O brasileiro pode preparar o bolso. O ajuste fiscal da presidente Dilma Rousseff, neste ano e no próximo, será pior que o executado entre os anos de 1997 e 1998, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, época em que os especialistas consideram que houve o mais duro aperto desde a década de 1980. “Infelizmente, a conta vai ser alta. O brasileiro vai pagar mais imposto para bancar o acerto das contas públicas. O recente aumento dos juros, da gasolina e da conta de luz foi só o começo. O arrocho será expressivo, e ainda há o custo político, que torna tudo mais difícil”, explicou o economista João Augusto de Castro Neves, diretor para a América Latina do Eurasia Group, em Washington.

Na avaliação de Castro Neves, o ajuste será o primeiro grande teste do PT com uma agenda de crise econômica e política em 12 anos de poder. Ele lembrou que, quando veio à tona o mensalão, em 2005, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha os bons ventos da economia global a favor e ainda surfava no boom dos preços das commodities. FHC, por sua vez, enfrentou uma crise econômica externa em 1998 e, em 2001, o racionamento de energia, que abalou a popularidade do governante e o impediu de eleger o sucessor. “Dilma atravessa um momento muito parecido”, destacou o economista, alertando para os riscos dos desdobramentos do escândalo da Operação Lava-Jato na economia.

Samuel Pessoa, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), alerta que a realidade enfrentada agora pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, nem se compara à situação que ele viveu em 2002 e 2003, quando era secretário do Tesouro e participou do ajuste fiscal do primeiro mandato do ex-presidente Lula. “Naquela época, a manobra foi pequena porque não havia problema fiscal. Não tinha deficit primário do tamanho do herdado de 2014 (de R$ 32,5 bilhões, ou 0,6% do PIB). O resultado deixado pelo governo FHC, foi de superavit 3% do PIB. Do ponto de vista do fluxo, era mais confortável. Havia o problema do endividamento em dólar, mas a crise de confiança foi administrada”, destacou Pessoa.

Para ele, Levy deverá fazer um ajuste nos moldes do que foi realizado entre 1997 a 1999, quando se aumentou muito imposto e foi criada a Desvinculação da Receita da União (DRU), mecanismo que dá margem de manobra para que se faça superavit primário (economia para pagamento de juros) nas contas públicas, uma das bases do tripé da política macroeconômica instituído no fim dos anos 1990, ao lado do câmbio flutuante e das metas de inflação.

Dilma, no entanto, ainda não conseguiu dar um corpo ao seu ajuste nesses cinco meses de segundo mandato. Para piorar, a economia prevista com as medidas provisórias encaminhadas ao Congresso ficará aquém do esperado. Logo, a chefe do Executivo e a equipe econômica precisarão quebrar a cabeça para aumentar a receita e conseguir alcançar as metas de superavit de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, ou R$ 66,3 bilhões, e de 2% do PIB em 2016. A sinalização de que o ajuste vai sair é importantíssima para que o Brasil não perca o grau de investimento conferido pelas agências de risco, continuando, assim, entre os países considerados bons pagadores no mercado internacional.

Engessamento
Com a frustração na receita de impostos e a dificuldade de aprovar as medidas de aperto, Dilma ainda enfrenta problemas para fechar o contingenciamento do Orçamento deste ano. Há um engessamento muito grande das despesas — o espaço de manobra, constituído pelos gastos discricionários, gira em torno de 10% do total de R$ 2,8 trilhões previstos. Para piorar, a carga tributária, de 36% do Produto Interno Bruto (PIB), já é muito alta, o que limita a elevação de impostos, lembra o economista Thiago Biscuola, da RC Consultoria. “Esse percentual está acima da média global e de muitos países desenvolvidos. O momento exige medidas drásticas, e aumento de tributo dificilmente passará pelo Congresso, que anda arredio”, explicou.

Ao comparar o espaço fiscal que o governo tem hoje perto daquele de que dispunha nos arrochos anteriores, Biscoula, que é especialista em contas públicas, destaca que a situação piorou, e que o governo não está atacando os custos que precisam ser cortados. “Novamente, o governo vai reduzir os investimentos, e isso não vai ajudar o aumento da receita porque vai travar a economia”, alertou. Para ele, o governo precisa atacar fortemente as operações de swap cambial, que o Banco Central faz para evitar valorização muito grande do dólar. “Só no primeiro trimestre, elas deram prejuízo de R$ 144 bilhões, mais do que o dobro das perdas no mesmo período de 2014. Esse volume é gigantesco. São mais de cinco Bolsas Famílias”, disse o economista, citando o principal programa social do governo petista. 

No entender do especialista, ressuscitar impostos como a CPMF será um enorme retrocesso. Para Biscuola, o que está sendo feito por Levy, apesar de positivo, ainda é muito pouco perto do necessário para o governo equilibrar as contas e recuperar a confiança dos investidores. “O governo precisa apresentar uma agenda mínima de reformas, com uma meta clara de contenção nas despesas públicas, combinando essa ação com uma política de contenção fiscal e monetária, ou seja, reduzindo também os juros”, disse.



Reunião para definir cortes
A presidente Dilma Rousseff marcou uma reunião com os ministros da área econômica para amanhã, no Palácio da Alvorada, para definir o tamanho do aguardado corte no Orçamento de 2015. A decisão deve ser divulgada no próximo dia 22. As estimativas do mercado são de que esse contingenciamento ficará entre R$ 60 bilhões e R$ 80 bilhões. Uma fonte do governo disse que a meta inicial era R$ 60 bilhões, mas, como medidas provisórias do ajuste não devem produzir o resultado esperado, a tesourada ficará mais próxima dos R$ 80 bilhões.




Dificuldade maior
Em anos de arrocho fiscal, quando houve necessidade de aumento de tributos, as contas públicas do país estavam em melhor condição

1997
» Deficit primário de 1% do PIB
» Deficit nominal de 6,1%

1998
» Resultado primário: 0% do PIB
» Deficit nominal de 7,9%

2003
» Superavit primário de 3,2% do PIB
» Deficit nominal de 5,2%

2014
» Deficit primário de 0,6% do PIB

» Deficit nominal de 6,7%

Fonte: RC Consultores