O globo, n. 29850, 29/04/2015. Economia, p. 23

Gasolina no país tem preço justo, diz Bendine

Presidente da Petrobras não descarta abrir capital de subsidiária. Para mercado, BR Distribuidora é a opção

“Do ponto de vista do preço da bomba, é preço justo, preço de mercado” Aldemir Bendine Presidente da Petrobras


-BRASÍLIA E RIO- O presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, disse ontem que o brasileiro paga o preço justo pela gasolina. Em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, afirmou que não prevê aumento do produto, ao menos a curto prazo. Bendine disse que analisará a abertura de capital de alguma subsidiária, dando sinais, segundo a interpretação de analistas, que a escolhida seria a BR Distribuidora. 


— Do ponto de vista do preço da bomba, é preço justo, preço de mercado — disse Bendine.

Ele explicou que o preço para o consumidor está adequado aos custos da companhia, ou seja, leva em consideração, principalmente, a cotação da moeda americana, o preço internacional do petróleo e os custos administrativos. Bendine disse ainda que o custo para o consumidor é similar aos de outros países (com exceção dos Estados Unidos).



Na visão do presidente, o que pode ainda ser feito pela empresa para reduzir os custos ao consumidor seria melhorar a infraestrutura de distribuição.



— O nosso preço é competitivo. Não vejo hoje ineficiência. Talvez temos de investir em distribuição.

VENDA DE ATIVO NÃO RESOLVE CAIXA


Segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a gasolina no país é hoje 0,6% mais cara que no exterior. No óleo diesel, porém, o preço é 12% maior no Brasil. A conta foi feita com base em dados do dia 21. Adriano Pires, do CBIE, destaca que de novembro até agora, a estatal ganhou R$ 7 bilhões com a diferença nos preços de combustíveis. O valor não compensaria as perdas acumuladas no primeiro mandato de Dilma Rousseff de R$ 60 bilhões até novembro do ano passado.

Na avaliação de Fabio Rhein, professor do Ibmec-RJ, a empresa terá que reajustar preços para compensar as perdas registradas no ano passado. Já Haroldo Lima, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), neste momento a empresa está mais focada em selecionar os ativos que colocará à venda.

Para Bendine, a empresa deve ter ganho com a recente queda do dólar. No entanto, ressaltou que a estatal trabalha com uma média de preço do barril a US$ 70 no segundo semestre. Em seguida, disse que não vislumbra aumento do preço da gasolina na bomba.

— Não temos perspectiva pelo menos a curto prazo em relação a isso.


Bendine reafirmou que a estatal tem um plano de desinvestimento de US$ 13,7 bilhões, sem revelar o que fará.

— Não estou dizendo que a gente vai abrir capital da Transpetro ou da BR Distribuidora, mas são fatos que a gente vai analisar, sim — disse Bendine.

Ele destacou que a venda de ativos não resolve o problema do caixa. A relação entre a geração de caixa e o endividamento da estatal está em quase cinco vezes. A ideia é chegar a 2,5 vezes. Bendine, entretanto, frisou que isso não ocorrerá neste ano ou no próximo.

Para analistas, a declaração de Bendine foi o primeiro passo para o anúncio da abertura de capital da BR. Na avaliação de Marcel Caparoz, da RC Consultores, para tornar mais eficiente a logística de distribuição seria necessário fazer um investimento elevado e uma parceria com o setor privado seria bem-vinda:


— Seria muito bom para a BR abrir seu capital. Não só para dividir investimentos, mas para melhorar a gestão. A declaração do presidente da Petrobras parece estar preparando o mercado para isso.

Para Pires, do CBIE, embora a ideia seja positiva, não reduzirá o preço do combustível ao consumidor.

Diante da fragilidade do caixa, Bendine disse que não é hora de entrar em leilões de pré-sal, embora a lei determine que a estatal seja responsável por 30% da exploração, além de ser a operadora dos blocos:

— Se houver um leilão hoje, entra com 30%, além de ser operadora. Se for para cumprir a lei, a gente participa. Vai gerar aumento da dívida. Não seria neste ano muito salutar participar de leilão. Não é viável começar vários projetos ao mesmo tempo.

MUDANÇA NO MODELO DE CONTRATAÇÃO

Bendine defendeu mudanças na forma como a Petrobras faz a contratação de obras e serviços. Afirmou discordar do modelo de contratação por convite, adotado amplamente pela companhia nos últimos anos.

— Não concordo com o modelo de licitação de carta-convite. Acho que gera riscos. Entretanto, a partir do momento que você tem um cadastro de fornecedores capacitados você pode fazer concorrência entre eles — afirmou.

Ele afirmou que o decreto 2.745 de 1998, que permite a contratação com critérios diferentes dos da lei de licitações, trouxe vantagem competitiva para a empresa. Para ele, o problema da corrupção não está no decreto e pode ser enfrentado por políticas de governança e mitigação de riscos.

Sobre corrupção, disse que a baixa contábil de R$ 6,2 bilhões foi conservadora porque considerou comissão de 3% em todos os contratos, levando em conta a média verificada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.

— Provavelmente não foram sobre todos os contratos, mas queríamos deixar de maneira conservadora um valor.

Conselheiros questionam metodologia do balanço

Integrantes independentes dizem que não tiveram tempo para analisar dados


Os três membros independentes do Conselho de Administração da Petrobras criticaram duramente a estatal na última reunião, realizada no dia 22 de abril, quando a empresa apresentou baixas contábeis de R$ 50,8 bilhões em seus ativos, dos quais R$ 6,2 bilhões relativos à Operação Lava-Jato. No encontro, estes conselheiros, que não aprovaram o resultado de 2014 — quando a estatal registrou prejuízo de R$ 21,6 bilhões — questionaram a metodologia aplicada pela companhia para contabilizar perdas.


