Título: DF segrega, diz antropólogo
Autor: D"angelo, Ana; Bonfati, Cristiane
Fonte: Correio Braziliense, 23/07/2011, Economia, p. 11

Retratos do Brasil

Para professor da UnB, o Plano Piloto está cada vez mais branco e o entorno de Brasília, mais negro. Estereótipos marcam as relações

» Ana D,Angelo Cristiane Bonfanti » Cecilia Pinto Coelho

O Distrito Federal é um dos lugares com maior segregação de classe social e de raça no Brasil. A afirmação é do professor José Jorge de Carvalho, do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB). ¿É o mesmo apartheid da África do Sul¿, constata. Segundo ele, conforme se aproxima do Plano Piloto, o DF fica mais branco. Quando se afasta, vai se tornando mais negro. ¿A segregação é tão alta que a população percebe isso¿, diz ele, ao analisar os dados apontados pela pesquisa do IBGE, em que o DF aparece com o maior número de entrevistados que reconhecem a existência do preconceito em razão da cor da pele da pessoa.

¿Se o entrevistado afirma que a cor da pele influencia, isso aponta imediatamente para o racismo. Se não houvesse discriminação, ele diria que não¿, explica Carvalho. Ele ressalva, no entanto, que os dados relativos ao Distrito Federal ficariam atrás dos da Bahia e do Rio de Janeiro, caso o levantamento também tivesse sido feito nesses estados. No entanto, no Rio, diz ele, a segregação social é menor, pois há favelas localizadas na Zona Sul, área nobre da capital, perto das praias. Já no DF, há dois mundos distintos: o Plano Piloto e as demais cidades ao seu redor.

¿Quem mora nas satélites e tem padrão de vida realista sabe que esse lugar é segregado. Por isso, a pessoa de pele mais escura percebe essa diferença. Quase não há negros nas repartições públicas¿, critica.

Ele lembra que os atuais salários pagos aos servidores públicos, principalmente os do Legislativo, do Judiciário e de algumas carreiras do Executivo, geram uma impressão de que isso é a regra, quando é exceção até para padrões mundiais. ¿Mesmo nos Estados Unidos é difícil para assalariados ganharem US$ 10 mil, US$ 12 mil por mês.¿

No que diz respeito ao trabalho, reconhece Carvalho, o empregador segrega já na hora da entrevista. ¿A seleção é feita a portas fechadas. Não é como uma prova escrita, auditável. O entrevistador pode simplesmente dizer que o profissional não está no perfil desejado¿, explica. Iara Francisca da Silva Santos, 36 anos, dona de um salão de beleza para o público afro, revela ter tido problemas na hora de ser contratada para trabalhar em uma loja. ¿Escolheram a mais clarinha, por causa da suposta boa aparência¿, conta. ¿Inventaram aquelas mil e uma desculpas¿, conta.

Jovens Para o professor da UnB, os policiais trabalham com estereótipos, o que torna a relação com negros mais difícil. ¿Um jovem negro entre 18 e 25 anos é quem mais corre risco de violência policial no Brasil. Ele é o maior alvo de repressão¿, disse.

¿Na escola, os estudos revelam que a criança negra é menos abraçada pela professora do ensino primário, recebe menos elogios e é menos atendida. A discriminação ocorre sistematicamente no ambiente educacional¿, afirmou o professor. O problema, segundo ele, é que a criança segregada leva feridas pela vida inteira. ¿Ela sente a rejeição muito cedo e precisa de mecanismos de defesa para suportar. Ela se isola. Outras ficam com a autoestima baixa e têm insegurança em outros momentos da vida", afirmou. Carvalho observou que o número de namoros entre pessoas de cores diferentes é baixo, o que foi refletido pelo resultado da pesquisa no que diz respeito ao convívio social.