A guerra fiscal continua

 

Os defensores da guerra fiscal venceram mais uma batalha, com a aprovação, no Senado, do projeto de convalidação de incentivos fiscais e - mais grave - de alteração de regras para a criação de benefícios destinados à atração de empresas. Legalizou-se uma gravíssima distorção, em nome do direito ao desenvolvimento e da correção das desigualdades entre Estados e entre regiões. A convalidação seria muito mais defensável como parte de um plano de reforma do sistema tributário ou, no mínimo, de uma ampla revisão das normas do principal tributo estadual, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Implantado em 1967, o imposto estadual sobre o valor agregado, uma cópia defeituosa de um bom modelo europeu, foi mantido pela Constituição de 1988, com a inclusão de serviços em sua base de incidência. Projetos de mudança vêm sendo discutidos há cerca de um quarto de século, mas nunca foram tratados com suficiente empenho.

Uma boa reforma deveria tornar esse tributo mais funcional para uma economia mais aberta, mais integrada ao mercado global e muito mais exposta à competição estrangeira. O ICMS ainda onera a produção e a importação. Encarece produtos do agronegócio destinados à exportação, incide nos investimentos produtivos e seu sistema de liquidação de créditos é muito moroso e ineficiente. Além disso, pesa muito sobre insumos importantíssimos, como a energia elétrica. Uma reforma já seria uma tarefa complicada, se os problemas fossem apenas dessa ordem. Mas o assunto se torna bem mais complexo com as distorções criadas pela guerra fiscal.

Ao dar prioridade à convalidação dos incentivos, a maioria dos senadores deixou para trás, como tema secundário ou desimportante, a reforma do sistema de tributação estadual. As propostas de reforma continuarão no limbo das belas ideias abstratas, por tempo indefinido, se o projeto aprovado na terça-feira no Senado passar também pela Câmara. A aprovação é provável, se também os deputados derem atenção apenas a conveniências limitadas de seus Estados ou regiões. Limitadas porque a guerra fiscal pode servir para atrair alguns investimentos, mas de nenhum modo substitui uma política mais ambiciosa de inserção internacional e competitividade.

Pelas normas em vigor e repetidamente violadas, Estados, assim como o Distrito Federal (DF), só podem conceder isenções do ICMS com a aprovação de todos os membros do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Secretários de Fazenda dos 26 Estados e do DF. O projeto aprovado pelos senadores altera essa regra e substitui a exigência de unanimidade por um critério de maioria. Isso virtualmente liquida o Confaz como foro de negociação. As decisões passarão a depender de interesses regionais ou da coincidência de objetivos de alguns Estados de diferentes regiões. O critério de maioria servirá para a convalidação dos incentivos concedidos antes da vigência da nova lei e até para a instituição de novos benefícios.

A convalidação dos velhos incentivos seria inevitável, mesmo numa reforma ampla e ambiciosa. A mesma decisão livraria as empresas beneficiadas de qualquer débito relativo a esses benefícios. Não haveria como anular os efeitos do enorme conjunto de ilegalidades montado em várias décadas.

Mas o trabalho só seria completo com a imposição da ordem e do estrito respeito a regras bem definidas a partir de uma data fixada em lei. Seria preciso recomeçar a história e, tanto quanto possível, ajustar o ICMS às ambições de desenvolvimento da economia brasileira. Isso envolveria a uniformização de alíquotas entre Estados e a adoção de novo sistema de cobrança nas operações interestaduais. Um trabalho completo incluiria a desoneração dos investimentos, das operações produtivas e de todas as exportações.

Em condições normais, a liderança desse amplo trabalho deveria ser de um governo central capaz de propor uma nova e eficiente política de modernização e de desenvolvimento - em nada parecida, portanto, com as políticas industrial e comercial do período petista.