A urgente modernização das relações de trabalho

Marcos Guterman

Uma crise brava como esta que o Brasil atravessa deveria ser vista como oportunidade para que fossem operadas as mudanças capazes de levar o País a um novo patamar de desenvolvimento, deixando para trás esta era de malaise econômica, que mistura crescimento medíocre com falta de dinamismo. Um dos temas mais urgentes desse debate deveria ser uma ampla reforma trabalhista e sindical, para desengessar o mercado de trabalho, adaptar a legislação às modernas relações entre empregados e empregadores e, não menos importante, democratizar a representação dos trabalhadores. O problema, como mostra Almir Pazzianotto em ensaio recentemente publicado, é que todos - governo, patrões e centrais sindicais - sempre apresentaram algum obstáculo ao progresso do mundo do trabalho. Portanto, será preciso vencer ampla e disseminada resistência para fazer essa reforma, sem a qual, diz Pazzianotto, "o Brasil não escapará da pobreza e do subdesenvolvimento".

Ex-advogado de sindicatos e ministro do Trabalho no governo Sarney (1985-1990), que enfrentou nada menos que 12 mil greves, Pazzianotto tem experiência suficiente para não nutrir ilusões quanto à disposição dos sindicalistas de abrir mão do imenso poder que lhes confere o atual modelo de representação, cujas raízes estão no governo de Getúlio Vargas.

"Beneficiado pelo paternalismo da lei, que lhe garante o monopólio da representação sindical e o fluxo ininterrupto de recursos públicos isentos de fiscalização e controle, o movimento sindical é aberração incompatível com o regime democrático, garantido na Constituição em vigor", escreve Pazzianotto em A Transição - 1985-1988. Nesse pequeno livro, que trata dos primeiros anos da redemocratização do Brasil, o ex-ministro, a partir de sua experiência pessoal, relata como os dirigentes sindicais, confortáveis graças a um modelo legal corporativista, dificultam qualquer avanço que confira racionalidade às negociações trabalhistas e às reivindicações feitas ao Estado.

A irresponsabilidade tem prevalecido graças à proteção garantida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), monumento ao corporativismo varguista prestes a completar 72 anos e tratado como "sagrada escritura" pelos sindicatos e pela Justiça do Trabalho. A CLT cumpriu seu papel histórico de dar aos trabalhadores um mínimo de proteção legal contra os abusos dos empregadores, mas hoje ela basicamente se presta a reservar aos "pelegos" - como são chamados os dirigentes sindicais tutelados pelo Estado - uma posição privilegiada para sabotar esforços de modernização do trabalho.

O peleguismo, como explica Pazzianotto, alimenta-se do fluxo contínuo de recursos garantidos pelo imposto sindical, criado para atrelar os sindicatos ao governo. Era esse o objetivo de Vargas. Passados tantos anos, e em plena vigência de um regime democrático, não é admissível que a organização sindical ainda esteja submetida a esse tipo de vinculação com o Estado. Sem o imposto sindical, diz Pazzianotto,"os sindicatos passariam a depender exclusivamente das cotas pagas pelos associados, medida suficiente para banir do sindicalismo todos os dirigentes pelegos".

O ex-ministro lembra que antes de chegar ao poder o PT dizia defender a revisão da CLT para que houvesse liberdade de filiação, autonomia de organização e livre negociação entre patrões e empregados, além do fim do imposto sindical. Na época, confiava em sua grande capacidade de mobilização para não depender das relações com o Estado e, portanto, para ter independência, deixando pelo caminho os sindicatos criados só para arrecadar o imposto. Uma vez na Presidência da República, contudo, o PT abandonou suas posições, tornando-se "aguerrido defensor do peleguismo", conforme anotou Pazzianotto. Afinal, o corporativismo presente no espírito da CLT, que manieta a organização sindical e submete a representação dos trabalhadores aos interesses governistas, serve perfeitamente aos propósitos petistas.

Assim, a eleição de um presidente petista não realizou a promessa de mudanças que modernizassem as relações de trabalho, facilitassem a criação de empregos e estendessem a proteção legal a todos os trabalhadores. Ao contrário, o PT e seus braços sindicais trataram de estigmatizar, como inimigos do trabalhador, todos os que ousassem propor alterações nessa legislação arcaica - que impede que empresas e seus funcionários façam acordos sobre os vínculos empregatícios e as condições de trabalho que lhes sejam mais convenientes.

Um exemplo dessa visão retrógrada é o debate sobre a terceirização. Conforme acentuou José Pastore no Estado (24/3, B2), é "inacreditável" que essa matéria ainda não tenha sido regulada, 17 anos depois de iniciadas as discussões no Congresso. O problema começa pelo nível do debate - como diz Pazzianotto, os inimigos da terceirização precisam ser convencidos de que "buscar maior produtividade, com redução de custos, não é imoral, pecado ou crime".

Os argumentos de quem se opõe à terceirização não se sustentam. Ao principal deles, o da precarização dos empregos, Pazzianotto responde que a vida é precária por definição - e no livro ele dá o exemplo do casamento, união considerada indissolúvel até que se tornou laço precário com a possibilidade de divórcio. Antes de tudo, é o desenvolvimento econômico que protege os empregos, e só é possível ter desenvolvimento com um mercado de trabalho dinâmico. Pazzianotto demonstra que os sindicatos são contra a terceirização por motivos menos nobres - o busílis é que eles deixariam de receber a contribuição sindical da categoria afetada.

Entraves desse tipo demonstram que é longo o caminho a percorrer para que se alcance o mínimo de racionalidade nas discussões sobre as relações de trabalho, essenciais para impulsionar o País. É preciso, como lembra Pazzianotto, aceitar que nosso persistente atraso não é fruto de conjuntura desfavorável, mas sim de omissão generalizada. Para o ex-ministro, há "provas robustas" de que somos responsáveis pelo nosso próprio tormento.