Ao citar escândalos do mensalão e da Petrobrás, que envolvem diretamente governos do PT, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes afirmou ontem em palestra que quem comete ilícitos tem o “DNA do roubo” e não é a alteração do sistema que inibirá atos irregulares. A declaração foi uma justificativa para o fato de ele estar há mais de um ano segurando uma ação que tenta proibir doações de empresas a partidos e candidatos no País.

 Em abril de 2014, ele pediu vista do processo, no qual seis ministros já haviam se declarado favoráveis à proibição. O julgamento só acaba, no entanto, quando todos proferirem seus votos. 

“Roubaram porque tinham o DNA do roubo e não porque fizeram para a campanha eleitoral. Não é o modelo que vai resolver esse tipo de questão”, disse Mendes, que, apesar de citar os escândalos petistas, não especificou quem são as pessoas que têm o “DNA do roubo”.

 

Indicado ao cargo de ministro do STF pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, governo no qual foi advogado-geral da União, admitiu, porém, que “a causa da corrupção pode estar associada à questão do financiamento de campanha”. “Mas, se amanhã se adotar um modelo público ou exclusivamente das pessoas naturais, será que vai banir das terras brasilis o germe da corrupção? Será que alguém acredita nisso?”, ironizou o ministro, que é também vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

 

Modelo. O modelo proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na ação que está em pauta no Supremo prevê, além da restrição da doação empresarial, um teto comum para doações de pessoas físicas. “Se diz que, para garantir a oportunidade a todos, dever-se-ia permitir que todos os cidadãos pudessem doar igualmente a mesma quantia. Sejam eles banqueiros ou recebedores de Bolsa Família”, disse Mendes. “Já é uma encomenda de laranjal”, criticou o ministro, sugerindo que “laranjas” seriam utilizados para fazer doações eleitorais.
 
O ministro do STF tem sido pressionado por setores da sociedade para devolver a ação sobre financiamento eleitoral ao plenário do Supremo, para que a Corte possa concluir o julgamento. Ele disse não se impressionar com “bateção de lata” e com “blogs de aluguel”. "Eu sou blindado. Não estou preocupado com a opinião pública (...) É preciso que tenha um juiz que tenha coragem de pedir vista”, disse Mendes.

O senador e presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), também falou sobre reforma política nesta quinta-feira, ao defender seis pontos de consenso do partido: fim da reeleição e mandatos de cinco anos para todos os cargos; voto distrital misto; fim das coligações proporcionais; cláusula de barreira para limitar o número de partidos no Congresso; mudança na distribuição do tempo de televisão; e o financiamento misto de campanhas.

Em audiência pública das comissões especiais sobre a reforma política, Aécio afirmou que o PSDB defende limites nos valores de doações de pessoas físicas e proibição de doações de empresas a candidatos.

“Defendo que as candidaturas individuais possam receber recursos de pessoas físicas até um limite, não sei se R$ 15 mil, R$ 20 mil. Eu não impediria o financiamento de pessoas jurídicas, mas restringiria aos partidos, que internamente definiriam como distribuir”, disse.

 

Condecoráveis inimigos da presidente

 

Se a atual conjuntura política do País precisasse ser resumida em um único dia, ontem seria o momento mais propício para a tarefa, e o Setor Militar Urbano, na área central de Brasília, o cenário desse microcosmo. A cerimônia de comemoração do Dia do Exército reuniu a chefe do Executivo, um de seus mais ferrenhos opositores, o político que mais lhe causou dissabores neste ano, o algoz de suspeitos de ligação com o maior esquema de corrupção já investigado no País e a instituição que, para setores sociais minoritários, mas barulhentos, seria a solução para um dos períodos mais conturbados em 30 anos de redemocratização.

