Se no Brasil 24% das empresas fecham antes de dois anos de funcionamento (de acordo com o Censo Sebrae de 2013) e nos EUA metade não resiste a mais de quatro anos (segundo média de diversos estudos), por que insistimos em dizer que as ONGs não são sustentáveis, mesmo sabendo que há algumas com mais de cem anos de existência?

A definição de sustentabilidade financeira não é tão complicada assim: uma empresa, uma organização social ou mesmo um governo é sustentável se recebe mais do que gasta. Quando isso não acontece, a consequência é clara: empresas quebram e organizações sociais fecham.

A entrada de recursos para uma ONG se dá por meio de doações; para uma empresa, por meio da venda de um produto ou serviço. Ambas são receitas “válidas” — a única diferença está no fato de que as doações são feitas para beneficiar terceiros, e as compras, o próprio comprador. Dizer que as ONGs não são sustentáveis por depender de doações é como dizer que as empresas não são sustentáveis por depender de vendas.

O desafio de sustentabilidade não se deve a escolha do modelo ONG. A maioria delas é ou deveria ser sustentável, considerando que doação é uma fonte de receita “legítima”. Em vez de insistir na lógica de receita comercial e propor soluções inadequadas para os desafios do terceiro setor, deveríamos investir no crescimento de uma cultura de filantropia e doação. Cada um de nós pode se engajar destinando uma pequena parcela de sua renda ou patrimônio para desafios sociais.

 

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É importante frisar que o ponto aqui não é defender que as organizações sociais são todas financeiramente sustentáveis — nem as empresas o são. Mas sim confrontar a ideia que ONGs tenham que ser sustentáveis somente por meio da geração de receita comercial.

 

O real desafio para qualquer organização é o de ter fonte de renda que seja previsível, diversificada e maior do que os custos. Para uma ONG, ter um único doador é tão ruim quanto para uma empresa ter um único comprador. Seguindo a lógica, ter uma base de pequenos, médios e grandes doadores, nacionais e internacionais, pessoas físicas e jurídicas, é tão bom quanto uma empresa ter uma base diversificada de compradores.

Há ainda outros dois fatores que desequilibram o campo de comparações entre essas duas formas de organização.

O primeiro é o de que há muito mais dinheiro para investir no mundo “comercial” do que no mundo “social”. A diferença na ordem de magnitude fica evidente ao comparar os valores mencionados nos mercados de ações e crédito (trilhões de reais) a qualquer estimativa do setor social (na SITAWI utilizamos R$ 30 bilhões).

O segundo, sobre o qual temos ingerência, é o de que a sociedade — isto é, nós e você — aceita pagar mais do que o “custo” por uma lata de água carbonatada com açúcar e químicos cancerígenos ou qualquer outro produto. É com essa diferença entre receita e custo que as empresas atraem bons profissionais com salários adequados, investem em marketing, inovação e atendem mais consumidores, o que gera mais recursos para fazer a roda girar, além de gerar condições de inovação e produção de conhecimento, necessários para qualquer setor avançar.

No entanto, de maneira geral, quando financiamos uma intervenção social, não aceitamos pagar mais do que seu custo direto, a sopa ou o abrigo para um sem-teto. A consequência óbvia disso é que as organizações sociais têm profissionais menos qualificados do que o ideal, investem pouco, têm dificuldade para inovar e não ganham escala.

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Se acreditamos que nem o mercado nem o governo resolverão todos os problemas, precisamos de uma sociedade civil engajada e com organizações fortes e soluções criativas.

Caso queira ajudar a criar uma cultura de doação mais sólida e viabilizar a transformação social, faça a sua parte: quando for dar mesada ao seu filho(a), divida-a em três envelopes: um para ele(a) poupar, outro para gastar e um terceiro para doar. Caso queira fazer algo você mesmo, doe, doe mais e doe melhor. Sinceramente, esperamos que faça ambas.

Leonardo Letelier é diretor-executivo da SITAWI Finanças do Bem (instituição de financialmento social) e Beatriz Cardoso é diretora executiva do Laboratório de Educação