Título: Longe do calote, perto da recessão
Autor: Caprioli, Gabriel; Monteiro, Fábio
Fonte: Correio Braziliense, 02/08/2011, Economia, p. 10

Com menos apoio democrata do que republicano, Câmara dos EUA eleva teto da dívida, mas indicadores continuam desanimadores

A oposição norte-americana encerrou a batalha de nervos que tirou o sono do presidente Barack Obama e do restante do mundo nos últimos três meses. Ontem à noite, democratas e republicanos honraram o acordo firmado no domingo e aprovaram na Câmara dos Deputados a elevação do limite da dívida dos Estados Unidos em US$ 2,1 trilhões. Por 269 votos a 161, os parlamentares deram fôlego adicional ao governo, que, sem a ampliação do teto de US$ 14,3 trilhões, não teria condições de atender a partir de hoje compromissos financeiros simples, como o pagamento de salários e de juros da dívida externa. Se os EUA se livraram do calote a curto prazo, agora terão que enfrentar o fantasma da recessão.

Apesar de ter mantido uma pesada resistência durante as negociações, o Partido Republicano, detentor da maioria na Câmara, apoiou com mais unidade a proposta vencedora. Entre os opositores, o "sim" ao aumento do teto venceu por 174 a 66 votos, enquanto os democratas empataram com 95 votos a favor e 95 contra. O racha na sigla de Obama é resultado da insatisfação dos parlamentares em torno dos termos do acordo. Inicialmente, o limite da dívida vai aumentar em US$ 900 bilhões e, em um segundo momento, em US$ 1,2 trilhão. Em contrapartida, o governo terá que cortar US$ 2,4 trilhões em gastos, dos quais US$ 1 trilhão nos próximos 10 anos.

O resultado da votação entre os democratas também refletiu o desgaste político ao qual o presidente foi submetido ao longo das discussões. Incapaz de convencer os adversários, o chefe do Executivo da maior potência do planeta foi obrigado a ir a público e pedir aos cidadãos para pressionar os representantes do Legislativo. No meio do caminho, desistiu de aumentar impostos. Sua única vitória foi não ter que voltar às negociações em ano eleitoral.

Apesar da maioria democrata no Senado, a votação do acordo, prevista para hoje, corre o risco de ser apertada. O líder do partido de Obama na Casa, Harry Reid, disse estar esperançoso de que a lei seja aprovada, mas ressaltou que a proposta foi recebida com entusiasmo apenas por parte do partido. Questionado sobre a votação, respondeu que "não dava para declarar vitória ainda".

O projeto deve ser ratificado pelo Senado antes de entrar em vigor, mas longe de representar um alívio para o presidente democrata, dará início a uma nova frente de combate. Depois de se livrar do pesadelo da falta de recursos, Obama terá que se ocupar da recuperação da economia, que patina desde o fim de 2007 e apresenta dados cada vez mais desanimadores. O indicador de atividade industrial manufatureira caiu de 55,3 pontos em junho para 50,9 pontos no mês passado, desempenho abaixo dos 54,9 pontos estimados por analistas.

Preocupação Embora tenha afastado o risco imediato de um calote internacional da dívida, o novo limite não foi suficiente para reduzir a apreensão dos investidores. A euforia pela aprovação foi ofuscada pela preocupação com a situação fiscal do governo dos EUA. Em resposta, as bolsas em todo o mundo desabaram, com ações de bancos liderando as quedas nos Estados Unidos. Uma dessas instituições, a Intesa SanPaolo, chegou a cair 7,9%.

Para os analistas, após a resolução do impasse em torno do teto da dívida, a economia dos Estados Unidos precisará ser analisada com cautela. "Não existem grandes mudanças, apenas uma saída para que o Tesouro norte-americano continue se financiando", analisou o economista-chefe da SulAmérica Investimento, Newton Rosa. Ele espera uma melhora da situação dos EUA no segundo semestre, mas somente após uma queda nas taxas de desemprego. "O mercado de trabalho precisa dar sinais que novas vagas estão aparecendo, de forma que isso possa aumentar o poder de compra dos consumidores", observou.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, concorda com a avaliação e acredita que o plano costurado entre governo e oposição não vai realizar mudanças significativas na economia dos EUA. Ele estima que o país deve continuar a apresentar baixos índices de crescimento. "O que os congressistas fizeram foi um combinado de medidas para conseguir elevar o teto da dívida. Mas isso deve gerar impactos no crescimento do país. Ou seja, o calote, que era um risco inimaginável, foi substituído por uma desaceleração", comparou.

Longo prazo O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, afirmou, pouco antes da votação, que o acordo obtido entre os líderes parlamentares e a Casa Branca terá efeitos positivos. "Será bom para a economia a longo prazo. Esse acordo, por si só, não criará empregos, mas vai evitar maiores danos a curto prazo", comentou. Ele se mostrou confiante de que a situação fiscal também vai se aperfeiçoar. "Como o presidente se nega a aceitar os cortes profundos nos gastos, como querem muitos congressistas, e como a lei inclui certas economias a longo prazo, isso melhorará a situação com o tempo."

Críticas O primeiro-ministro russo, Vladmir Putin, acusou os Estados Unidos de "parasita" da economia mundial, durante encontro com jovens, realizado ontem. Para ele, o acordo fechado entre os congressistas norte-americanos apenas adia a resolução de um problema mais grave. "O país vive de crédito além de seus meios e carrega uma parte do peso (de sua dívida) na economia mundial. Parasita os negócios globais utilizando a situação de monopólio do dólar", afirmou.