Casa própria longe do bolso

 

Caixa exigirá entrada de 60% para financiar imóveis com valor acima de r$ 750 mil

Geralda Doca, Clarice Spitz

e Marcello Corrêa

economia@oglobo.com.br

Aperto no crédito

BRASÍLIA e RIO

Menos de um mês após elevar os juros e aumentar as exigências do financiamento da casa própria, a Caixa Econômica Federal voltou a apertar as condições do crédito imobiliário. Desta vez, a medida vai atingir os contratos de financiamento de imóveis usados e exigir da maioria dos compradores uma entrada de pelo menos metade do valor do imóvel. Para a classe média, o aperto será ainda maior. A compra pelo Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) - para imóveis avaliados em mais de R$ 750 mil - exigirá que o mutuário pague, à vista, 60% do valor. Antes, a Caixa exigia uma entrada de apenas 30%. E as compras pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), para imóveis de até R$ 750 mil, precisarão de uma entrada de 50% do valor. Antes, a exigência era de apenas 20%. As mudanças valerão para os contratos que seguem o Sistema de Amortização Constante (SAC), em que a prestação vai caindo ao longo do tempo.

A Caixa é responsável por 70% dos empréstimos para casa própria do país. Em 13 de abril, além de elevar a taxa de juros para imóveis novos e usados em 0,3 ponto percentual, a Caixa já tinha aumentado a exigência de entrada nas operações do SFH, de 10% para 20% para os contratos que utilizam o SAC, e de 30% para 50%, nos casos onde se aplica a tabela Price (prestações fixas), tanto para imóveis novos quanto usados. Em janeiro, o banco elevou os juros do crédito imobiliário de forma geral.

Menos recursos na poupança

Para o vice-presidente do Secovi-SP, Flávio Prando, a redução da cota do financiamento habitacional vai afetar as famílias de classe média, principalmente as que procuram a Caixa para financiar um imóvel entre R$ 200 mil e R$ 500 mil. Num financiamento de R$ 500 mil, por exemplo, antes a Caixa financiava R$ 400 mil e o interessado, os R$ 100 mil restantes. Agora, o banco só vai emprestar R$ 250 mil.

- Esses 30% a mais que as pessoas terão que dar como entrada, seja utilizando recursos próprios ou do FGTS, são significativos e podem tirar a possibilidade de aquisição da casa própria de muita gente - Prando.

Segundo ele, as medidas anunciadas pelo Caixa ocorrem em um momento inadequado para o mercado imobiliário, que, desde o ano passado, registra queda nos lançamentos de imóveis novos e usados. Ele destacou que o segmento de usados é importante porque ajuda a movimentar todo o setor. As pessoas costumam vender um imóvel usado para quitar outro novo, comprado ainda na planta, explicou.

O vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Miguel de Oliveira, destacou que o impacto para as famílias de maior renda será ainda maior:

- A maior parte do financiamento passa a ser do consumidor e isso exigirá uma economia maior para entrada.

Para comprar de apartamento de dois quartos, na Tijuca, avaliado em R$ 700 mil, a entrada passa de R$140mil para R$ 350 mil, por exemplo. Simulações feitas por Oliveira mostram que, para economizar esse dinheiro numa caderneta de poupança, seria preciso depositar R$ 8.739,02 por mês durante três anos. Pelas regras antigas, o comprador precisaria poupar mensalmente R$ 3.495,61. Se o prazo fosse maior, de cinco anos, seria preciso poupar R$ 4.863,49 por mês para dar a entrada. Pelas regras antigas, essa economia mensal era de R$ 1.945,40.

Se o objetivo for adquirir um apartamento de dois quartos em Botafogo, com valor de R$ 1 milhão, o esforço será ainda maior, porque o empréstimo terá que ser feito pelo SFI. Nessa modalidade, a Caixa agora só entra com 40% ou R$ 400 mil. Para juntar os outros R$ 600 mil, em três anos seria preciso poupar mensalmente R$ 14.981,17. Num prazo de cinco anos, esse valor passa de R$ 4.168,71 nas regras antigas para R$ 8.337,42.

Em nota, a Caixa justifica que o foco da instituição em 2015 será os imóveis novos, principalmente o programa Minha casa Minha Vida (valor até R$ 190 mil). Não haverá mudanças nos financiamentos com recursos do FGTS. "A Caixa informa que estas operações de habitação popular não tiveram nenhuma alteração", diz o texto.

Segundo especialistas, a tendência é que os bancos privados sigam o movimento das instituições públicas, principalmente em um momento em que a poupança perde recursos. A caderneta é a principal fonte de recursos usada pelos bancos para o financiamento imobiliário. No primeiro trimestre do ano, os saques superaram os depósitos na poupança em R$ 23 bilhões.

Procurados, os principais bancos privados não acenaram com mudanças imediatas como a promovida pela Caixa. O Santander informou que "o limite de financiamento continua sendo de 80% tanto para o SFH quanto para o SFI". No Bradesco, a informação é de a entrada exigida também continua em 20%. O Itaú-Unibanco, através de nota, informou que não comentaria o assunto porque está às vésperas de divulgar seu balanço. A assessoria do Banco do Brasil informou que a instituição também reajustou "mais de uma vez" a taxa de juros dos financiamentos habitacionais, mas que manteve as exigências de entrada.

 

Analistas veem freio nas vendas e redução de preços

 

RIO e BRASÍLIA - A mudança nas regras do financiamento imobiliário deve tornar o sonho da casa própria mais distante e esfriar o setor, que já se ressente da desaceleração da economia desde 2014. A avaliação é de especialistas e consultores financeiros, que destacam que a combinação de juros mais altos e exigência maior de entrada deve afastar possíveis compradores, obrigando proprietários a baixar preços.

Segundo o vice-presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Ariovaldo Rocha, as medidas vão desaquecer ainda mais o mercado imobiliário e a economia como um todo terá uma retração ainda maior.

— A única estratégia que poderia ser feita é redução de preço. A captação da poupança tem sido negativa, não tem recurso. Os limites de financiamento estão diminuindo, as linhas de crédito estão cada vez mais difíceis — avalia.

Ele destaca que as medidas travam um mercado que já estava difícil.

— O impacto deve ser ainda pior sobre a economia com um todo, com uma contração ainda maior que o 1,1% esperado (no PIB) — afirma ainda.

Rocha considera que os clientes deverão migrar para agentes privados, que não alteraram suas taxas. A tendência, no entanto, é que outras instituições sigam o mesmo caminho. Miguel Ribeiro de Oliveira, da Anefac, também prevê uma migração dos clientes para setor privado, mas espera que esse bancos também aumentem exigências.

— A Caixa está sendo chamada a financiar a Petrobras e tem enfrentado uma queda da captação da poupança - diz.

Para Gilberto Braga, professor do Ibmec/RJ e especialista em finanças pessoais, a mudança na regra vai deixar o sonho da casa própria mais distante:

— Do ponto de vista do comprador é uma dificuldade quase absurda. Historicamente, a média de exigências de valores de entrada, pra classe média, nunca ultrapassou 35%. Uma modalidade que pode voltar a ter apelo é o consórcio imobiliário.

A planejadora financeira Letícia Camargo, do Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) diz que a poupança inicial será até mesmo maior que as parcelas do financiamento.

— Às vezes, você ganha uma herança, vende um terreno, enfim tem algum dinheiro a mais e diminui um pouco o tempo que você vai demorar para comprar seu imóvel.