SÃO PAULO, RIO e Brasília

No dia seguinte aos protestos que pediram mudanças no governo de Dilma Rousseff, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, se encontrou com empresários e defendeu a necessidade a de um ajuste fiscal rápido "de verdade" e apoiado pela população.

- Se fizermos um ajuste de forma rápida, de verdade e do tamanho necessário, as pessoas poderão sentir o chão firme para voltar a tomar risco e investir - disse.

O ministro também argumentou que, apesar de terem um custo para a população, as medidas de austeridade propostas pelo governo visam evitar cenários "muito desfavoráveis", como rebaixamento do país, crise cambial e descontrole da inflação.

- Numa democracia, o apoio explícito da população é muito importante. Acho que as razões para o ajuste fiscal estão claros, e vamos ter de tomar essa decisão e dar o passo para virar a página - afirmou.

'Foi ótimo enquanto durou'

Levy esteve em dois encontros com os principais empresários de São Paulo. O primeiro, pela manhã, foi com representantes do setor de varejo na Associação Comercial de São Paulo (ACSP). O segundo foi um almoço na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Na Associação Comercial, Levy, sem citar nomes de antecessores, criticou o que chamou de "capitalismo de Estado":

- Uma grande lição é que o capitalismo de Estado não dá muito certo numa democracia. Trazer toda a poupança para políticas centralizadas é incompatível com ela - afirmou.

O ministro repetiu que o cenário que, no passado recente, levou o governo a adotar medidas para estimular o crescimento (como a desoneração da folha de pagamentos e política de financiamentos do BNDES), não existe mais.

- Foi ótimo enquanto durou. Agora precisamos nos ajustar a uma nova situação. O câmbio não está mais onde estava, o preço do petróleo não é mais de US$ 120. Então é absolutamente natural que essas medidas sejam revertidas. Como imaginar que as empresas não paguem mais a Previdência? - justificou Levy, lembrando que o governo não está trabalhando só no ajuste fiscal, mas em outras frentes para que o país volte a crescer.

- Acho importante entender que estamos trabalhando e que todas medidas terão que ser negociadas com o "sócio" do Executivo, que é o Congresso.

Na Fiesp, ele disse que o ajuste "é quase uma unanimidade" entre os empresários. Mas o presidente da federação, Paulo Skaf, não perdeu o tom crítico e rebateu, afirmando que o ajuste deve ser feito "nas despesas do governo", com corte de gastos, e não via elevação de impostos:

- O ajuste fiscal você pode fazer reduzindo despesas ou aumentando receita. E esse é o ponto que nós divergimos. Nós queremos que seja feito um ajuste fiscal no sentido de redução de despesas do governo. Como não há crescimento (da economia), aumentar receitas significa aumentar impostos. E a sociedade está cansada de pagar impostos.

Empresários de peso, como Abílio Diniz, Jorge Gerdau Johannpeter, João Guilherme Sabino Ometto e Josué Gomes da Silva, além do ex-ministro Antonio Delfim Netto e do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, concordaram com Skaf e salientaram que o esforço fiscal do governo só não tem o apoio unânime dos empresários por causa da forma como está sendo feito.

O presidente da Fiesp afirmou ainda que a revogação da desoneração da folha de pagamento, através da MP 669, aumentando as alíquotas das contribuições previdenciárias, também foi uma forma de aumentar impostos.

- A partir do momento em que o governo sobe o imposto que hoje é de 1% para 2,5% e de 2% para 4,5%, significa aumento de carga tributária.

A Fiesp também cobrou de Levy a necessidade de mais diálogo com o governo, já que neste momento, está sendo negociada uma junção entre o PIS e o Confins, simplificação que tem sido uma das várias reivindicações da entidade encaminhadas ao governo.

- Nós não queremos ver isso depois de ter saído. Nós precisamos ver essa medida antes, porque uma coisa é a simplificação de juntar dois impostos. Outra coisa é na hora de juntar aumentar a carga tributária - criticou Skaf.

Após três horas de reunião com o PT, Joaquim Levy saiu sem conseguir grandes mudanças na posição do partido sobre as medidas de ajuste fiscal. O compromisso dos parlamentares continua sendo aprovar as Medidas Provisórias que endurecem as regras para concessão de benefícios trabalhistas, mas com alterações.

- O PT está convencido da necessidade dessas medidas, mas quer discutir parâmetros para mudanças -- resumiu o ministro das relações Institucionais, Pepe Vargas.

