Por meio da Secretaria-Geral da Presidência, o órgão responsável pela interlocução com os movimentos sociais, o governo vai promover 14 conferências temáticas até o fim do ano. A iniciativa foi justificada pelo ministro Miguel Rossetto como uma resposta do Palácio do Planalto aos protestos de rua contra Dilma Rousseff. A realização das conferências era reivindicada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), cujos líderes acusam a presidente de ter se distanciado das tradicionais bases petistas, como sindicatos, corporações profissionais, coletivos, organizações não governamentais, entidades comunitárias e associações religiosas.

Entre as conferências nacionais já convocadas, com uma estimativa de participação de mais de 2 milhões de pessoas, destacam-se as que discutirão temas como a "saúde pública de qualidade como direito do povo brasileiro", "o protagonismo da pessoa idosa num Brasil de todas as idades", "a transversalidade como radicalidade dos direitos humanos", "a criminalização da violência contra lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais", o fortalecimento dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente e a construção de um plano decenal de assistência social.

Vistas pelo PT como "instâncias periódicas de debate, formulação e avaliação sobre temas específicos de interesse público" e consideradas estratégicas para a "construção de políticas públicas por meio de acordos entre atores sociais capazes de expressar valores e posições diferenciadas sobre aspectos culturais, políticos e econômicos", as conferências nacionais são precedidas por conferências preparatórias municipais e estaduais.

Criadas sob a justificativa de fortalecer os mecanismos populares de representação política, as conferências nacionais existem desde o tempo do Estado Novo. Nas duas últimas décadas e meia, o governo Collor promoveu 2 conferências; o governo FHC, 17; e o governo Lula, 55. Originariamente, a ideia era que as diretrizes e propostas aprovadas com base nesses eventos subsidiassem programas governamentais e se convertessem em leis. Mas, desde a ascensão do PT ao poder, em 2013, as conferências transformaram-se no que os petistas chamam de "experimentalismo democrático" - uma estratégia política para substituir progressivamente a democracia representativa e o Poder Legislativo por uma democracia direta e participativa, que funcionaria com base em conselhos populares, fóruns interconselhos, "mesas de diálogo" e "ambientes virtuais de participação social" - todos, é evidente, sob controle do PT.

É por esse motivo que as conferências nacionais se desvirtuaram, convertendo-se em focos de pressão para a defesa de medidas que, na prática, corroem a ideia de democracia. Isso foi explicitado pelas conferências sobre comunicações e direitos humanos que culminaram em propostas de cerceamento das liberdades públicas, limitando o direito de informação, impondo dificuldades para a expansão da iniciativa privada no campo da mídia e criando conselhos e órgãos corporativos sob controle governamental. Na mesma linha, a pretexto de instituir um "sistema nacional de participação social", a presidente Dilma Rousseff baixou em 2014 um decreto que previa a criação, na administração pública, de conselhos populares. Na prática, a inovação entregava o funcionamento da máquina governamental ao arbítrio dos movimentos sociais - o que levou o Poder Legislativo a rejeitá-la.

Por isso, pouco se pode esperar dessa experiência para o aperfeiçoamento da democracia representativa. Nas 14 conferências temáticas nacionais que o governo promoverá até o final do ano, muito se falará em diálogo, consenso, construção coletiva e inserção soberana no cenário mundial - como se essas palavras se articulassem de forma unívoca num discurso coerente. Muitos textos inúteis para orientar ou subsidiar políticas públicas absolutamente inviáveis também serão apresentados. Além de demagógicas em seus propósitos e enviesadas ideologicamente, as conferências nacionais representarão um brutal desperdício de recursos governamentais.