O aparentemente inesgotável contencioso entre a presidente Dilma Rousseff e o PMDB ganhou novo capítulo ontem com a acusação do partido de que o governo tentou uma manobra, em parceria com o ministro Gilberto Kassab (Cidades), para enfraquecê-lo. Segundo peemedebistas, antes de sancionar a lei que dificulta fusões e a criação de novos partidos, o Palácio do Planalto incentivou Kassab a protocolar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o pedido de fundação do PL, para que não fosse afetado pelas novas regras, mais rígidas, o que foi feito na noite de segunda-feira.

A cúpula do PMDB tratou o episódio como "golpe" e "molecagem" e já fala em retaliação. A criação do novo partido, patrocinada por Kassab, está na origem da crise política entre o PMDB e o governo Dilma, que teve início antes mesmo do início do segundo governo da petista. Os peemedebistas acusam o Planalto de incentivar a criação da legenda como forma de desidratar a força do PMDB na base aliada.

Ao perceber a suposta manobra, o vice-presidente Michel Temer ficou furioso e telefonou para o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil), na noite de terça-feira.

- Esse tipo de coisa só atrapalha. O ambiente ficou muito ruim no partido - disse Temer a Mercadante, segundo relato de peemedebistas que acompanharam a conversa.

Mercadante afirmou ao vice que não tinha nada a ver com o assunto e responsabilizou Kassab. Logo depois, Kassab telefonou para três senadores do PMDB dizendo que agiu a pedido do Planalto, segundo fontes.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), também demonstrou irritação com o que considerou uma manobra do Planalto para enfraquecer o maior partido da base aliada e disse que isso piora ainda mais a relação com a presidente:

- Houve uma estrutura de governo que deixou para o último dia para sancionar (lei aprovada no Congresso sobre criação e fusão de partidos), e o Kassab se aproveitou e protocolou (o PL) na véspera. Isso mostra, mais uma vez, que o governo estava empenhado na criação desse partido.

O clima piorou na manhã de ontem, quando Dilma sancionou a lei, mas com um veto à janela de 30 dias que permitia aos parlamentares migrarem para partidos resultantes de fusão sem perder o mandato. O veto, segundo peemedebistas, prejudica projetos de fusão que estão em discussão, envolvendo DEM, PTB e o próprio PMDB.

- Isso é um projeto de enfraquecimento do PMDB e já foi fartamente denunciado. Então, temos que combater esse processo e vamos combater de todas as formas. Na Justiça, na política, derrubando o veto, de todas as maneiras - afirmou Cunha.

Na prática, a lei foi aprovada no Congresso com dois objetivos: o primeiro, impedir que o PL fosse criado e imediatamente se fundisse ao PSD, de Kassab, formando uma nova legenda forte a ponto de permitir ao governo isolar o PMDB. O segundo, para favorecer partidos antigos, como DEM, PTB e o próprio PMDB, a negociarem fusões e ganharem a janela que permite o troca-troca. A primeira parte da lei, que proíbe fusões de partidos com menos de cinco anos de fundação, foi mantida por Dilma. No entanto, ela vetou a janela para os antigos.

A lei foi aprovada no Congresso contra a vontade do governo, e Dilma usou todo o prazo legal para a sanção. Como isso aconteceu após o protocolo de criação do PL, o PMDB interpretou a sequência de fatos como uma manobra. Agora, o novo partido tentará reger sua criação pela lei anterior, que permite a fusão futura com o PSD de Kassab.

Mas não é certo que a suposta manobra funcione. Um ministro do TSE ouvido pelo GLOBO afirmou que, pelo fato de o PL não ter apresentado as 485 mil assinaturas de apoio, o plano pode naufragar. A tendência é que o plenário do tribunal analise a questão.

nada feito "às escondidas"

Ontem, Kassab disse que o partido está sendo formado por "companheiros que queriam entrar no PSD" e que nada é feito "às escondidas". Ele não descartou uma fusão no futuro entre o PSD e o PL, afirmando que são partidos "muito próximos".

- Não temos nenhuma participação direta ou indireta. São companheiros, na sua grande maioria, que queriam entrar no PSD e não entraram, e estão formando um outro partido - disse o ministro, que alegou ter ficado sabendo pela imprensa do registro do PL no TSE.

O PMDB se reuniu ontem para tratar do tema. No encontro da bancada na Câmara, deputados reclamaram de Dilma ter esperado até o último dia do prazo para sancionar o projeto.

- A leitura é que ela empurrou com a barriga para dar esse golpe. O PMDB ficou muito irritado. Ela tinha 30 dias e deixa para o último dia, para dar tempo do Kassab registrar o PL? Até isso ela não sabia? Cria um mal-estar - criticou o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).

O deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) acrescentou:

- Nós vamos brigar contra essa esperteza.

 

Um criador de partidos

 

Kassab tem se empenhado na arte de criar legendas capazes de atrair parlamentares sem risco de perda de mandato por infidelidade partidária

Com a lei eleitoral embaixo do braço, Gilberto Kassab não cansa de surpreender. Ele percebeu que para driblar a fidelidade partidária era preciso criar um novo partido e assim evitar que parlamentares "infiéis" perdessem os mandatos. Mas Kassab fez mais: encontrou o timing para a manobra. Seu PSD foi o primeiro partido fundado em um começo de legislatura, no momento em que o maior número de parlamentares quer trocar de legenda. Ser governo é vital sobretudo para deputados de baixo clero, que dependem de liberação de verbas de emendas para manter seus votos. A formação de situação e oposição provocou a urgência necessária para que deputados e senadores se lançassem ao PSD, sem que Kassab precisasse cortejá-los.

Agora, com o PL, Kassab passará a sacolinha da nova legenda nas bancadas do rebelde PMDB e do neo-oposicionista PSB. PSD e PL são irmãos gêmeos. Ou "estão muito próximos", como disse o próprio Kassab.

A jogada condiz com o perfil do atual ministro das Cidades. Tornou-se homem forte do governo petista sem romper com o padrinho José Serra (PSDB-SP). Em uma década dominada pela oposição entre PT e PSDB, foi Kassab, então no DEM, quem governou a capital paulista por seis anos. Prefeito e desconhecido, cumpria agendas diárias, de rifa de padre a jantar de gala.

À frente da Prefeitura, dirigiu ônibus, trator, guindaste, máquinas de varrer rua. Diante de questionamentos que não queria responder, Kassab adotava resposta padrão, qual fosse o tema.

No governo Dilma, mudou de tática. Tem adotado o silêncio. Conduta adotada sobre a acusação de que haveria assinatura de eleitores já mortos apoiando a criação do PL. Alda Marco Antônio, ex-vice-prefeita de Kassab, diz em defesa do ex-chefe:

- Isso acontece. A mãe do chefe de gabinete do Kassab, uma senhora cheia de saúde, assinou a fundação do PL. Uma semana depois teve um acidente e acabou falecendo. Quem pode prever isso? - questiona ela.