciso provar que todo esse novo cenário ocorreu após a eleição. Durante a campanha, ela já sabia que mudaria o rumo na política econômica, mas seu marketing atacou e ofendeu todos os candidatos e seus assessores que alertaram que o Brasil precisava alterar o rumo da política econômica. É difícil, num domingo à noite, ouvi-la falar como se o país fosse formado por pessoas desmemoriadas e desinformadas. A se acreditar no que ela disse, o governo estava certo antes e está certo agora que mudou completamente de rumo, porque essa alteração só foi necessária no momento seguinte ao fechamento das urnas.

Dilma disse também que a crise brasileira não é tão ruim. Falso. O Brasil está com um déficit fiscal gigante, déficit externo enorme, inflação indo para 8%, país em estagnação, e a Petrobras no fundo do poço. Isso é sim um situação grave. Sair dela será mais fácil se o governo reconhecer o tamanho da crise. Dilma comparou com o ajuste de 2003. Naquele momento, a alta do câmbio ocorreu pelo medo de mudança na política econômica que Lula não fez, apesar de ter dito que faria. A manutenção da política foi o suficiente para acalmar os ânimos. O país não estava com esse déficit fiscal, nem com tarifas reprimidas, nem em estagnação, nem em crise política. A conversa “sincera e íntima” que propôs não foi sincera. E foi o que mais irritou. Sinceramente.