Em uma manhã de céu claro e tempo mais estável que na Praça dos Três Poderes, a presidente Dilma Rousseff se viu condecorando com a Ordem do Mérito Militar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, num total de 265 agraciados. No discurso, Dilma destacou em discurso a “confiança dos brasileiros” no Exército e na sua conduta “sempre segundo os preceitos constitucionais”.

Com o peemedebista que impôs a primeira derrota política do segundo mandato, Dilma procurou demonstrar simpatia. Por pelo menos duas vezes, trocou beijinhos com Cunha. Na fileira de trás estava Caiado, defensor do impeachment e da cassação do registro do PT por suspeita de uso de dinheiro desviado da Petrobrás. Ao colocar a medalha no pescoço do opositor, Dilma reservou apenas um protocolar aperto de mão.

Na mesma fileira de Cunha estava Janot, responsável pelo pedido de investigação do presidente da Câmara no Supremo Tribunal Federal por suspeita de envolvimento com o esquema desbaratado pela Operação Lava Jato. O procurador-geral também recebeu de Dilma, cujo partido é um dos principais alvos da apuração, a Ordem do Mérito Militar, mais elevada distinção do Exército. A medalha criada em 1934, sob o governo Getúlio Vargas, também foi entregue a dois ministros de Dilma: Jaques Wagner (Defesa) e Mauro Vieira (Relações Exteriores).

 

Renan e Cunha faltam à posse de peemedebista no Turismo

 

Os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara,Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aproveitaram ontem a cerimônia de posse do novo ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves (PMDB), para demonstrar sua insatisfação com a presidente Dilma Rousseff. Num recado de que a crise na relação da sigla como Executivo está mantida – a despeito da entrada do vice-presidente Michel Temer na articulação política –, ambos não compareceram ao evento, a pesar de estarem em Brasília.

A justificativa oficial foi a de que Renan teve alterações na agenda de última hora e que Cunha tinha compromissos previamente marcados e deixou para ir apenas na cerimônia de transmissão do cargo no Ministério do Turismo. No entanto, segundo integrantes do PMDB e do próprio governo,foram articulações feitas pelo Palácio do Planalto que levaram Renan e Cunha a sinalizar suas insatisfações. O presidente do Senado se irritou com a saída de Vinícius Lages, seu afilhado político, do Turismo. Tanto que ontem mesmo o nomeou como chefe de gabinete na presidência da Casa.

A irritação foi maior ainda porque Dilma, ao nomear Alves, privilegiou o PMDB da Câmara. Alves faz parte do grupo de Cunha no partido. Dilma até tentou evitar o aprofundamento do desgaste na relação com Renan. Telefonou para ele no final da tarde de anteontem e ofereceu uma vaga para Lages, que poderia escolher entre Chesf, Correios, Conab ou Infraero.

O presidente do Senado agradeceu, mas não aceitou nenhuma compensação pela retirada do afilhado do Turismo. Às 15h, hora marcada da posse de Alves, Renan recebeu a presidente nacional do PMDB Mulher, Fátima Pelaes, e depois participou de sessão em homenagem aos povos indígenas, no plenário do Senado.

Projeto. Já Cunha, embora vitorioso no jogo interno do PMDB com a nomeação de Alves, estava incomodado com a articulação do governo que na véspera desencadeou no adiamento da votação do projeto da terceirização do trabalho. Além de não comparecer, ele patrocinou a votação na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara da proposta de emenda constitucional que limita o número de ministérios. Depois de um duro embate com o PMDB e a oposição, o PT conseguiu obstruir a votação, que foi adiada.

Depois da solenidade no Planalto, o vice-presidente Michel Temer e os ministros do governo tentaram minimizara ausência de Renan e Cunha na posse do novo ministro do Turismo. “É notada a ausência dos nossos dois grandes líderes da Câmara e do Senado, mas, por óbvio, eles tinham atribuições lá que, neste momento, não permitiram que eles estivessem aqui presentes”, disse o ministro da Secretaria de Aviação Civil, Eliseu Padilha.