O globo, n. 29847 , 26/04/2015. País, p. 4

Direita reaparece e ganha adesão na trincheira contra o governo

Marcelo Remigio

RIO - A direita reapareceu no país. Tendência observada nas eleições do ano passado, a defesa de ideais de direita e centro-direita ganhou força nas manifestações antigoverno promovidas desde março. No Congresso, temas como a redução da maioridade penal seguem em discussão. Para especialistas, reconhecer que concorda com parte dessas ideias ou admitir em público “ser de direita” já não assustam muito. Segundo eles, a esperança de mudança depositada nos governos petistas foi grande, mas terminou abalada com denúncias de corrupção, contribuindo para o fortalecimento dos movimentos direitistas.

Bandeiras como redução da maioridade penal, revisão da carga tributária e a adoção de leis mais rígidas para crimes hediondos — que possam instituir a pena de morte ou perpétua — ultrapassaram a fronteira ideológica da direita e hoje são defendidas por eleitores que consideravam-se de centro ou centro-esquerda. Surgiram ainda grupos minoritários que reivindicam o retorno da ditadura militar.

 

Além do crescimento dos movimentos de direita no exterior, especialistas apontam a atual fragilidade política do PT, denúncias de corrupção — do mensalão à Operação Lava-Jato — e a condução da economia como razões para a direita despontar.

— Existem duas vertentes para a recuperação da direita. Por um lado, o ambiente mundial favorável e crescente à direita e ao centro-direita em vários países, que atinge principalmente os mais pobres. No caso da Europa, envolve a questão dos imigrantes. Por outro, temos no Brasil um governo mal avaliado — explica a pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da FGV Marly Motta: — Mal avaliado politicamente, economicamente e moralmente, o que é muito grave para um governo de esquerda, onde os eleitores depositaram todas as esperanças de mudanças.

Marly ressalta que, mesmo se reafirmando nas manifestações, não há a garantia de que o ressurgimento da direita ganhará corpo suficiente para se manter forte até as eleições de 2018.

Segundo o professor e pesquisador da UFF Daniel Aarão Reis, grupos da nova direita têm se mostrado mais moderados:

 

— Havia muita dificuldade em se assumir como de direita. Ser chamado assim era encarado como um insulto. Existe hoje uma tendência à direita e ao centro. São “as direitas”: extrema-direita e grupos de direita mais moderados. Eles querem superar o lado pejorativo vinculado à direita.

Liderança de direita, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) diz que seu grupo “abraçou os pedidos de mudança feitos pela sociedade”. E que a direita está representada em nomes distribuídos por vários legendas:

— O último partido de direita foi o PDS. O meu, o PP (envolvido em denúncias de corrupção apuradas pela Operação Lava-Jato), acabou.

Pesquisa do Datafolha divulgada em setembro do ano passado, durante o período eleitoral, já mostrava tendência de crescimento da ideologia de direita. De cada cem brasileiros, sete possuíam tendências de esquerda; 28, de centro-esquerda; 20, de centro; 32, de centro-direita e 13, de direita. Os números foram colhidos a partir de um questionário que mediu a inclinação ideológica. O Datafolha usou como referência os métodos do Pew Research Center em estudos sobre o voto americano.

O GLOBO criou um questionário para identificar a tendência ideológica (ao lado), que pode ser respondido. As perguntas foram baseadas em levantamentos de institutos de pesquisa e entrevistas com cientistas políticos. Por ser uma enquete, não há uma amostragem científica.

RESISTÊNCIA ÀS AÇÕES SOCIAIS

De acordo com o cientista político e pesquisador da UFRJ Paulo Baía, a nova direita brasileira pode ser identificada por duas bandeiras e uma negação:

— Grupos de direita e extrema-direita, muitas vezes, não têm a percepção da desigualdade social. Eles defendem a redução da carga tributária e, em alguns casos, o fim de programas de proteção social. Para muitos, seriam privilégios.

 

Para Paulo Baía, no Brasil não existe atualmente um partido com representação nacional exclusivamente de direita, o mesmo não ocorrendo com legendas menores que buscam registro, entre elas uma sigla que reúne apenas militares:

— O PP e o DEM, por exemplo, apontados como de direita, reúnem os mais diversos políticos, que nem sempre compactuam com as mesmas ideologias.

— No DEM, um partido de direita, nem todos pensam igual. Existem alas mais moderadas. Não podemos generalizar e chamar todos do partido de direita raivosa — acrescenta Reis.