Deputados das bancadas da ‘bala, boi e Bíblia’ atuam juntos em defesa de interesses próprios e aumentam poder do presidente da Câmara

 

BRASÍLIA- O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tem angariado apoio parlamentar nas mais diversas investidas contra o Palácio do Planalto. Mas é em uma delas, de caráter ultraconservador, que o peemedebista conseguiu de fato criar uma tropa de choque. Ele uniu três grupos de forte poder de pressão num só bloco, que passou a atuar conjuntamente. É a bancada “BBB”. Nada a ver com o ex-Big Brother Brasil e agora deputado Jean Wyllys, do PSOL. A sigla, na verdade, é uma alusão às iniciais de “bala, boi e Bíblia”. 

 

Nas principais comissões e no plenário, as demandas dos três setores têm obtido vitórias graças ao apoio mútuo e à liderança do presidente da Câmara.

 

A bancada da bala tem 275 parlamentares. A ruralista, 198, e a evangélica, 74. Vinte parlamentares atuam nas três, entre eles Cunha, que é evangélico. Nas frentes da “bala” e do “boi” há 105 deputados simultaneamente. E 22 congressistas estão nas frentes da “Bíblia” e da “bala” ao mesmo tempo. O presidente da bancada evangélica, João Campos (PSDB-GO), por exemplo, é delegado de polícia e vice-presidente da bancada da bala.

 

Ao todo, 373 (73%) dos 513 deputados estão inscritos em pelo menos um dos três grupos.

 

Entre os resultados já obtidos pela ação conjunta, o mais robusto foi o da aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça da Proposta de Emenda à Constituição da redução da maioridade penal, que estava parada na Câmara havia 22 anos. A comissão formada para redigir a PEC foi dominada pelos integrantes da Frente Parlamentar de Segurança Pública: 15 dos 27 membros decidirão qual será o conteúdo a ser levado ao plenário. 

 

Na semana passada, também houve apoio mútuo para a instalação da comissão que revoga o Estatuto do Desarmamento – que pode resultar na flexibilização das regras que dificultam o porte de armas. O presidente da comissão é o presidente da frente ruralista Marcos Montes (PSD-MG). 

 

Uma grande vitória dos ruralistas com apoio de evangélicos e integrantes da bancada da bala foi a criação de uma comissão especial para elaborar um texto final sobre a PEC que transfere do Executivo para o Congresso a demarcação das terras indígenas. “Eles atuaram de forma unificada. Essas três bancadas têm uma lógica fundamentalistas”, crítica a deputada Erika Kokay (PT-DF). 

 

Já a bancada da bala teve apoio para aprovar o projeto que torna crime hediondo assassinato e agressão a policiais com aumento da pena para quem usar menor em crimes.

 

Evangélicos tentam também garantir o apoio dos outros dois bês para que seja aprovado pela CCJ e, posteriormente, em plenário, o Estatuto do Nascituro, que dispõem sobre a proteção integral ao recém-nascido e prevê benefício para feto fruto de estupro. Também trabalham para barrar qualquer tentativa de avanço na Casa de pautas como a descriminalização do aborto. Têm ainda por objetivo a aprovação do Estatuto da Família, que define família como núcleo formado por homem e mulher.

 

Na votação da terceirização – um tema caro a Cunha, mas que não é de interesse comum dos “BBBs”, 293 deputados das três frentes participaram. Destes, 182 apoiaram o projeto, 107 foram contrários, 4 se abstiveram.

 

Doação. A afinidade “BBB” aparece na lista de doadores de campanha. O presidente da frente ruralista recebeu a tradicional ajuda do agronegócio – dos grupos Cosan e Cutrale – e também contribuições de duas grandes empresas de armas, a Companhia Brasileira de Cartuchos, que doou R$ 15 mil, e a Taurus, que entregou o mesmo valor. 

 

Já o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), presidente da bancada da bala, recebeu R$ 80 mil da Taurus, mas também foi agraciado pelo agronegócio com R$ 50 mil da Avícola Catarinense. 

 

Campos, líder da bancada evangélica, recebeu R$ 350 mil da Gentleman, empresa especializada em escolta armada. / COLABORARAM DANIEL BRAMATTI, GUILHERME DUARTE e IGOR GIANNASI

 

 

Solidariedade tem alta adesão dentro das três bancadas

 

 

Criado sob forte influência sindical, o Solidariedade, presidido pelo deputado Paulo Pereira da Silva (SP), o Paulinho da Força Sindical, aparece com destaque na bancada “BBB”. 

