Parece ter acabado em pizza… ops, em uma solução moderada e consensual, o imbróglio da correção monetária das faixas do Imposto de Renda, em 2015. O governo comemorou o êxito da negociação com a base aliada menos aliada do planeta e a base aliada, capitaneada pelo PMDB, tendo à frente os rebeldes presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, sentiu-se vitoriosa por ter dobrado o Planalto. Já os contribuintes continuaram a ser tungados sem causa justa.

Para o governo, foi mais do que uma redução de danos. Pelos cálculos da própria Fazenda, se as faixas fossem corrigidas em 6,5% — nível da variação da inflação, medida pelo IPCA, em 2014 —, a renúncia fiscal chegaria, no ano, a R$ 7 bilhões, um terço a mais do que os R$ 5,3 bilhões que deixariam de entrar nos cofres públicos, se a tabela fosse ajustada em 4,5%. Com a correção escalonada, o governo deixará de arrecadar, em 2015, R$ 4 bilhões — “economia” de R$ 1,3 bilhão.

A correção pelo nível de inflação, que, em 2015, só “beneficiará” a faixa mais baixa de renda, se o sistema tributário objetivasse promover algum tipo de justiça fiscal, deveria ser permanentemente automática. Essa correção automática evitaria, pelo menos na média, que a mesma renda real sofresse aumento de taxação, sem mais nem menos. A correção das faixas de rendimento por percentuais abaixo da variação da inflação equivale a uma alta de alíquotas, sem a correspondente alta de renda, feita com mão de gato.

Recorrer a um tal expediente obscuro e condenável poderia até ser algo a se aceitar como exceção, em casos de grande emergência, desde que a abordagem do governo fosse transparente. Mas, infelizmente, o recurso excuso é a regra. Nos últimos 20 anos, desde que a correção monetária foi parcialmente eliminada pelo Plano Real, o ajuste nominal das faixas de rendimentos, visando neutralizar os efeitos inflacionários na tributação da renda, quase sempre ficou abaixo do avanço da inflação.

O resultado da manipulação tem sido amplamente vantajoso para a arrecadação tributária — e, no outro lado da moeda, prejudicial para o contribuinte. De1996, quando a tabela progressiva foi convertida para reais, a 2014, a defasagem na correção das faixas de renda, em relação à inflação, chegou a 65%. Ainda que seja necessário descontar os aumentos reais concedidos ao salário-mínimo ao longo dessas duas décadas, o pesado efeito contra o contribuinte do sistemático ajuste das faixas de renda abaixo da inflação é incontestável. Se em 1996, a faixa de isenção beneficiava contribuintes com rendimentos de até oito salários-mínimos, atualmente só quem recebe no máximo 2,5 salários-mínimos se enquadra na zona de isenção.

Nem a “justiça social” do escalonamento da correção das faixas de renda, promovida, em última instância, à custa de aumento de tributação sem aumento real do fato gerador, deveria ser considerado um avanço. Para começar, sem que o rendimento efetivamente tenha aumentado, contribuintes de faixas de renda intermediárias saltarão para alíquotas mais altas. Serão tratados pelo Fisco como mais ricos, mas continuarão onde estavam, em termos de poder aquisitivo, e descerão alguns pontos na escala da renda disponível.

Na novela da correção das faixas do imposto de renda agora concluída, o que chama mesmo a atenção é o cotidiano esforço dos governos para arrancar, de que maneira for, sempre mais e mais recursos dos contribuintes. Salta aos olhos o modo oblíquo como a administração ineficiente e nem sempre responsável das contas públicas se combina com um sistema tributário regressivo, burocratizado, anticompetição e injusto para, no fim das contas, propiciar uma ampliação das desigualdades sociais.