Numa tentativa de se recompor com o Congresso, a presidente Dilma Rousseff convidou um ministro do PMDB, Eliseu Padilha, da Aviação Civil, para o lugar de um outro do PT, Pepe Vargas, da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), para comandar a articulação política do governo. É a maior guinada do segundo mandato da presidente, depois da escolha do ministro Joaquim Levy para a Fazenda, mas nada indica que a saída possa pacificar a relação entre Executivo e Legislativo, tanto que Padilha somente hoje deve dar sua resposta.

O convite da presidente da República ao PMDB atende também a uma sugestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para o antecessor de Dilma no Palácio do Planalto, há um erro de concepção na articulação política do governo, que tentou deliberadamente reduzir a influência do PMDB e da maior tendência abrigada no PT. Para Lula, a presidente deveria substituir Aloizio Mercadante (Casa Civil), e não apenas Pepe Vargas na SRI. Sua permanência é um dos problemas para o PMDB aceitar a nova engenharia. Dilma cedeu, mas nem tanto. Oficialmente, o Planalto nega a troca.

Na conversa que teve ontem de manhã com Padilha e com o vice-presidente da República, Michel Temer, Dilma prometeu ao ministro da Aviação Civil os instrumentos que julgasse necessários para recompor a base aliada. O PMDB ficou de discutir a proposta, em jantar marcado para ontem à noite no Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice-presidente. Mas as primeiras sondagens revelaram que a solução enfrentaria dificuldades para ser assimilada pelo partido, mas especialmente pelos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros. Sem o respaldo dos dois, Padilha, considerado um dos mais hábeis articuladores do Congresso, pode recusar a empreitada.

Segundo integrantes da cúpula do PMDB, Cunha teria reclamado que a engenharia proposta levaria a Câmara a ter apenas três ministros representados no governo, contra quatro do Senado - se Padilha aceitar a SRI, o ministro do Turismo, Vinicius Lage, ligado politicamente a Renan, poderia ser deslocado para a Aviação Civil. O ex-presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, ocuparia o seu lugar. Outra hipótese é a designação direta de Alves para a SAC. Mas essas alternativas somente seriam discutidas ontem depois de um acerto interno do PMDB, que parecia distante até o início da noite. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), almoçou com Temer mas não iria ao jantar.

O presidente do Senado, Renan Calheiros, por exemplo, insistia no discurso de que o partido não reivindica cargos no governo, segundo integrantes da cúpula pemedebista. Mas tanto ele como Eduardo Cunha cresceram no conflito com o Palácio do Planalto e não demonstram muito interesse na mudança do status quo. A queda da popularidade de Dilma, que despencou para a faixa em torno dos 12%, 13% também não ajuda a composição. Embora só tenha completado três meses de governo há poucos dias, a iniciativa da presidente pode ser tardia, mesmo que o PMDB decida assumir a SRI.

O conflito na relação dos presidentes das duas Casas do Congresso com o Palácio do Planalto também serve a Renan e Cunha, segundo integrantes da cúpula do PMDB, para desviar a atenção sobre o envolvimento de ambos na Operação Lava-Jato. Por mais frágeis que possam ser os indícios apresentados pelo ministério público contra os dois, o fato é que há uma inquérito em curso no Supremo Tribuna Federal. E mais dia, menos dia os dois terão de dar explicação aos ministros do STF.

Apesar das garantias oferecidas por Dilma, o PMDB também avalia se vale a pena assumir a coordenação política, num ambiente dominado por uma ala do PT e um discurso de governo diferente do que o partido prega. Na Secretaria Geral da Presidência, por exemplo, o ministro Miguel Rossetto é um ativo defensor do financiamento público das campanhas eleitorais - o PMDB não é favorável. Na realidade, desde que a crise foi desencadeada os pemedebistas enviaram sucessivos recados ao Palácio do Planalto dizendo que não estavam interessados em assumir a coordenação política. A SRI costuma desgastar mais que render dividendos políticos a seus ocupantes.

O convite para Padilha assumir a SRI tem por objetivo comprometer o PMDB com o governo no Congresso. Dos ministros do Palácio do Planalto, Pepe Vargas foi o que mais se expôs na tentativa comandada pelo governo de impedir a eleição do deputado Eduardo Cunha para a presidência da Câmara, muito embora tenham sido identificadas pelo PMDB também as impressões digitais do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e do secretário-geral Miguel Rossetto. Mas a arquitetura desenhada por Dilma pode também acalmar o presidente do Senado, Renan Calheiros. Na visão do Planalto, um dos motivos da "rebeldia" de Calheiros seria a perspectiva de perder o Ministério do Turismo, onde mantém um afilhado político.

Desde a formação do governo o Turismo está encomendado para Henrique Eduardo Alves. Como havia a possibilidade de o ex-deputado integrar a lista da Lava-Jato, sua nomeação foi adiada. No Turismo ficou Vinicius Lage. Agora, num mesmo movimento, Dilma poderia nomear Alves e manter Lage no governo. E o PMDB saltaria para oito ministérios: Minas e Energia, Agricultura, Pesca e Turismo, pela cota do Senado, e Aviação Civil, Portos e SRI, na cota da Câmara. Mangabeira Unger, da SAE, é do PMDB mas considerado cota pessoal da presidente.