Após mobilizar a comunidade local, turistas e brasilienses, a discussão sobre o plano de manejo para a Área de Proteção Ambiental (APA) do Pouso Alto — que engloba seis municípios vizinhos, como Alto Paraíso, São João da Aliança e Cavalcante — chegou ao Congresso Nacional. Ocorrerá hoje uma audiência pública na Câmara dos Deputados para revisar as propostas apresentadas e abrir a polêmica para a participação da sociedade civil. O projeto atual divide opiniões e prevê, entre outras mudanças, a criação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). A instalação delas, no Rio Tocantinzinho, inundaria e desvirtuaria parte da região.

“Queremos um plano de manejo que mostre a melhor forma, aquela que agrida o mínimo possível a região, mas também tenha o desenvolvimento. Não é não fazer nada”, explica Bruno Mello, 34 anos, integrante do movimento Sou Mais Cerrado. O grupo procurou deputados com a proposta do encontro. Além dessa, estão programadas duas audiências. Segundo Bruno, a ideia é formalizar o diálogo e dar o primeiro passo para uma discussão aprofundada.

A APA do Pouso Alto foi criada em 2001, com área de 872km², e, desde então, aguarda o plano de manejo, um instrumento legal que normatiza o uso do solo e dos recursos naturais. Uma empresa contratada pela Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos de Goiás (Secima) elaborou uma proposta, em discussão há um ano pelo Conselho Consultivo da APA de Pouso Alto (Conapa). De acordo com o documento, a unidade de uso sustentável seria dividida em duas: a do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, que apenas permitiria atividades de baixo impacto, e o terreno ao redor. Nesse segundo zoneamento, estariam liberadas a pulverização de agrotóxicos, a construção das PCHs e a mineração.

A mobilização social impediu que o Conapa votasse o projeto. Depois disso, outras ideias foram apresentadas à Secima. Até o momento, o governo de Goiás não concluiu a análise. De acordo com a superintendente executiva de Meio Ambiente da Secima, Jacqueline Vieira, na próxima semana, a empresa contratada apresentará a análise final, que, em seguida, será avaliada pelo conselho. “Todas as informações que tivermos e todas as possibilidades para o plano de manejo têm de ser ouvidas e têm importância dentro daquilo que pode ser realizado. A audiência é excelente, tanto para essa questão como para elevar a pauta de preservação do cerrado”, disse.

Círculo de proteção
A discussão sobre o plano de manejo da APA de Pouso Alto envolve relações antigas com a área. O empresário Ivani Valença da Silva, 82 anos, é dono da Fazenda Silêncio há mais de 40. Chegou ao terreno, a 80km de São José da Aliança e em Alto Paraíso, quando a viagem de Brasília até lá durava 8h de carro e ainda não se falava em Chapada dos Veadeiros. “Fui tomado de amor pela região”, conta (leia Depoimento). Ivani defende a preservação do bioma.

Outra frequentadora da área é a empresária Narciza Leão, 45. Ela conhece a APA há 15 anos e, recentemente, comprou um terreno em Cavalcante exclusivamente para conservação. Na opinião dela, é preciso terra para a agricultura, mas não existe nenhuma preocupação com a preservação. “Todo mundo que ama aquele lugar quer preservar e está se juntando para criar um círculo de proteção. É importante escutar o que a comunidade tem para dizer. Se os poderes só escutarem os grandes empresários, não vão enxergar como as comunidades se sustentam. Isso pode criar alternativas bacanas que não agridem a natureza”, afirma.


Depoimento

Equilíbrio ecológico

“Quando cheguei lá (Fazenda Silêncio), o terreno já estava descampado. Deixei as árvores crescerem. Foi reflorestada naturalmente. Hoje, estou tentando deixar para as gerações futuras algo significativo. Se alguém um dia perguntar o que é um jacarandá, pode ir lá conhecer. Na fazenda, tem todos os animais do cerrado, menos o porco-queixado. Além disso, ao longo desses anos, fui levando espécies que lá não tinha, como o mogno e o pau-brasil. Ali, não é permitido caçar nem molestar os animais, nem mesmo as cobras. As hidrelétricas, por exemplo, poderiam ser positivas, mas não é isso o que quero. Eu me preocupo com as futuras gerações. Penso em preservar e dar aos bichos a oportunidade de existir. Criou-se ali um polo de turismo e a Chapada faz parte disso. É preciso impedir esse plano. Se o homem aproveitasse mais os recursos naturais, não precisaria desmatar. A vida na Terra depende de um equilíbrio ecológico. A natureza é sábia, e eu sou apaixonado por ela”

Ivani Valença, empresário