A redução da maioridade penal

Denis Lerrer Rosenfield

 

A discussão sobre a redução da maioridade penal tem o condão de despertar clivagens ideológicas que, na verdade, só existem na cabeça dos que partem de opiniões ancoradas no politicamente correto. Enquanto as iniciativas anteriores foram praticamente eliminadas graças a um conjunto de deputados que comungam essas platitudes, esta nova está bem respaldada na Câmara dos Deputados. De fato, a sociedade não suporta mais a injustiça e a impunidade.

O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara e grande propulsionador desta nova iniciativa, foi imediatamente vilipendiado, sendo tachado de "conservador" pelos que se autointitulam, evidentemente, "progressistas". Pior ainda, a sua confissão religiosa foi posta em causa, quando ser evangélico significa aqui tão simplesmente ser justo.

A questão, de fato, não reside na religião, pois fosse ela católica, protestante, judaica ou muçulmana, o problema seria o mesmo, a saber, a defesa da justiça e a luta contra a impunidade. O abuso da irresponsabilidade está, finalmente, e felizmente, encontrando limites.

O discurso dos "progressistas" não deixa de ser hilário, como se um menor de 16 anos fosse incapaz de discernir seus atos. Se tem o direito de votar para presidente da República, ato supremo de escolha de quem vai representar a polis, se é capaz de discernir entre as propostas e os candidatos aquela ou aquele que vai melhor representá-lo, como não seria capaz de discernir um ato moral e legal de um ato imoral e criminoso?

Um exemplo. A dois dias de completar 18 anos, um menor matou a ex-namorada, de 14 anos, gravou o crime com seu celular e enviou as imagens para os amigos, de acordo com os policiais militares que investigam o crime (ocorrido em 2014). O menor já tinha passagens pela polícia por roubo, ameaça, lesão corporal e porte de arma. O rapaz, que não pode ter seu nome revelado por estar protegido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), gravou sua "infração" e enviou o vídeo a amigos e desafetos porque queria impressionar os primeiros e advertir e amedrontar os segundos. Aos policiais e membros do Ministério Público que tomaram seu depoimento o jovem confessou ter antecipado o crime para não ser punido como maior de idade. Nesse caso, de acordo com o Código Penal, ele poderia pegar de 12 a 30 anos de prisão. A impunidade é flagrante.

Outro argumento do politicamente correto consiste em dizer que menores criminosos não podem ser presos porque entrariam, assim, para a escola de crimes que são hoje os presídios brasileiros. É como se lá fossem eles aprender a matar, como se lá se aperfeiçoassem nos requintes da criminalidade. Na verdade, alguns jovens lá entrariam para dar aulas, sendo, na verdade, "pós-graduados". Nada têm a aprender, eis já sabem tudo da arte da maldade.

Há uma clara mudança de ambiente no Legislativo e na opinião pública. O muro do politicamente correto apresenta sérias rachaduras. Está caindo e é isso que aterroriza os "progressistas", pois o seu domínio está sendo fortemente contestado. Ainda recentemente, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) propôs alterar a redação dos artigos 129 e 228 da Constituição federal, que tratam das atribuições do Ministério Público, "acrescentando um parágrafo único para prever a possibilidade de desconsideração da inimputabilidade penal de maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos por lei complementar", que dependeria da ação do promotor e do julgamento do juiz. Seu objetivo: permitir o julgamento e a condenação, já a partir dos 16 anos, de pessoas acusadas de crimes hediondos. A PEC 33/2012, porém, foi rejeitada.

Ora, a proposta do senador tucano era tímida se comparada com a da PEC 171/93, aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A PEC 171 reduz a maioridade penal para 16 anos e mesmo assim foi aprovada. Um deputado esquerdista exclamou: "A agenda conservadora do Congresso está sendo posta em prática. É um momento triste para toda a sociedade". Note-se que a PEC 171/93 tramita sem sucesso há mais de 20 anos no Congresso. Logo, os "progressistas" não podem nem mesmo aduzir que a discussão não foi suficiente, embora tenham utilizado esse suposto argumento. Quando a discussão não lhes é favorável, argumentam que nada se pode decidir, pretendendo, então, manter o status quo da injustiça e da impunidade.

A gritaria contra o suposto perfil conservador deste novo Congresso não é exclusiva de certos partidos de esquerda. O diagnóstico não é novo: a esquerda detém - ou talvez detivesse - a hegemonia cultural e política. Assim, para algo ser "bom e belo" precisava antes passar pelo crivo desse consenso. Ora, também não é novidade que existe uma dissonância entre essa elite cultural e política e a população em geral. No caso da redução da maioridade penal, a clivagem é bastante óbvia. Pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes em conjunto com o instituto MDA divulgada em 2013 revelou que 92,7% dos brasileiros eram favoráveis à redução da maioridade penal. Outra pesquisa, desta vez do Ibope, divulgada em 2014 encontrou números semelhantes. De acordo com o instituto, 83% dos brasileiros eram favoráveis à redução para 16 anos.

Essa lamentação "esquerdista/progressista" tem sua razão de ser. Ela parte, malgré soi, da constatação de que algo se perdeu. Chora a rachadura de seu muro ideológico e procura de toda maneira ampará-lo com todos os recursos disponíveis - um deles, costumeiro, é vilipendiar seus adversários. Ademais, ela revela todo o seu pendor autoritário, aquele segundo o qual as opiniões do povo devem ser descartadas quando não se harmonizam com suas crenças políticas. Sua religiosidade é "absoluta"!

A "vanguarda do povo" não reconhece o seu povo quando este opta por contradizê-la. O povo a está abandonando, se é que já não a abandonou, escolhendo deputados que lhe estão dando voz, a voz que clama por justiça e não mais aceita a impunidade.