Por três votos a dois, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu habeas corpus a nove executivos de empreiteiras investigados na Lava­Jato, presos desde novembro. Entre os que passarão a prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica, está o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, acusado de ser o chefe do “Clube das empreiteiras”. Ele chegou a negociar acordo de delação premiada. Procuradores do caso e defensores dos acusados afirmam que os dois lados terão de mudar estratégias e que a decisão de ontem altera os rumos da Lava­Jato. Para investigadores, ficou mais difícil suspeitos fazerem novas revelações ou delações. Com a soltura dos nove, apenas um empreiteiro continuará  preso.

­BRASÍLIA E CURITIBA­ O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu ontem habeas corpus a nove executivos de empreiteiras acusados de participar do esquema de corrupção na Petrobras e presos desde novembro do ano passado por ordem do juiz Sérgio Moro, que conduz as investigações da Operação Lava­ Jato. Eles deixarão a prisão e serão transferidos para o regime domiciliar. Entre os beneficiados está o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, apontado como o chefe do “Clube das empreiteiras”, um grupo restrito de executivos que decidia quais empresas seriam responsáveis pelas obras da  Petrobras.

A decisão do STF estremeceu o comando da Operação Lava­Jato, pois a manutenção das prisões preventivas acabava forçando os executivos das empreiteiras a aceitar os benefícios da delação premiada. Os investigadores se recusaram a comentar publicamente a decisão, mas já admitem a necessidade de mudar de estratégica na condução da operação. O principal temor é que a decisão desestimule novas

 

delações. Um dos investigadores comparou a decisão da Corte a um daqueles lances que mudam o jogo para quem estava ganhando.

— Ficou mais difícil eles trazerem novas revelações. Antes, a liberdade era um trunfo que a gente tinha para convencê­los a falar mais. Agora, teremos que repensar — admitiu.

Os procuradores assumiram uma postura de reclusão total após o veredito. Assim que a decisão foi proferida, reuniram­se a portas fechadas para avaliar o impacto. A conclusão é de que as novas delações agora “sairão mais caras”. O Ministério Público Federal estaria mantendo conversas com, pelo menos, dois acusados para fechar novos acordos de colaboração. Um deles seria o próprio Ricardo Pessoa, considerado peça­chave no esquema do cartel.

APENAS UM EMPREITEIRO CONTINUARÁ PRESO

No estacionamento da PF, em Curitiba, Carla Domênico, uma das advogadas do presidente da UTC, recebeu a notícia sem conter a alegria, abraçando efusivamente um colega que a acompanhava em uma visita ao empreiteiro. Pessoa e Gerson Almada, da Engevix, que estariam colaborando voluntariamente com as investigações, foram os únicos executivos réus que tiveram o benefício de permanecer na carceragem da PF, e não foram transferidos para o Complexo Médico Penal, em Pinhais.

A decisão foi tomada pela Segunda Turma do STF, no julgamento do pedido feito pela defesa de Ricardo Pessoa. Depois do julgamento, os ministros resolveram estender a decisão a outros oito executivos de empreiteiras presos, por avaliaram que a situação de todos era semelhante.

Um dos beneficiados foi José Aldemário Pinheiro Filho, presidente da OAS, conhecido como Léo Pinheiro. Segundo reportagem da revista “Veja”, ele financiou a reforma de um sítio no interior de São Paulo a pedido do ex­presidente Lula. Também ganharam habeas corpus Agenor Franklin Magalhães Medeiros, diretor da OAS; José Ricardo Nogueira Breghirolli e Mateus Coutinho de Sá Oliveira, funcionários da OAS; Sérgio Cunha Mendes, vice­presidente da Mendes Junior; João Ricardo Auler, presidente do Conselho de Administração da Camargo Corrêa; Gerson de Mello Almada, vice­presidente da Engevix; e Erton Medeiros Fonseca, executivo da Galvão Engenharia.

Dos executivos de empreiteiras, só ficou preso Dario Galvão, presidente do Grupo Galvão, que só foi preso no fim de março e ainda não foi denunciado. O STF impôs uma série de condições aos executivos no novo regime de prisão. Eles precisarão ficar sempre dentro de casa, não podem manter contato  com outros investigados, ficarão proibidos de deixar o país, deverão entregar o passaporte à Justiça, usarão tornozeleira eletrônica, não poderão exercer atividades empresariais, precisarão comparecer quinzenalmente em juízo e não podem mudar de endereço sem apresentar justificativa à  Justiça.

A decisão foi tomada por três votos a dois. Além do relator, o ministro Teori Zavascki, votaram pela concessão dos habeas corpus os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Eles ressaltaram que os motivos listados por Sérgio Moro para determinar as prisões não têm mais validade. Entre os fundamentos da prisão de Ricardo Pessoa estava o fato de que ele poderia cooptar testemunhas. No entanto, o processo já está quase todo instruído, restando apenas o depoimento do investigado.

Os ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia votaram pela permanência de Pessoa na prisão. GILMAR MENDES CRITICA “PROPINA LEGAL”

Em seu voto, Gilmar Mendes fez discurso condenando os desvios de dinheiro da estatal e o uso dos recursos para financiar campanhas eleitorais — para ele, a “propina legal”, destinada a “financiar um sofisticado projeto de poder”. Gilmar comparou os desvios da Petrobras com o mensalão, concluindo que o escândalo atual foi uma continuação do primeiro. No entanto, o ministro ponderou que a prisão de Pessoa foi mantida por tempo excessivo sem julgamento.

Para Cármen Lúcia e Celso de Mello, como as investigações só serão concluídas no dia 11 de maio, com o fim de todos os depoimentos, o investigado ainda poderia ter a oportunidade de influenciar na instrução do processo.

No STF, o advogado de Pessoa, Alberto Toron, argumentou que seu cliente não representa risco algum à sociedade e pode ser posto em liberdade. Segundo Toron, o empreiteiro não tem a intenção de escapar da Justiça. O subprocurador da República Edson Almeida defendeu a permanência de Pessoa na  prisão.

Segundo ele, cabe a Sérgio Moro avaliar a conveniência das investigações, inclusive a necessidade de prisão dos suspeitos.

Após a decisão, Toron disse que, mesmo sendo transferido para a prisão domiciliar, Pessoa ainda pensa em fazer acordo de delação premiada para reduzir a pena, caso seja condenado.