Valor econômico, v. 15, n. 3735, 14/04/2015. Opinião, p. A12

Cúpula das América cria um promissor clima de distensão

 

A sétima Cúpula das Américas, pela primeira vez, terminou com a promessa de novos tempos, com mais possibilidades abertas para o futuro do que pelo passado das críticas ao veterano imperialismo da potência dominante na região, os Estados Unidos. A retomada de relações entre EUA e Cuba, após mais de 50 anos de animosidades e um feroz bloqueio econômico, trouxe um arejamento crucial para as relações entre os países no continente que não chegou a ser contaminado pela subsistência de velhos antagonismos, como os apresentados na retórica inflamada de governos "bolivarianos" do Equador, Venezuela e Bolívia.

Livre da obrigação de concorrer a novo posto eletivo e sem muita liberdade de movimento no plano doméstico - as duas Casas do Congresso estão nas mãos dos rivais republicanos-, Barack Obama deu forma e dinamismo à política externa. No Oriente Médio, obteve histórico acordo nuclear com o Irã, embora arestas importantes do compromisso ainda devam ser aparadas. Na América Latina, o esforço se dirigiu a encerrar o anacrônico embargo econômico a Cuba, em um momento em que o governo de Raul Castro enfrenta novas dificuldades e acena com algumas reformas em sua ossificada ditadura.

A estreia de Cuba na Cúpula foi marcada pelo encontro histórico de mais de uma hora entre Raúl Castro e Obama, e pelo discurso de 49 minutos do líder cubano, no qual mesclou a defesa das conquistas de sua revolução com um ataque às conhecidas intervenções americanas na região. O tom mais importante foi expresso quando, por exemplo, Raúl disse de sua "disposição ao diálogo respeitoso e à convivência civilizada entre ambos os Estados, dentro de nossas profundas divergências". Exatamente pelas divergências, Raúl pediu paciência quanto à evolução do novo entendimento entre as duas nações, em um recado aos EUA e ao público doméstico.

Barack Obama, por seu lado, não se furtou a defender as liberdades e os direitos humanos, claramente ausentes na ilha de Cuba, mas se comprometeu a olhar para frente e deixar no passado a herança da "guerra fria". Os EUA não retiraram, porém, o status de país que promove o terrorismo de Cuba, mas deve fazê-lo em breve, até mesmo para ser fiel à realidade dos fatos contemporâneos. Isolada, e com prestígio declinante, a ditadura cubana não patrocina mais aventuras armadas.

A distensão com Cuba não mudou a clivagem no continente entre os que têm laços comerciais e políticos mais intensos com os EUA e os que mantêm equidistância, cautelosa ou belicosa com os americanos. Parte da animosidade foi estimulada pouco antes da Cúpula, após a esdrúxula inclusão da Venezuela entre os países que ameaçavam a segurança dos EUA, um erro diplomático crasso. O governo venezuelano, que vetou a possibilidade de um comunicado final da Cúpula, obteve com isso tudo que precisava para denunciar a atitude imperial da qual os EUA não abrem mão em suas relações com a América Latina e seu suposto interesse em derrubar Maduro.

A aproximação dos EUA com Cuba deixou os bolivarianos, como Maduro, Rafael Correa, do Equador e Evo Morales, presidente da Bolívia, um pouco mais histéricos do que de costume. Às voltas com uma profunda crise econômica e política, Maduro perdeu as condições de nutrir Cuba com petróleo barato e deixou de contar com um dos nortes ideológicos firmes na bússola do chavismo, representado por Cuba, agora aproximando-se de seu grande rival. Aos poucos, Maduro está perdendo até o apoio de sócios do Mercosul.

Após anos de complacência com as ações autoritárias dos chavistas, o Brasil começou a subir o tom no tratamento da questão democrática. A presidente Dilma foi inusualmente clara, no decorrer da reunião, ao declarar que é contrária à prisão de rivais políticos, como Maduro tem sistematicamente feito com a oposição em seu país.

O diálogo entre a presidente Dilma e Obama se beneficiou da atmosfera de relaxamento das tensões que permeou a Cúpula. Obama esclareceu que o episódio de espionagem a Dilma não se repetirá. A presidente parece ter arquivado a questão e finalmente agendou uma reunião de trabalho com os EUA, o primeiro passo para uma retomada séria de relações bilaterais, antes impedida seja pelo descaso americano para com a região, seja por preconceitos ideológicos do governo brasileiro. É um novo ponto de partida básico para discussões profícuas e mutuamente benéficas.