A base de sustentação do governo Dilma Rousseff na Câmara está tão desestruturada agora quanto estava a de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, na época em que a crise do mensalão contaminava o Congresso. Esses dois períodos registram o pico de falta de coesão dos partidos, explicitada pelas votações dos seus deputados federais.

A conclusão é de um levantamento do Estadão Dados na base de votações nominais da Câmara. Para chegar até ela, foi criado um índice de dispersão que varia entre zero – quando todos os deputados do mesmo partido votam de maneira idêntica em todas as votações – e 10 – quando a dispersão interna é máxima dentro de cada sigla. 

 

Os altos índices de dispersão dos partidos da base aliada ajudaram a elevar a média geral da Câmara.

Os altos índices de dispersão dos partidos da base aliada ajudaram a elevar a média geral da Câmara.

O índice médio para a Câmara foi de 3 em fevereiro e de 2,5 em março – mês em que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou a lista de 35 parlamentares investigados sob suspeita de envolvimento com o escândalo da Petrobrás. Os altos índices de dispersão dos partidos da base aliada ajudaram a elevar a média geral da Câmara. 

O PMDB, por exemplo, registra uma taxa de 2,8 em março. O PP, partido mais atingido pela Operação Lava Jato, chega a um índice de 4,8 no mesmo mês. 

O recorde anterior havia sido registrado em meio à crise do mensalão, em setembro de 2006, quando a média geral atingiu 2,6 – meses antes, a CPI dos Correios aprovara relatório pedindo indiciamento de mais de 100 pessoas.

Os quadros publicados abaixo trazem retratos dos partidos na Câmara em quatro momentos distintos. Dois deles, de Lula e Dilma ao redor de 15 meses de gestão, mostram governos fortes, com quase todos os partidos da base com alta taxa de fidelidade nas votações e relativa coesão nas bancadas. Nessas duas situações, o índice de dispersão não chegou a 1,6.

Os outros dois permitem a visualização do desarranjo provocado por dois escândalos de corrupção – o do mensalão, no fim do primeiro mandato de Lula, e o da Operação Lava Jato, que domina o atual cenário e ameaça dezenas de políticos.

Essas “fotografias” da Câmara foram obtidas a partir de uma nova ferramenta online construída pelo Estadão Dados para analisar o governismo e a coesão das bancadas partidárias nos últimos 12 anos. Para calculá-la, foram analisadas todas as votações nominais na Câmara desde 2003 para as quais havia orientação do governo.

Em março de 2004, Lula tinha no Congresso nove partidos de apoio com mais de 90% de índice de governismo: PT, PMDB, PSB, PC do B, PL, PP, PTB, PDT e até o PPS, que mais tarde iria para a oposição. 

Em agosto de 2006, após o vendaval político provocado pelo mensalão, apenas o PT e o nanico PTC ainda apresentavam taxa de governismo superior a 90%. 

Em março de 2012, também com 15 meses de governo, Dilma tinha situação confortável na Câmara, segundo a média das votações dos seis meses anteriores. Seis partidos grandes e médios apresentavam índice de governismo superior a 90%: PT, PMDB, PSD, PP, PSB e PTB.

Hoje em dia, só o PT e alguns nanicos se mantêm com fidelidade superior a 90%. O PMDB, que já foi o principal aliado dos petistas na Câmara dos Deputados, desabou para o 13.º lugar no ranking do governismo. 

 

 

Falta de coesão no PMDB supera média das legendas

A relação da presidente Dilma Rousseff com a Câmara dos Deputados hoje é a pior que um presidente já enfrentou desde 2003. Mas isso não acontece porque a oposição aumentou. O maior problema para Dilma é a sua própria base aliada, que abandonou definitivamente o apoio incondicional ao governo mostrado nos anos Lula e no começo da sua segunda gestão.

Hoje, a taxa de governismo geral da Câmara é de 65%, dez pontos porcentuais a menos do que no mesmo período do primeiro mandato. O índice de dispersão geral dos partidos em 2011 era de 1,3, metade do atual.

Vários partidos da base aliada racharam e há deputados governistas e oposicionistas dentro da mesma sigla. Um exemplo é o PMDB. Em março de 2011, ele votava a favor do governo em 93% das vezes e tinha índice de dispersão baixo, de 1,6. Já no mês passado, sua taxa de governismo era de 69% e a de dispersão pulou para 2,8 – acima da média geral de março, de 2,5 –, valor que só havia sido superado antes durante a crise do mensalão, em 2006. 

O professor de Ciência Política da USP Bruno Speck concorda que este é um dos momentos de menor coesão partidária dos partidos governistas. “Eles apresentam altíssimas taxas de dispersão, votando ora a favor, ora contra o governo”, diz. Segundo ele, esse quadro não impede que o governo consiga aprovar medidas que considera importantes, como a do ajuste fiscal. “É possível que a presidente consiga aprovar os seus projetos com este quadro, somando os votos dispersos de grupos ou parlamentares individuais.”

Essa situação, porém, destoa do comportamento visto no Congresso em passado recente, segundo o professor. “Para voltar a articular o presidencialismo de coalizão por meio das lideranças partidárias, serão necessárias fortuna e habilidade política para aumentar a coesão dos partidos do grupo governista e diminuir seu afastamento das orientações da presidente”.