O presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS), avocou ontem a relatoria do Projeto de Lei Complementar (PLC) 102/2007, de autoria do ex-senador Arthur Virgílio, que disciplina o sistema financeiro nacional. Delcídio disse ao Valor que vai elaborar um novo parecer ao projeto, mas não incluirá no seu texto a autonomia operacional do Banco Central. "Pelo entendimento que temos com o ministro Joaquim Levy [da Fazenda], não trataremos deste assunto [autonomia do BC] no parecer", informou. "Vamos regular outras questões do sistema financeiro".

O parecer anterior ao projeto, elaborado pelo ex-senador Francisco Dornelles (PP-RJ), previa a autonomia operacional do BC, cujo presidente e diretores teriam mandatos. Depois que Dornelles apresentou o seu parecer, em abril de 2013, o projeto ficou parado na CAE até o fim de 2014, pois o governo era contra a proposta. Ele foi, então, arquivado.

Em 4 de março deste ano, o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) e outros senadores apresentaram requerimento solicitando o desarquivamento do projeto. No dia 10, o requerimento foi aprovado pelo plenário do Senado e o projeto retornou à CAE para ser apreciado.

O desarquivamento do projeto coincidiu com as declarações do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), favoráveis à autonomia do BC. Mas, segundo Anastasia, as duas iniciativas não guardam relação. O senador tucano se disse feliz com a intenção do presidente da Casa de debater o tema, mas sublinhou não haver por ora uma articulação entre eles.

O assunto foi levado ao ministro Levy, há uma semana, quando ele esteve no gabinete de Renan. Na saída do encontro, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que participou a conversa, afirmou que seu partido defenderá a autonomia formal do BC, com a formulação de um projeto sobre o tema.

Ao Valor, o líder do PMDB no Senado, Eunício de Oliveira (CE), afirmou, no entanto, que esta ainda não é uma bandeira do partido. "Foi uma colocação do Renan. O PMDB, por enquanto, não está discutindo essa mudança. Se as conversas avançarem, o partido irá fechar uma posição, mas neste momento é uma iniciativa do presidente do Senado", pontuou.

Durante a campanha presidencial do ano passado, o PT e a presidente Dilma Rousseff fizeram pesados ataques à proposta da candidata Marina Silva (PSB) de dar autonomia ao BC. Em inserções produzidas pelo marqueteiro João Santana, a propaganda petista afirmava que a mudança "significaria entregar aos banqueiros um grande poder de decisão" sobre a vida da população, que poderia afetar empregos, salários e retirar o poder de compra. Pratos de comida vazios ilustravam a peça, que teve papel importante na estratégia de desconstrução da candidata do PSB.

Renan, segundo interlocutores, trouxe a questão do BC à baila mais para fazer um novo contraponto ao governo do que por considerar a medida crucial ao ajuste da economia do país. É um tema que o presidente do Senado, disseram, domina pouco. A manutenção de seu nome na imprensa junto a pautas que afrontam o governo, no entanto, muito lhe agrada, assim como afastam dele os incômodos holofotes da Operação Lava-Jato. Renan está entre aqueles com pedido de abertura de inquérito pela Procuradoria-Geral da República.

O ex-senador Francisco Dornelles, atual vice-governador do Rio de Janeiro, acredita que sem apoio do governo dificilmente um projeto de autonomia do BC será aprovado. Para ele, muita gente não entende o que significa essa proposta. "O nome certo é autonomia operacional, pois as metas da política monetária continuarão sendo definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN)", disse ontem ao Valor. "Caberia ao BC executar essa política, tendo, para isso, autonomia operacional".

No substitutivo apresentado por Dornelles, o presidente e os diretores do BC só perderiam seus mandatos em caso de renúncia, aposentadoria compulsória, condenação judicial transitada em julgado ou demissão pelo presidente da República, devidamente justificada e previamente aprovada pelo Senado Federal, mediante votação secreta. Mesmo assim, só nas hipóteses de gestão conducente a grave prejuízo à economia nacional ou descumprimento de metas estabelecidas pelo CMN.

Em novembro de 2013, a CAE aprovou requerimento de Dornelles para que fossem ouvidos sobre o projeto o ministro da Fazenda, o presidente do Banco Central e o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Delcídio do Amaral disse ontem que vai realizar essas audiências, pois há muitos aspectos da regulação do sistema financeiro que precisam ser discutidos.