 

 

Dos 16 deputados da sigla na bancada, 13 (81%) são ruralistas, o que faz dela a maior presença proporcional no grupo, à frente até mesmo do PMDB. Tradicionalmente ligados às questões do agronegócio, os peemedebistas têm 50 de seus 67 deputados na Frente Parlamentar Ruralista (75%).

 

Dentre os evangélicos, o Solidariedade também se destaca como a terceira bancada em termos proporcionais. Seis dos 16 deputados estão ali (38%), atrás apenas de partidos institucionalmente vinculados aos segmentos evangélicos, como o PRB (75%) e o PSC (69%).

 

Paulinho minimiza a alta adesão às bancadas “BBBs”. “Muita gente assina para entrar nessas frentes sem convicção nenhuma e nem sabe direito do que se trata, só porque foi um pedido de deputado amigo”, afirma o parlamentar.

 

Veja bem. Há outros casos curiosos. Apesar de comandar o grupo ambientalista e ser adversário dos ruralistas, o PV conta com dois parlamentares na bancada ligada ao agronegócio. “Essa é uma estratégia nova do partido. Precisamos ter gente nossa lá para defender nossos interesses e ser uma ponte. Mas na hora de votar, há coesão na bancada”, afirma o deputado Sarney Filho (PV-AM), presidente da Frente Parlamentar Ambientalista.

 

O PSOL, sigla de esquerda que defende o Estado laico e é porta-voz dos direitos LGBT, mas conta com um deputado que participa das bancadas evangélica e da bala. “O deputado Cabo Daciolo (RJ) está suspenso do partido e sendo julgado no conselho de ética”, diz o deputado Ivan Valente (PSOL-SP). “Somos contraparticipar, porque essas frentes, bala, ruralista e evangélica, agem de forma articulada.”

 

A bancada da bala é dominada pelo DEM, que tem todos os seus 22 deputados ali. Para o presidente da legenda, senador José Agripino (DEM-RN), a força nas bancadas “é proporcional à força e à consistência do tema que esteja sendo tratado”. “No DEM, a iniciativa de participar delas é individual, não partidária”, explica.

 

Adversários no plano nacional, PT e PSDB também compõem a bancada BBB. Os tucanos estão proporcionalmente mais representados. Dos seus 53 deputados, 62% estão na bancada da bala, 32% são ruralistas e 9%, evangélicos. Em relação aos 64 petistas, 23% estão no grupo da bala, 11% na bancada ruralista e 5% entre os evangélicos. / COLABOROU NIVALDO SOUZA

Líder da ‘bala’: ‘conservadores estão fortes

Presidente da Frente Parlamentar de Segurança Pública credita a Eduardo Cunha 'bom momento' dos conservadores

 

BRASÍLIA- Presidente da Frente Parlamentar de Segurança Pública, mais conhecida como “bancada da bala”, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF) não rejeita o rótulo. “Prefiro ser da bancada da bala do que da bancada da mala”, diz ele, se referindo aos casos de corrupção que envolveram lideranças do PT. 

 

 

Questionado sobre a aliança entre as três frentes, ele mesmo brinca com o apelido das bancadas. “Inventaram um rótulo. Dizem que quem manda no Congresso hoje é a bancada BBB: bala, boi e Bíblia. O fato é que temos hoje o privilégio de ter 22 deputados policiais. Antes eram 2. Isso ajuda muito”, diz. 

 

Ao comentar a sintonia com os outros dois grupos de pressão, ele lembra que o atual vice-presidente da “frente da bala” é o deputado João Campos (PSD-MG), que preside a Frente Evangélica. “Fazemos muitas conversas e reuniões. Estamos mobilizando a Casa para produzir resultados para a sociedade.” 

 

Entusiasta do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ele credita ao dirigente o bom momento dos “conservadores”. “A pauta conservadora nunca esteve tão forte.” Fraga, que presidiu a frente do “Não” no plebiscito do desarmamento, é coronel da PM e não nega que tenha recebido doações da indústria das armas. 

 

O deputado se diz a favor da pena de morte, mas reconhece que isso não tem como acontecer no Brasil, já que se trata de uma cláusula pétrea. 

 

Deputado que circula fardado pela Câmara, o Capitão Augusto Rosa (PR-SP) discorda de Fraga ao falar sobre o termo “bancada da bala”. “É um termo pejorativo. Não sou bancado por nenhuma indústria de armas. O certo seria bancada da vida ou do bem”, diz. 

 

Para o diretor do Departamento Intersindical de Análise Parlamentar (Diap), Antônio Augusto Queiroz, as bancadas evangélica, ruralista e da segurança atuam em conjunto por terem, de fato, uma identidade em comum. “Este é o Congresso mais conservador desde a redemocratização de 1985.”