O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camanho, disse ontem que concorda com as críticas do advogado Modesto Carvalhosa à regulamentação da Lei Anticorrupção. Em entrevista ao GLOBO, publicada ontem, Carvalhosa classificou como farsa a nova lei e apontou risco de corrupção ao se colocar ministros para iniciar as investigações que envolvam empresas contratadas pelo governo. Camanho também entende que um ministro investigar empresas pode levar a negociações escusas.
- Essa autonomia de investigação que a lei coloca para âmbito federal, sem controle, pode levar, sim, os empresários a serem alvos de achaque. E, por medo, acabarem cedendo. O pior é que essa autonomia se estende para instâncias estaduais e municipais - disse Alexandre Camanho.
Advogada sugere órgão independente
O conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Rossini Corrêa também afirmou que delegar a ministros a prerrogativa de investigar empresas envolvidas em casos de desvio de recursos e pagamentos de propina pode comprometer os processos:
- É possível que o resultado da investigação seja comprometido, pois se deixa a porta a aberta para que isso se torne problema de governo, enquanto deveria ser questão de Estado. Na medida em que a fidelidade ao núcleo de poder possa se sobrepor ao interesse da sociedade, não é conveniente que se entregue ao ministro esse poder de investigação.
Camanho disse também entender que muitos pontos da lei são autoaplicáveis, o que significa que não necessitariam de regulamentação. Camanho avalia ainda que a presidente Dilma Rousseff escolheu o momento errado para anunciar a regulamentação:
- (A regulamentação) Deveria ocorrer num ambiente de prosperidade e de estabilidade econômica. A turbulência gerada pela Operação Lava-Jato não ajuda. Em outro período, seria melhor recebida.
A advogada Marta Viegas, integrante do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), acredita que a instauração dos procedimentos poderia ficar a cargo de um órgão independente, como acontece nos Estados Unidos:
- Essa descentralização das investigações pode ser um problema. Seria mais eficiente ter um órgão só para aplicar a Lei Anticorrupção, que estivesse menos sujeito a tráfico de influência e tivesse servidores com mais experiência para avaliar cada caso.
Presidente da Comissão de Estudos de compliance do Instituto dos Advogados de São Paulo, Carla Benedetti afirma que a medida pode colocar "em dúvida" possíveis investigações:
- Esse assunto ainda tem que ser mais discutido. Se determinado processo envolver o governo, será que o ministro vai ter a isenção suficiente?
O ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Valdir Simão, rebateu as críticas de Carvalhosa.
- Essa previsão está na lei, não no decreto. Compete à autoridade máxima de cada órgão lesado a responsabilidade de instaurar o processo de descentralização - afirmou Simão.
O secretário nacional de Justiça, Beto Vasconcelos, vinculado ao Ministério da Justiça, também contestou as críticas de Carvalhosa. Segundo ele, não é verdade que o decreto reduziu de 20% para 5% do faturamento bruto o valor da multa a ser aplicado a empresas envolvidas em corrupção.
- Uma análise mais aprofundada do decreto vai mostrar que o artigo 17 prevê, sim, uma multa de até 20%. Somando vários critérios se atinge uma multa máxima de 20%, que é o que a lei prevê.