A reeleição não é a culpada

POR CLAUDIO FERRAZ

Quando o tema é reforma política, grande parte da população e dos políticos brasileiros é amplamente favorável ao fim da reeleição. Como quase todo debate feito no Brasil, os argumentos não se baseiam em evidências, mas na intuição e na ideologia. A maioria das pessoas acredita que a reeleição é culpada pelas mazelas do nosso sistema político.

Surpreendentemente, se olharmos ao redor do mundo, não há nenhum país rico que vete a reeleição de seus políticos. Em nações como os Estados Unidos ou Canadá, presidentes podem se reeleger, e não por isso há altos níveis de corrupção. Mais do que isso, existem poucos países ao redor do mundo em que se proíba a seus líderes executivos buscar um mandato consecutivo. Nessa lista encontramos Filipinas, Honduras e México.

Dado que a maioria dos governos do mundo pode se reeleger, deve haver algum benefício nessa instituição. Por isso, antes de decidirmos por uma reforma que acabe com a reeleição, precisamos dar um passo atrás e pensar como ela afeta os incentivos dos políticos. Teoricamente, podemos pensar em dois mecanismos.

O primeiro é o que busca incentivar os políticos a tomarem decisões adequadas quando eles acreditam que os eleitores irão premiá-los com a reeleição caso seu desempenho seja bom. Essa função da reeleição é a de prover incentivos da mesma forma que uma empresa privada promete promoções na carreira para quem tiver um bom desempenho. A outra função da reeleição, ainda mais importante segundo alguns estudiosos, como o cientista político James Fearon, da Universidade de Stanford, é a de selecionar os melhores políticos possíveis para o cargo. Ou seja, como os eleitores não sabem exatamente o tipo de político que está no poder, o desempenho passado serve para sinalizar como será o desempenho futuro.

Além dessas duas finalidades, a possibilidade de reeleição aumenta o horizonte de planejamento dos governantes e isso pode criar incentivos para que sejam adotadas políticas em que o retorno demora a aparecer, tais como a provisão de saneamento básico ou a luta pela redução da criminalidade.

Acabar com a reeleição significa reduzir os incentivos dos políticos na busca por um melhor desempenho e, ao mesmo tempo, incapacitar os eleitores de manter no poder quem se mostrou capaz. Quais são as consequências disso? O economista Tim Besley, da London School of Economics, em trabalho conjunto com Ann Case, mostrou que políticos que não têm incentivos à reeleição gastam mais do que aqueles que podem se reeleger. No Brasil, em trabalho que realizei junto com o professor Frederico Finan, da Universidade da Califórnia em Berkeley, nós mostramos que incentivos criados pela possibilidade de novo mandato fazem com que os prefeitos sejam menos corruptos, pelo medo de serem pegos e não se reelegerem.

A maior crítica à reeleição é que os políticos incumbentes têm a máquina a seu favor e isso torna a concorrência desleal. Isso pode acontecer em alguns casos. Mas, quando olhamos para o caso dos prefeitos brasileiros, por exemplo, a taxa média de reeleição no Brasil desde 2000 nunca ficou muito acima de 50%. Além disso, quando eleitores têm informação adequada sobre gastos de governo e qualidade de serviços públicos, fica mais difícil para quem está no poder manipular as percepções eleitorais.

A reforma que precisamos é tornar nossos eleitores mais informados para que eles possam julgar melhor a qualidade dos políticos incumbentes. Se existe o uso da máquina pública, isso deve ser regulado e proibido. Se eles arrecadam e gastam mais em suas campanhas, um limite aos gastos deve ser discutido. Se existe aparelhamento do setor público, devemos buscar uma forma de controlá-lo. Ou seja, temos que combater diretamente nossas fraquezas institucionais com reformas que foquem no problema, e não utilizar a reeleição como desculpa para todos os nossos problemas institucionais.

Claudio Ferraz é professor do Departamento de Economia da PUC-Rio