Considerado pelo Palácio do Planalto a "solução" para a crise política com a base aliada, o vice-presidente Michel Temer conseguiu ontem entregar ao governo um compromisso dos partidos de apoio ao ajuste fiscal no Congresso. O vice-presidente obteve a garantia de líderes e presidentes das legendas aliadas, mediante a assinatura de um documento, de que nenhum projeto que implique gastos nas contas públicas será votado.

No entanto, não ficou assegurado que outras eventuais propostas que a base queira fazer avançar no Congresso e que não tenham impacto econômico sejam resguardadas.

Ficou claro durante o dia também que Temer, presidente nacional do PMDB, enfrenta desconfiança dentro do próprio partido, principalmente em relação à "autonomia" que terá para desempenhar o papel de articulador político. Lideranças do PMDB da Câmara e do Senado demonstraram já na estreia do vice-presidente na nova função que, se depender de sua própria legenda, ele não terá facilidades para conduzir o processo de negociação com o Congresso.

A presidente Dilma Rousseff foi obrigada a entregar a articulação política do governo a Temer após o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha (PMDB), recusar o posto.

Entre os primeiros desafios do vice-presidente na relação com os parlamentares está a discussão das propostas contidas no pacote de ajuste econômico.

Nesse sentido, apesar da assinatura do documento, integrantes da coalizão governista dão como certo que ele não conseguirá manter as restrições defendidas pelo Planalto nos benefícios trabalhistas e previdenciários.

Um primeiro sinal da dificuldade que Temer enfrentará foi dado pela bancada da sigla na Câmara. Em reunião realizada ontem, os deputados decidiram que será mantida a postura de "independência". O encontro foi marcado pela divisão entre os que declararam apoio à ida de Temer para a nova função e aqueles que classificaram como "equívoco" em razão de a iniciativa enraizar o PMDB no governo no momento de crise.

Ministérios. A demonstração de independência da bancada foi colocada em prática antes mesmo do encontro, quando integrantes do partido defenderam, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a aprovação da proposta que reduz de 39 para 20 o número de ministérios. A sessão foi interrompida por causa do início dos trabalhos no plenário da Câmara. "Não estou preocupado com isso (agradar ou desagradar ao governo)", disse o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ). "Não vou nem dizer amém nem dizer não só por dizer. Vamos dialogar (com o governo)."

No Senado, onde Temer tem menos "ascendência" entre as lideranças do PMDB, a postura é de compasso de espera. Para senadores peemedebistas, tudo vai depender da autonomia que Dilma dará ao vice para resolver as demandas da bancada: as indicações de segundo escalão, a liberação das emendas dos parlamentares e até mesmo os pedidos de simples audiências com ministros.

Temer tem tentado agradar ao grupo do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). Internamente, ele admite deixar a presidência do PMDB para dar lugar ao senador Romero Jucá (RR), aliado de Renan e eleitor do senador Aécio Neves (PSDB) na eleição presidencial.

Ontem, Aécio ironizou a ida do vice-presidente para a coordenação política do governo. "Dilma introduziu a renúncia branca. Há um interventor na economia (Joaquim Levy, ministro da Fazenda) que pratica tudo aquilo que ela combateu no primeiro mandato. E ela delegou a coordenação política ao vice que desprezou. E ainda é refém dos presidentes da Câmara e do Senado."

 

Em reunião, Dilma diz a prefeitos que ano será de 'vacas magras'

 

Em reunião ontem no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff afirmou a integrantes da Frente Nacional de Prefeitos que este ano será de "vacas magras". De acordo com relatos de quem participou do encontro, a petista lembrou ainda que o contingenciamento do orçamento "será grande" e avisou que o governo vai fazer "um grande esforço para fazer a inflação voltar ao centro da meta".

Apesar do clima negativo sobre 2015, Dilma demonstrou certo otimismo ao falar do ano que vem, dizendo que ele "será muito bom". Em razão disso, pediu colaboração dos prefeitos para este "período difícil".

Os integrantes da Frente Nacional de Prefeitos deixaram o Planalto depois de duas horas e quarenta minutos de reunião sem esconder pelo menos uma insatisfação: a forma como o governo federal está tratando a questão da troca do indexador da dívida dos municípios. Ao se queixarem do problema durante o encontro, os prefeitos ouviram do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, uma recomendação para que recorram à Justiça caso o impasse político não seja resolvido em 15 dias.

A troca do indexador da dívida pode aliviar o aperto de Estados e municípios. O projeto que obriga o governo a fazer essa troca foi aprovado na Câmara e está em análise no Senado.

A informação oficial foi dada pelo presidente da Frente Nacional de Prefeitos, José Fortunati, de Porto Alegre, que falou em nome dos colegas. "Não podemos ficar por muito tempo vivendo este período nebuloso ou então faremos como Eduardo Paes, que entrou na Justiça contra esse indexador", disse o prefeito gaúcho.

Surpresa. Nos bastidores, outros prefeitos questionaram o fato de Levy ter incentivado a via judicial na questão da dívida. A prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, teve êxito na Justiça e obteve a troca do indexador. Posteriormente, porém, fechou um acordo com o governo federal pelo qual continuaria a pagar em juízo as parcelas da dívida com o indexador menos vantajoso pelo menos até 2016.

O prefeito de Porto Alegre, no entanto, fez questão de elogiar a iniciativa da presidente Dilma de chamar os representantes dos municípios para a conversa. "O diálogo estava interrompido", afirmou Fortunati, acrescentando que Dilma prometeu "reuniões periódicas" para discutir questões dos municípios.