Faxinado’ por suspeitas de irregularidades no Trabalho em 2011, presidente do PDT afirma em reunião do partido que petistas ‘exageraram’ e reclama que conversa com a atual e o ex-presidente é ‘qual o naco de poder que fica com cada um’

 

BRASÍLIA- Ex-ministro dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e um dos “faxinados” do mandato passado, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, disse que os petistas “roubaram demais” e que o partido deles “se esgotou”. “O PT exauriu-se, esgotou-se. Olha o caso da Petrobrás. A gente não acha que o PT inventou a corrupção, mas roubaram demais. Exageraram. O projeto deles virou projeto de poder pelo poder”, disse Lupi um dia após a Petrobrás divulgar que a perda da estatal com a corrupção chegava a R$ 6,2 bilhões. 

 

 

 

A declaração foi feita durante um encontro com correligionários na quinta-feira, em São Paulo. O Estado teve acesso à fala de Lupi, que foi confirmada pelo próprio dirigente pedetista.

 

Na conversa, o presidente do partido fez ressalvas a programas simbólicos dos governos petistas, como o Bolsa Família. “Tirou milhões da miséria, isso é bom para caramba. O Nordeste é outro (avanço), é verdade. Quem não vê isso é mentiroso, nojento. Eu tenho raiva deles. Mas (o governo) criou também uma dependência. Eu vejo gente que não quer trabalhar para manter o Bolsa Família, isso está errado. O programa tem que ser instrumento para tirar da miséria, não para manter na miséria.”

 

Aos correligionários, Lupi também reclamou do tratamento dado pelo PT ao PDT desde que as duas legendas formalizaram a aliança em 2006, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva disputava a reeleição. “A conversa com o PT, com o meu amigo Lula e com a presidente Dilma, é qual o naco de poder que fica com cada um. Para mim, isso não basta. Eu não quero um pedaço de chocolate para brincar como criança que adoça a boca. Eu quero ser sócio da fábrica, eu quero ajudar a fazer o chocolate.” 

 

Em um momento de autocrítica, o presidente do PDT disse que o partido se “acomodou” por estar no poder, mas que, diante da insatisfação demonstrada pela população nas ruas, o partido precisa começar a buscar novos caminhos ou sofrerá as consequências no futuro.

 

 

Carlos Lupi, presidente do PDT

Carlos Lupi, presidente do PDT

 

 

 

 

“Se a gente não acordar para isso, daqui a pouco a população vai fazer como juiz de futebol: vai dar cartão vermelho para gente. Para muitos, já está dando”, disse Lupi. De acordo com aliados do dirigente pedetista, esse tem sido o tom usado por ele durante as reuniões com as Executivas estaduais do PDT desde o início do ano. 

 

Segundo Lupi, o fato de nas últimas eleições candidatos como o palhaço Tiririca (PR-SP) e o ex-jogador Romário (PSB-RJ) terem sido eleitos para cargos no Legislativo demonstram o descontentamento das pessoas com a figura do político tradicional. “O povo está fazendo isso para sacanear a gente. Está dizendo: ‘Seus babacas, me respeitem, porque senão olha o que eu vou fazer com vocês. Em vez de votar em vocês, eu vou votar no Tiririca, vou votar no Romário’.”

 

Planos. Procurado pelo Estado, Lupi confirmou o teor do discurso feito na quinta-feira. Ele nega que o PDT pense em deixar a base aliada neste momento. Acomodado no Ministério do Trabalho – cujo atual titular é Manoel Dias –, o partido conta hoje com 19 dos 513 deputados da Câmara e 6 dos 81 senadores. 

 

Ex-ministro do Trabalho, Lupi deixou o governo Dilma em dezembro de 2011, após uma série de denúncias de irregularidades envolvendo integrantes da pasta. Apesar de o partido continuar no comando do ministério até hoje, a relação entre PDT e PT está a cada dia mais estremecida. Parte dos senadores do partido defende a saída imediata da base do governo. Na Câmara, a bancada da sigla não tem mais seguido a orientação do Palácio do Planalto na hora das votações. 

 

Até agora, Lupi era apontado como o que mais resistia à ideia de deixar a base aliada. Hoje, no momento em que o PT passa pela sua maior crise desde que assumiu o governo, em 2003, o dirigente trabalhista resume assim o seu sentimento: “A gente não quer ser um rato, que foge do porão do navio quando entra a primeira água, mas também não queremos ser o comandante do Titanic, que ficou no barco até ele afundar”.

 

Taxa de governismo no PDT tem queda no atual mandato

 

Sigla que rivalizava com PT nos anos 1990 aderiu ao governo Lula e agora, com a ex-pedetista Dilma, mostra-se menos fiel

 

Rival do PT na disputa pela hegemonia no campo da esquerda até o começo dos anos 1990, o PDT acabou virando um partido auxiliar a partir de 1998, quando o ex-governador Leonel Brizola aceitou ser candidato a vice-presidente na chapa liderada por Luiz Inácio Lula da Silva.

 

 

 

Nas campanhas presidenciais seguintes, os pedetistas chegaram a apoiar Ciro Gomes em 2002 e a lançar Cristovam Buarque em 2006, mas foram atraídos para a órbita lulista nos segundos turnos das duas disputas.

 

A partir do primeiro mandato de Lula na Presidência, houve alinhamento também no Congresso, principalmente até a eclosão do escândalo do mensalão. Até o primeiro semestre de 2005, o PDT tinha taxa de governismo de 82% na Câmara dos Deputados, segundo o Basômetro, ferramenta online do Estadão Dados que permite a análise do comportamento de parlamentares e partidos em uma série histórica de votações (estadaodados.com/basometro).

 

Após as primeiras denúncias do mensalão, a taxa de alinhamento dos pedetistas às posições do Palácio do Planalto nas votações da Câmara caiu para 64%. Na média do primeiro mandato de Lula, o índice ficou em 77%, um pouco abaixo do PMDB (83%) e distante do PSB (95%).

 

No segundo mandato do petista, o PDT foi ainda mais fiel ao Palácio do Planalto: a taxa de governismo do partido subiu para 91%, superior a do PMDB e do PSB (ambos com 90%).

 

Com a posse de Dilma Rousseff – ela própria uma ex-integrante do PDT –, a taxa de apoio caiu para 76%. O esfriamento se deu principalmente nos dois últimos anos do primeiro mandato – até 2012, o índice era de 83%. O início do segundo mandato de Dilma marca o maior afastamento entre PDT e governo ocorrido nos últimos 12 anos. Nas 43 primeiras votações de 2015 na Câmara, segundo o Basômetro, o partido teve taxa de alinhamento ao Planalto de apenas 62%. Ainda assim, a taxa de fidelidade superou a do PMDB, que foi de 61%.