A informação consta da “Certidão de Reunião do Conselho de Administração”, enviado pela própria Petrobras à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado. No texto, eles reclamam que, apesar de terem feito pedidos à estatal, a Petrobras não apresentou documentos antes da reunião.


José Monforte, representante dos acionistas minoritários donos de ações preferenciais (sem direito a voto) disse que não houve tempo para analisar os resultados previamente. Segundo ele, uma reunião marcada para as 8h da manhã do mesmo dia em que o conselho se reuniu para analisar os dados foi cancelada:


“Isso fez com que os extensos materiais fossem disponibilizados durante a reunião do Conselho de Administração, inviabilizando sua análise dentro do prazo de tempo oferecido. Com a ausência do mínimo de tempo tornou-se impossível concluir a diligência de revisão das Demonstrações Financeiras”.


Monforte disse que solicitou várias informações e documentos ao longo das semanas anteriores. Ele lembrou que vários pedidos não foram atendidos. Ele também levantou dúvidas quanto à metodologia.


319 PÁGINAS E POWERPOINT


Além disso, Monforte considerou o percentual de 3% usado no cálculo do custo de corrupção “inadequado”.


Mauro Cunha, representante dos acionistas minoritários donos de ações ordinárias (com direito a voto), também criticou o fato de não ter tido tempo para analisar os documentos. No documento, Cunha diz que “nem mesmo o parco prazo de duas horas concedido nas análises trimestrais recentes se verificou”. Ele diz que recebeu “às 11h40 cerca de 319 páginas de documentos, que foram aprovadas mediante apresentações de Powerpoint”. A reunião havia começado às 11h. E concluiu: “Não considero tal prática compatível com a responsabilidade dos conselheiros da Petrobras”.


Cunha cita uma série de documentos que não foram enviados pela Petrobras aos conselheiros, como os que foram submetidos àComissão de Valores Mobiliários dos EUA ( SEC), além da interação com os órgãos reguladores sobre a metodologia contábil.


Cunha lembrou que, diante das diferenças entre os custos dos projetos da Rnest (Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco) e Comperj (no Rio) e os valores de referência usados no mercado internacional, ficou claro que havia algo errado com os parâmetros usados pela empresa para definir as baixas contábeis. Segundo Cunha, as baixas se concentraram no adiamento dos projetos e não na “superavaliação generalizada dos ativos, que já existia desde 2013”.


Em relação às baixas de corrupção, Cunha diz que a baixa foi “inoportuna”. O conselheiro lembrou que, ao pedir os documentos enviados à Securities and Exchange Commission (SEC, órgão regulador do mercado americano), a Petrobras alegou “confidencialidade”. Cunha protestou.


OS TRÊS SAEM DO CONSELHO HOJE


Silvio Sinedino, que representa os funcionários, também questionou a metodologia. “Definiu-se baixar um percentual por corrupção nos projetos identificados como corrompidos, usar o conceito de UGC (Unidade Geradora de Caixa) para as unidades em operação, e o valor justo para as obras em andamento e as paralisadas”. Os conselheiros não concordaram com o pagamento de participação nos lucros aos funcionários, de quase R$1 bilhão.


Petrobras e conselheiros não quiseram comentar. Está marcada para hoje assembleia para aprovar a nova composição do conselho. Nenhum dos três vai permanecer, já que Cunha e Monforte não se candidataram à reeleição. Os funcionários da Petrobras optaram por Deyvid Bacelar no lugar de Sinedino.

 

Petroleira diz à justiça em NY que foi ‘vítima de cartel

Segundo a estatal, apenas os quatro diretores afastados sabiam do esquema de corrupção

-NOVA YORK- Em documento de 76 páginas entregue à Corte do Distrito Sul de Nova York, a Petrobras contestou investidores que movem ação coletiva contra a estatal alegando perdas com escândalos de corrupção. O texto afirma que a empresa “nunca pagou propina” e foi vítima de um “cartel criminoso” envolvendo construtoras e empresas de engenharia. E pede que a Justiça considere as acusações improcedentes.


A defesa argumenta que o juiz Sérgio Moro, que arbitra o caso no Brasil, já reconheceu que a Petrobras foi “vítima de ações ilegais”, e que as investigações no país não são voltadas para a empresa. “As investigações brasileiras têm demonstrado que a Petrobras foi uma vítima das atividades desse cartel”, diz o documento elaborado pelo escritório Cleary Gottlieb Steen & Hamilton, que representa a petrolífera nos EUA. Segundo o registro, excetuando-se quatro diretores afastados — Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco, Renato de Souza Duque e Nestor Cerveró —, o comando da empresa não sabia do esquema.

Derivada de cinco processos abertos por investidores, a ação coletiva foi consolidada pelo escritório Pomerantz — eleito líder do litígio pelo juiz Jed Rakoff. Segundo os reclamantes, a Petrobras ocultou o esquema de corrupção, causando prejuízos aos donos de títulos com a queda das ações após a Operação Lava-Jato.

A estatal diz que citou efeitos do escândalo em comunicados e num documento em novembro em que admitia passar por “um momento único em sua história” em razão das investigações. “As demonstrações financeiras não eram materialmente falsas ou enganosas”, diz o texto.