A disputa por protagonismo entre policiais federais e procuradores da República na Operação Lava Jato paralisou indefinidamente parte das investigações relativa às suspeitas de envolvimento de políticos no esquema de corrupção na Petrobrás. A divergência levou o Supremo Tribunal Federal a determinar, a pedido do Ministério Público Federal, a suspensão de diligências a serem cumpridas em inquéritos que abrangem, entre outros, os presidentes da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), e do Senado, Renan Calheiros (AL), ambos do PMDB, o que deve atrasar as investigações envolvendo políticos. 

Os desentendimentos entre policiais e procuradores surgiram desde a abertura dos inquéritos a partir de autorização do Supremo, em março. A queda de braço se intensificou nesta semana. Isso porque procuradores telefonaram para parlamentares informando que os investigados não precisariam, necessariamente, depor na sede da Polícia Federal em Brasília. Poderiam optar por realizar a oitiva, por exemplo, na sede da Procuradoria-Geral da República.

A iniciativa de procurar diretamente os investigados incomodou integrantes da PF, o que levou a uma troca de telefonemas entre o diretor-geral do órgão, Leandro Daiello, e o procurador-geral Rodrigo Janot. O primeiro contato partiu do procurador, que teria relatado ao chefe da PF que políticos investigados pediram à sua equipe para serem ouvidos na procuradoria da República e não na sede da PF. Ou seja, sem a presença de policiais. 

Em resposta, Janot ouviu que a polícia estava cumprindo uma decisão do STF e que qualquer alteração deveria ocorrer mediante consulta do procurador à Corte. Ocorre que ao averiguar por que razão os investigados não queriam mais depor para os delegados, a PF descobriu que era a PGR quem estava orientando os alvos, o que aprofundou a crise. Coube ao ministro José Eduardo Cardozo, titular da Justiça, a quem a PF é subordinada, tentar buscar o consenso. Ontem à noite, Cardozo conversou com Janot e Daiello separadamente. Após esse telefonema, a PF desistiu de divulgar nota a respeito da crise. 

Num outro ponto de desentendimento, a polícia teria pedido ao STF novas diligências a partir dos documentos analisados sem consultar previamente a procuradoria. Para os policiais, o estresse quanto a isso foi causado porque a procuradoria quer limitar as investigações e não teria como justificar a negativa de um pedido para avançar no inquérito. Já para os procuradores, a PF tomou a dianteira de forma indevida uma vez que o próprio ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, definiu na abertura dos inquéritos que o autor “incontestável” das investigações é o MPF. 
 
Diante do impasse, a PGR encaminhou na terça-feira ao STF pedido para suspender depoimentos programados entre 15 e 17 de abril, o que só foi atendido por Zavascki na noite de anteontem. 
O ministro do STF Marco Aurélio Mello criticou ontem a divergência entre os órgãos ao afirmar que “a verdade” a ser desvendada nas investigações fica prejudicada. “O inquérito busca a verdade e é preciso que as instituições funcionem nas áreas reservadas pela lei. A Polícia Federal, o Ministério Público e, capitaneando, o STF. Não é uma coisa boa o desentendimento entre autoridades”, disse. 
 
Outro integrante da Corte, ouvido reservadamente, afirmou que o desentendimento atrasa as investigações, mas destacou que a divergência entre os dois órgãos é histórica.
 
A Associação Nacional dos Procuradores da República divulgou nota sobre a crise: “Os procuradores reiteram sua inteira confiança na Polícia Federal - notadamente em seu dever prioritário de cumprir mandados judiciais -, sem que entretanto isso signifique reconhecer pretensões a tarefas perante o Judiciário que não lhe competem, como já reconhecido, no caso, pelo próprio STF”. 
 
A Associação dos Delegados da PF também se manifestou em nota: “A ADPF repudia a tentativa do Ministério Público Federal de interferir nas apurações da Polícia Federal na operação Lava Jato, com o pedido de Janot ao Supremo Tribunal Federal para a suspensão de depoimentos de sete inquéritos que seriam tomados nesta semana”.
 
