Título: O risco China
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Fonte: Correio Braziliense, 23/07/2011, Economia, p. 16

Com o desastre econômico afastado na Europa ¿ pelo menos a curto prazo ¿, devido ao socorro de 159 bilhões de euros à Grécia, os olhos do mundo se dividem, agora, entre os dois extremos, os Estados Unidos e a China. O tempo para que o governo norte-americano aprove no Congresso o aumento do teto da dívida do país, de US$ 14,3 trilhões, está se esgotando e os riscos de calote ficam cada vez maiores.

A aposta majoritária, no entanto, é de que os políticos da maior potência do mundo deixarão a irresponsabilidade de lado e chegarão a um consenso.

É justamente a certeza da vitória do presidente norte-americano, Barack Obama, que faz crescer a expectativa com a China. Segunda economia do planeta e carro-chefe das nações emergentes, o país asiático está flertando com sérios desequilíbrios. Os alertas mais recentes vieram do Fundo Monetário Internacional (FMI). A inflação alcançou seu pico em três anos, ao cravar 6,4% no acumulado de 12 meses terminados em julho contra uma meta de 4%. Há claros sinais de bolha no mercado imobiliário e de uma onda de calote em empréstimos bancários.

Todas essas ameaças surgem em um momento de desaceleração da economia chinesa. A indústria daquele país deve fechar julho com queda, a primeira em um ano. Ao mesmo tempo em que pisam no freio, as empresas enfrentam uma pressão crescente por aumentos de salários e mais benefícios trabalhistas, custos que podem ser repassados aos consumidores. Desde outubro de 2010, o governo já aumentou os juros cinco vezes e a expectativa é de que pelo menos mais duas elevações sejam necessárias para conter os movimentos de remarcações de preços.

São poucos os especialistas que se arriscam a prever um desaquecimento mais forte da China, dado o poder do governo daquele país para reagir a intempéries. Mas, como ressalta Zeina Latif, economista sênior para a América Latina do Royal Bank of Scotland, tudo o que se refere à economia chinesa ganha proporções gigantescas, sobretudo com o mundo rico se debatendo para sair de uma crise que dura mais de dois anos e dificilmente será revertida tão cedo.

Contágio no Brasil Problemas na China deságuam de duas formas no Brasil. Primeiro, por meio da balança comercial. Além de ser a maior consumidora de matérias-primas produzidas no país, a economia chinesa interfere, de forma definitiva, nos preços desses produtos cotados em bolsas internacionais. Quer dizer: se reduzirem a demanda pelas chamadas commodities, os chineses empurrarão os preços das mercadorias ladeira abaixo e menos dólares entrarão no país.

Muitos vão dizer que, na conjuntura, um fluxo menor de dólares para o Brasil seria até favorável, pois ajudaria a cotação da moeda norte-americana, que está no menor nível em 12 anos, a recuperar o fôlego ante o real. Mas com a China na berlinda, a aversão ao risco em relação aos países emergentes dispararia, reduzindo o fluxo de recursos financeiros para essas nações. A combinação de receitas menores nas exportações com menos dólares em investimentos, o denominado contágio duplo, jogaria os preços do dólar para cima, com forte impacto sobre a inflação.

Não se pode esquecer que, sem poupança interna para financiar o crescimento, o Brasil se tornou extremamente dependente de capital externo para fechar as contas. O Banco Central prevê que o rombo nas transações correntes do país com o exterior ficará em US$ 60 bilhões neste ano. Em um mundo sem complicações, financiar tal buraco não é problema. Mas, em um quadro global de grande incerteza, como ressalta o próprio BC, o estado de alerta tem de ser permanente.

Irresponsabilidade Incertezas à parte, nada justifica que o Banco Central ceda às pressões do mercado para aumentar pelo menos mais uma vez a taxa básica de juros (Selic), que está em 12,50% ao ano. Será visível, neste terceiro trimestre, a desaceleração da atividade brasileira. Também não há nada que garanta nova disparada da inflação, mesmo que o etanol suba, puxando para cima o preço da gasolina.

Com o aperto promovido pelo Comitê de Política Monetária (Copom) desde janeiro do ano passado, a Selic passou de 8,75% para 12,50% ¿ um salto de 3,75 pontos. Além disso, foram adotadas medidas prudenciais que representam alta de 0,75 ponto nos juros. Sendo assim, os que pregam mais arrocho deveriam levar em consideração os impactos que os movimentos do BC terão sobre a economia até o início de 2012. Falar em leniência da autoridade monetária com a inflação chega a ser irresponsável.

Na verdade, bancos e corretoras que estão pedindo mais juros precisam prestar contas a seus clientes. Nas últimas semanas, convenceram muitos deles de que poderiam ganhar dinheiro em cima das decisões do BC. Agora, diante da possibilidade de não entregarem o que prometeram, serão cobrados. E os responsáveis pelas análises desastrosas sobre a inflação ¿ que está em queda ¿ poderão ver os seus bônus minguarem. Mas isso não é culpa do Banco Central. Trata-se de ganância semelhante à dos bancos que financiaram a Grécia cobrando taxas elevadas e, agora, terão de abrir mão de parte dos lucros se não quiserem ficar com um monte de títulos podres nos cofres.

Vicente Nunes é editor de economia