O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães, disse que as negociações serão feitas entre o governo e as centrais sindicais e que as alterações nas medidas ocorrerão nas comissões mistas, a serem instaladas essa semana. Há no PT sentimento de que o governo, ao apresentar as medidas sem negociar com a base e os movimentos sociais, deixou o partido em uma situação delicada.

Membros da equipe econômica sinalizaram que o governo poderá aceitar alguns ajustes. O aumento da pensão por morte de 50% para 75% sobre o valor da aposentadoria, que consta em uma das emendas apresentadas pelo PT, é um dos pontos que pode ser flexibilizado.

Na reunião desta noite, o PT fechou acordo para relatar uma das MPs, com o deputado Afonso Florence (PT-BA).

 

'PARALISIA ESTÁ MAIS AGUDA DO QUE NUNCA'

As manifestações podem afetar a economia brasileira?

Não diria que afetam a economia diretamente, acho que o problema maior é que existe uma percepcão de crise aguda. No setor privado, a pergunta é se o Brasil está se encaminhando para uma crise de governabilidade com repercussões incertas sobre a economia. Diria que não é essa manifestação por si só, mas um desenrolar dos desafios da presidente, o que isso significa para a agenda fiscal, para a governabilidade. Se havia uma certa paralização dedecisões de investimento no período pré-eleitoral, essa paralisia está mais aguda agora do que nunca.

A credibilidade do país está em xeque?

Investidores têm perfis de longo prazo. O Brasil é um país onde as regras do jogo são respeitadas, onde os contratos são respeitados. Diria que existe até um reconhecimento entre certos investidores de que esse processo é fruto de o país ter instituições autônomas que conseguem encaminhar investigações contra corrupção, a despeito de interesses do Executivo. Acho que a pergunta que muitos se fazem é, reconhecendo que isso é um processo salutar, qual é o custo que o Brasil vai pagar até chegar num período melhor.

Vocês trabalham com que horizonte?

Se de fato o governo segurar as pontas no Congresso, encaminhar um ajuste fiscal, fizer algumas correções de rumo, 2016 pode ser um ano de recuperação, sim. Mas, dependendo do tamanho da recessão em 2015, o grau de recuperação em 2016 pode ser mais ou menos expressivo. O tamanho do estrago de 2015 vai ser importante. A preocupação é: "nós vamos pagar um preço muito elevado a curto prazo?" Então, na medida em que o Brasil ainda é visto como um país institucionalmente robusto, estamos caminhando para um cenário de retração da economia de 0,5 ou de -2, -3? Ou caminhando para um período volátil de governabilidade com um processo de impeachment contra a presidente que pode gerar um período mais instável nos próximos dois, três anos?

'NÃO VEJO COMO POSSAM OCORRER REFORMAS'

Como viu os protestos de domingo?

Há muitas discussões sobre o escândalo de corrupção na Petrobras e uma crise política se formou, com grandes implicações. A questão é como o governo vai reagir diante dos protestos. Não acho um impeachment provável, a não ser que Dilma Rousseff seja implicada diretamente no escândalo, mas há um risco crescente de que ela se torne um 'pato manco', sem conseguir aprovar políticas no Congresso, tendo o ajuste fiscal adiado ou bloqueado, por exemplo.

Quais são as implicações da crise política?

A primeira consequência é em políticas, especialmente o plano de austeridade. Sem aprovação do Congresso, os planos são comprometidos. Outro impacto é pelo mercado financeiro, e já vemos uma alta maior do dólar frente ao real. Revimos nossa projeção para o fim do ano de R$ 2,85 para R$ 3,20. Globalmente o dólar está muito forte, mas no Brasil o aumento é maior. E a terceira questão é a confiança de investidores e consumidores. O contexto que vivemos hoje é resultado dos erros do primeiro mandato de Dilma e até dos de Lula, mas naquela época a China crescia muito, e os preços de commodities subiam.

O ajuste fiscal será afetado?

O Congresso já vetou a correção da tabela do Imposto de Renda: é uma amostra do que vem por aí. Mais do que o ajuste fiscal, a questão é saber o que vai puxar o crescimento da economia nos próximos anos. É preciso mais poupança e mais investimentos. Para isso, são necessárias reformas, que não vejo como possam ocorrer.

A crise é uma ameaça?

A crise política é a maior ameaça agora. É preciso um ajuste fiscal e aumentar produtividade. Isso exige confiança. Havia muita gente na rua, isso afeta a confiança do investidor.

Os protestos podem levar a reformas?

Os políticos estão divididos. Mesmo que o governo seja tocado, qualquer reforma depende do Congresso. Não é só uma questão do Executivo, é todo o ambiente político.