A Central Única dos Trabalhadores (CUT), criada em 1983 com um discurso de contestação à estrutura sindical corporativa da época, enfrenta hoje um processo de perda de representatividade. Isso ocorre justamente num momento em que o PT, partido ao qual está intimamente ligada, passa por sua maior crise política e vem demandando da central mobilizações populares a favor do governo.

Embora mantenha ainda a posição de maior central trabalhista do País, a organização vê sindicatos e trabalhadores migrarem para outras centrais ou passarem a atuar de forma independente. 

Segundo dados do Ministério do Trabalho, as perdas se agravaram com a ascensão ao poder de Dilma Rousseff. Em 2011, primeiro ano da presidente que sucedeu ao sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, a CUT representava 38,2% do total de trabalhadores registrados na pasta. Neste ano, o número oficial baixou para 33,6%.

Nesse processo de mudança, a informação mais preocupante para os dirigentes da CUT é a perda de sindicatos na área do funcionalismo público – hoje o principal reduto da central que nasceu sob a inspiração das grandes greves de metalúrgicos da região do ABC Paulista, na década de 1980.

A perda mais recente foi a do Centro dos Professores do Rio Grande do Sul, com 81 mil filiados. Há poucos dias, em assembleia, os professores gaúchos decidiram se desvincular da CUT, à qual estavam ligados há 19 anos.

A explicação mais visível para a redução do espaço da central de coloração petista é o surgimento de outras centrais sindicais. Entre as sete centrais hoje reconhecidas oficialmente, cinco surgiram de 2005 para cá. A mais nova, a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), foi reconhecida no fim de 2014.

“A CUT é a organização que mais sofre com a aparição de outras centrais”, diz Miguel Torres, da Força Sindical. A central que ele dirige, a segunda maior do País, também está perdendo espaço para novas organizações.

 

 

Governismo. O surgimento de novas centrais, porém, não constitui a única explicação para as perdas da CUT. Na avaliação de sindicalistas e estudiosos ouvidos pelo Estado, a central estaria sendo prejudicada também pela sua excessiva identificação com o PT, que governa o País desde 2003. Na prática, isso teria resultado num certo acomodamento e redução da capacidade de combate cutista.

Nos anos em que a economia ia de vento em popa, com os níveis de emprego e de reajustes salariais em alta, a proximidade com o governo era até considerada positiva. Mas, com a mudança do vento e a necessidade de reajustes, que já começaram a ter efeitos sobre os trabalhadores, essa proximidade começou a ser vista como um defeito.

Na opinião do sindicalista Paulo Barela, da direção da Conlutas, central que ainda busca reconhecimento oficial e que disputa espaço com a CUT em várias frentes do funcionalismo público, a crise econômica está tornando mais agudas as contradições de central ligada ao PT.

“Até a metade do primeiro governo Dilma, o Brasil vivia uma certa estabilidade econômica. A crise externa não batia com força aqui. Agora ela se tornou tão profunda que vem obrigando o governo a tomar medidas impopulares, que atingem desempregados, doentes, viúvas”, diz Barela. “Mas não é só isso. O País também vive uma crise institucional, com a polarização da política e o fortalecimento da direita. Nesse momento, o governo busca apoio nas centrais sindicais próximas. A CUT está sendo obrigada a desembarcar de mala e cuia na defesa do governo.”

Essa é a contradição na qual a CUT está mergulhada. De um lado, procura se alinhar com outras centrais na crítica ao reajuste econômico do governo. De outro, é pressionada a sair às ruas em defesa do mesmo governo, diante dos problemas de governabilidade e das ameaças de impeachment.

Ao lado de movimentos sociais, a central já foi às ruas no dia 13 de março com essa pauta ambígua, que mistura protestos contra o ajuste fiscal, contra medidas antitrabalhistas e a defesa do governo, num contraponto às manifestações que pedem o “Fora Dilma”. Ato semelhante, com apoio da CUT, está programado para amanhã, em todo o País.

Na terça-feira passada, em evento promovido pela CUT e por movimentos sociais da base de apoio do governo, Lula, fundador da central, defendeu o reajuste – que inclui cortes em benefícios trabalhistas – e cobrou: “Somos militantes políticos, não apenas economicistas”.

Outro problema da central é a redução do número de parlamentares no Congresso ligados a ela. 

Procurado pelo Estado, o presidente da CUT, Vagner Freitas, não quis dar entrevista.

 

‘Iniciar ajuste pelos trabalhadores é um erro’

 

A União Geral dos Trabalhadores (UGT) foi a organização sindical que apresentou melhor desempenho, em termos de evolução da representatividade, nos últimos cinco anos.

O fato está relacionado ao aumento do peso do setor do comércio – onde a UGT concentra suas forças – no conjunto da economia do País, ao mesmo tempo que decai o peso da indústria. Mas, segundo o presidente da UGT, Ricardo Patah, esse não é o único fator.

Como o senhor explica o crescimento da UGT?

As outras centrais sempre se voltaram mais para as chamadas áreas nobres do sindicalismo. A CUT voltou-se para o funcionalismo público e a Força, para o setor metalúrgico. Nós começamos a valorizar os sindicatos considerados de segunda categoria, que incluem comerciários, terceirizados, varredores de rua, empregados de padarias. As outras centrais falavam em chão de fábrica. Nós começamos a falar em chão de loja. Cerca de 60% dos comerciários do País estão ligados hoje à UGT. Outro fator que deve ser considerado é a nossa pluralidade democrática. Enquanto a CUT está claramente vinculado ao PT e a Força, ao Solidariedade, a UGT tem ligações com vários partidos.

Mas o senhor é filiado ao PSD.

Eu sou. Mas também temos gente do PT, PPS, PV e outros partidos. Nosso vice-presidente é filiado ao PV. Os partidos não devem utilizar as centrais como massa de manobra. Eles devem estar a serviço dos trabalhadores, da sociedade. A excessiva partidarização das centrais não passa desapercebida aos trabalhadores.

Como vê as medidas de reajuste fiscal do governo Dilma?

Eu confio na presidente, mas acho que cometeu um erro estratégico, ao iniciar o reajuste pelos trabalhadores. O valor da economia que o governo fará com essas medidas será baixo, mas o custo social é enorme e causa tumulto. É claro que podemos nos entender por meio do diálogo. Mas ele só vai funcionar se o governo demonstrar que está levando as mudanças a sério, cortando, por exemplo, o número de ministérios e reduzindo a quantidade de cargos comissionados.