Valor econômico, v. 15, n. 3730, 07/04/2015. Eu e Investimentos, p. D2

 

Fernando Torres

 

No Brasil se investe em ações por fé, não lógica

 

O que Jeremy Siegel e John Bogle diriam se vivessem no Brasil e, assim como a maior parte dos brasileiros, estivessem sujeitos a regulações que limitassem o investimento no exterior?

Esses autores de "best-sellers" sobre investimento em ações nos Estados Unidos teriam que rebolar um bocado para conseguir emplacar a mesma linha de argumentação que pregam em seus livros.

O primeiro, que escreveu o conhecido e citado "Investindo em Ações no Longo Prazo", traz no livro uma extensa base de dados que evidencia, por A + B, como o investimento em ações nos EUA foi a melhor opção do americano poupador ao longo dos séculos XIX e XX e início de XXI.

Por aqui, risco da renda variável não merece prêmio

Os números mostram que, mesmo com crises severas no mercado, como as de 1929, a de 1987 e a bolha pontocom, ainda assim o investimento em ações superou, com folga, o retorno médio da aplicação em títulos de renda fixa, numa faixa entre 8% e 9% contra 5% ao ano, respectivamente.

Isso torna o processo de convencimento do interlocutor um tanto quanto simples, já que a lógica teórica de que o investimento em renda variável, dado o maior risco, retribui com maior retorno, é provada de forma recorrente pelos dados históricos, especialmente em intervalos a partir de 20 e 30 anos.

Já Bogle, que escreveu "The Little Book of Common Sense Investing", não traduzido para português (que acaba de ganhar um impulso de vendas após ter sido recomendado por Warren Buffett na sua mais recente carta aos acionistas da Berkshire Hathaway), concentra-se em apontar a vantagem da estratégia de investimento passivo, via fundos negociados em bolsa com carteira diversificada e de baixíssimo custo, que segundo os dados que apresenta bate de forma consistente o retorno obtido pela média dos fundos de ações com gestão ativa, após considerados os diversos custos de transação.

Criador da gestora Vanguard nos EUA, na década de 1970, Bogle repete o mantra de que o investidor não precisa quebrar a cabeça para saber como ganhar com ações. Basta comprar frações de capital de todos os negócios dos EUA e confiar no sucesso da "corporate America". Comprar fundos de índice amplos, como o Total Stock Market Index ou S&P 500, é a maneira mais simples e barata de se conseguir isso, diz o especialista.

E o autor chega a três principais conclusões.

A primeira é que, no longo prazo, o retorno total com o investimento em ações coincide praticamente na vírgula com o ganho obtido com dividendos e crescimento do lucro por ação das empresas. Isso significa que, apesar dos altos e baixos, e ainda que os desvios possam ser grandes e durar anos, acaba havendo uma convergência entre resultados corporativos e preços das ações.

A segunda conclusão é que esse retorno, entre 1900 e início dos anos 2000, ficou em 9,5% ao ano em dólar, o que supera com folga o ganho obtido com aplicações de renda fixa.

A terceira é que a melhor forma de capturar esse retorno é comprando cotas de um fundo passivo, que replique um índice amplo e diversificado de ações e que gire muito pouco a carteira. A típica estratégia de comprar e segurar.

Segundo Bogle, a indústria de investimentos é um "jogo de perdedores". Devido aos custos de transação, como taxas de administração, corretagens e perda com spreads de compra e venda das ações, ele calcula que os intermediários tirem pelo menos 3 pontos percentuais dos investidores (nos EUA). Ele explica então que, como um conjunto, os fundos não têm como bater a média de retorno do mercado, depois de considerados os custos.

Ele reconhece que alguns gestores podem fazê-lo, assim como faz Buffett ao recomendar a leitura do livro. Mas o famoso investidor de Omaha diz que, no curto prazo, é difícil determinar se o resultado excepcional se deve a talento ou a sorte. "A maioria dos consultores é muito melhor para gerar taxas do que para gerar retorno elevado", disse Buffett no relatório anual.

No Brasil o cenário é bem mais complicado. Ainda que a série do Ibovespa esteja se aproximando dos 50 anos, o índice não é suficientemente diversificado e consequentemente representa mal o conjunto da economia brasileira. Fora isso, o período hiperinflacionário dificulta qualquer comparação com dados pré-1994.

Mesmo depois da estabilização, a variação do dólar tem sido suficientemente grande para contaminar com frequência as medidas de resultado corporativo baseadas no lucro líquido.

Para piorar, o número de 9,5% ao ano de retorno, obtido pelas empresas americanas, é nominal. Essa taxa já seria suficientemente baixa para rivalizar com os juros reais de 6% pagos por títulos do Tesouro no Brasil. Sem contar a dúvida se vale apostar que as empresas brasileiras, no seu conjunto, vão dar retorno acima das americanas (lembrando que a moeda é diferente).

Uma tese que existe no mercado é que a convivência com uma taxa real de juros elevadíssima no Brasil nas últimas décadas serviu como um processo de seleção natural que permitiu a sobrevivência apenas de alguns negócios com retorno também altíssimo. Mas, ainda que isso seja verdade, a consequência foi a limitação do número de empresas saudáveis para se investir.

No período mais recente, em que se experimentou taxas de juros mais baixas, mais projetos passaram a dar retorno acima da taxa mínima de atratividade. Mas a inflação escorregou, os juros voltaram a subir, e a conta virou novamente contra a sobrevivência dos negócios.

Assim, para convencer alguém a ter um negócio no Brasil, ou se tornar sócio de vários, por meio da compra de ações em bolsa, não basta um argumento de lógica, como o usado por Siegel. É preciso apelar para a fé. A fé de que, apesar das evidências em contrário, a teoria está certa e que o risco da renda variável será premiado algum dia.

Já em relação à indústria de fundos, estudada por Bogle, a situação do investidor brasileiro de varejo é outra - e pior. Se nos EUA a dúvida está em ficar com um fundo passivo barato ou tentar encontrar um fundo ativo, mais caro, que supere a média do mercado, aqui o pequeno investidor aloca a maior parte dos recursos em fundos que na prática são passivos, mas que custam muito caro.

Fernando Torres é repórter de S.A.