A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) abriu 300 processos de autuação contra a América Latina Logística (ALL) entre 2010 e 2014. Na média, cada punição é da ordem de R$ 200 mil, o que significa dizer que a empresa foi multada em cerca de R$ 60 milhões por descumprir algum tipo de determinação da agência reguladora ou do contrato de concessão.

A maioria dos recursos, no entanto, nunca entrou na conta da ANTT, pois todos os processos estão na Justiça. Por não concordar com a decisão, a empresa tem por princípio questionar as multas na Justiça. Com uma liminar em mãos, ela faz os depósitos em juízo e consegue suspender as determinações da agência. Por isso, mesmo com autuações, a companhia continua não corrigindo erros apontados pela ANTT, afirma um executivo que já prestou serviços para a ALL.

Para o presidente da consultoria Inter.B, Cláudio Frischtak, a atual situação da companhia pode ser resultado da forma agressiva que os administradores da empresa operam a malha. "Eles podem estar operando o sistema além do limite. Ou seja, eles estressam os ativos até o limite", avalia o especialista, que compara a empresa ao próprio setor de infraestrutura.

Segundo ele, o Brasil tem investido 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) no setor quando o mínimo necessário para compensar o desgaste natural da infraestrutura é 3%. "O resultado são os gargalos encontrados em todos os segmentos." Na ALL, os investimentos abaixo do necessário podem estar se traduzindo em queda da velocidade dos trens. O governo também tem uma participação nesse desempenho já que não tem conseguido eliminar alguns gargalos, como passagens de nível (onde uma rodovia cruza com a ferrovia) e invasão da faixa de domínio (moradias construídas ao lado da ferrovia).

Mesmo assim, os números da ALL estão distantes dos registrados pelas demais ferrovias do Brasil, cuja velocidade varia entre 26 km/h e 46 km/h (exceto a Transnordestina, cuja velocidade é de 13,23 km/h). Entre 2009 e 2013, elas tiveram comportamento diferenciado. Algumas ficaram estáveis. Outras apresentaram ligeira melhora, como a Estrada de Ferro Vitória-Minas, da Vale, e a MRS Logística.

Briga com cliente. Antes da fusão com a Rumo Logística, a situação da ALL começou a se complicar. A empresa foi processada por clientes do setor de agronegócio que estavam descontentes com o serviço prestado e colocou em xeque a conquista mais festejada pelos executivos da companhia nos últimos anos, que eram os contratos de longo prazo.

Na maioria dos acordos, as empresas investiam na compra de vagões, na recuperação de trechos da malha ferroviária e na construção de terminais de transbordo. Tudo ficava sob a administração da ALL, que dava aos clientes desconto no transporte da carga pela estrada de ferro. De um lado, as empresas reduziam a dependência do transporte rodoviário e, do outro, a concessionária aumentava a carteira de clientes.

Mas, num determinado momento, os clientes começaram a reclamar que a empresa estava descumprindo o contrato e desviando vagões para outros setores. Os processos estão sob sigilo, mas, pelo menos, um caso está resolvido, que é o da Rumo Logística. Em fevereiro deste ano, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a fusão entre a ALL e a Rumo, do grupo Cosan.

Com a carta branca do Cade, a Rumo e seus acionistas ficaram com 36,5% (Cosan terá 27,4% e os fundos TPG e Gávea, 4,56% cada) e o BNDESPar, com 7,69%. Os acionistas privados somam, juntos, 7,19%. Os fundos de pensão e o fundo BRZ ficaram com 8,17%. O restante, 40,4%, é negociado em bolsa. Cosan, TPG, Gávea e BNDES estão no bloco de controle da ALL.

Privatização. A história da companhia, que detém 12,9 mil km de ferrovias no Brasil, começou com as privatizações das malhas administradas pela Rede Ferroviária Federal. Em 1997, um grupo liderado pelo GP Investimentos arrematou a malha sul, de 7.304 km nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo.

Depois de pôr ordem na casa e tornar a operação lucrativa, os sócios decidiram fazer o IPO (abertura de capital) da empresa, em 2004. Dois anos mais tarde, a empresa comprou a Brasil Ferrovias, que vivia uma grave crise financeira. A aquisição permitiu forte crescimento no Centro-Oeste, mas elevou o endividamento da empresa que, no ano passado, somava R$ 6,8 bilhões.

 

Empresa já foi modelo de eficiência no setor  

 

A mesma ALL que regrediu os níveis de velocidade de sua malha ferroviária ao período "pré-privatização" já foi sinônimo de eficiência no setor. A empresa teve origem, em 1997, com a aquisição de ferrovias estatais sucateadas e teve como primeiro investidor o GP Investimentos, dos criadores da Ambev, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. Eles transferiram para a companhia a obsessão por lucro e eficiência que sempre norteou seus negócios e fez com que, em dez anos, a ALL se tornasse a maior operadora logística de trens da América Latina.

Mas a falta de investimento na malha, por parte da empresa e do governo federal, fez o projeto de "empresa modelo" degringolar. Os primeiros sinais de que algo não ia bem começaram a aparecer quando se tornaram públicas as reclamações de clientes por descumprimento de contratos - o que coincidiu com uma sucessiva troca de presidentes.

Quem esteve à frente da empresa em seu melhor momento - de 2005 a 2010 - foi o carioca Bernardo Hees, executivo de confiança de Jorge Paulo Lemann. Ele deixou a ALL para virar sócio da 3G Capital, dos mesmos fundadores da Ambev, e assumir o comando global da rede de fast-food Burger King. Hoje ele está à frente da empresa que vai se originar da mega fusão entre a Heinz e a Kraft Foods.

Desde que Hees saiu da ALL, passaram por lá três presidentes. Paulo Basílio ocupou o cargo por menos de dois anos e foi substituído por Eduardo Pelleissone, que ficou apenas 11 meses e passou o bastão para Alexandre Santoro. Na ocasião, a empresa disse que a troca de executivos era normal.

Fusão. Santoro ficou na presidência até o início de abril, quando foi substituído por Julio Fontana Neto, presidente da Cosan Logística. Desta vez, a mudança no comando da empresa é clara: faz parte dos ajustes após a fusão com a Rumo, que pertence à Cosan. A união das duas empresas foi anunciada no início de 2014, mas só em fevereiro deste ano teve aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Para levar o negócio adiante, a Cosan teve de enfrentar contestações de acionistas da ALL, entre eles Previ (Fundo de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil), Funcef (da Caixa) e o braço de participação do BNDES (BNDESPar).

A entrada da Cosan na ALL era um sonho antigo do empresário Rubens Ometto, que tem diversificado os negócios do grupo, originalmente formado por operações de açúcar e álcool, para a área de distribuição de combustíveis e infraestrutura.