PT se solidariza com Vaccari, mas deixa defesa a cargo de advogado
 
Ao contrário do mensalão, quando o PT saiu publicamente em defesa dos seus filiados e ex-dirigentes acusados - e posteriormente condenados e presos - por participação no esquema, o partido pretende virar a página o mais rapidamente possível em relação ao envolvimento do ex-tesoureiro João Vaccari Neto na Operação Lava Jato.

Na quarta-feira (15/04) o PT divulgou uma nota na qual classificou a prisão de Vaccari como indevida e manifestou solidariedade ao ex-tesoureiro. De acordo com a estratégia traçada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo presidente do partido, Rui Falcão, as manifestações públicas devem parar por aí. A ordem é "tocar a vida para frente" e deixar o caso nas mãos do advogado Luiz Flávio D'Urso sem, no entanto, virar as costas para o companheiro preso.

"Temos o governo, temos o 5º Congresso Nacional do PT (a ser realizado em junho). A vida continua", disse o secretário nacional de organização, Florisvaldo Souza. Internamente, porém, a prisão do ex-tesoureiro continua repercutindo mal. Durante reunião da Executiva Nacional do PT, na quinta-feira, 16, em São Paulo, dirigentes avaliaram que a ação da Lava Jato atingiu em cheio o partido no momento em que tanto o PT quanto o governo se preparavam para reagir à crise política.

A direção fez uma avaliação positiva das últimas semanas citando sinais de desgaste do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na votação dos destaques do projeto de lei da terceirização, o início das mobilizações populares contra esse projeto, a queda do número de pessoas nas manifestações contra a presidente Dilma Rousseff e o recuo do governo em pontos das medidas provisórias que limitam direitos trabalhistas.
Segundo um cardeal petista, a inesperada prisão de Vaccari "paralisou as ações" e deixou o PT novamente na defensiva. Na reunião de ontem da cúpula petista, o juiz federal Sérgio Moro, que conduz a Lava Jato, foi alvo de muitas críticas. Um dirigente do PT chegou a falar em "estado de exceção". Petistas também classificaram a detenção como "uma prisão por razões políticas".

Dificuldade
O PT vai definir hoje o nome do sucessor de Vaccari na Secretaria de Finanças, mas encontra dificuldade para encontrar um nome que aceite a tarefa. A direção quer colocar no cargo um petista com mandato parlamentar. A indicação caberá à corrente majoritária Construindo um Novo Brasil, da qual Vaccari faz parte. Até o início da noite, a corrente havia sondado vários nomes sem conseguir convencer nenhum deles a aceitar.

Vaccari é o segundo tesoureiro do PT a ser preso. Delúbio Soares, um dos pivôs do mensalão, cumpre pena em regime semiaberto por envolvimento no escândalo. Embora Vaccari tenha pedido afastamento da tesouraria em caráter temporário por questões de ordem "práticas e legais", petistas consideram muito difícil que o tesoureiro tenha condições políticas de voltar à função futuramente.

'Injustiça'
A defesa do ex-tesoureiro divulgou nota ontem na qual classifica sua prisão como "uma profunda injustiça". O texto assinado por Luiz Flávio D'Urso diz que o decreto de prisão "teve por justificativa apenas conjecturas e prognósticos".

D'Urso e sua equipe preparam o habeas corpus que será apresentado ao Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. O recurso da defesa vai questionar ponto a ponto os argumentos apresentados no decreto de prisão de Moro. "O que tem de base para decretação da prisão preventiva? Primeiro são palavras de delatores, o que não constitui prova. Nenhum indício de prova existe para corroborar o que esses delatores falaram sobre Vaccari", disse D?Urso ao Estado.

Segundo um advogado que esteve com Vaccari na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, o ex-tesoureiro "passou bem" a primeira noite na prisão e se mantinha "sereno". O petista divide a cela com mais uma pessoa.