Valor econômico, v. 15, n. 3735, 14/04/2015. Política, p. A9

Para FHC, partidos devem ficar distantes dos protestos

 

Por Cristiane Agostine | De São Paulo

 

Zanone Fraissat/Folhapress - 10/4/2015FHC: tucano definiu como "natural" tensão entre as ruas e os partidos

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu ontem o distanciamento dos partidos políticos das manifestações. Para Fernando Henrique, se as legendas aderissem aos protestos seria uma tentativa de instrumentalização. O ex-presidente afirmou ainda que a tensão entre as ruas e os partidos políticos é natural. A posição do tucano, que é presidente de honra da sigla, mostra divergências internas do PSDB sobre o tema. O presidente do PSDB de Minas, deputado federal Marcus Pestana, é a favor de se estabelecer diálogo com os manifestantes. O tema foi discutido durante um seminário promovido pelo ex-presidente para debater a reforma política.

"Se os partidos fossem para a rua acho que seria mais grave, porque seria instrumentalizar aquilo que não é instrumentalizável", disse Fernando Henrique, depois de participar do debate sobre reforma política no instituto que leva seu nome, em São Paulo, com oposicionistas e governistas.

"O movimento tem sua dinâmica própria, não foi convocado pelos partidos. Os partidos têm uma responsabilidade constitucional. É natural que os movimentos exijam mais. Isso os líderes políticos têm que mensurar, ver o que é possível fazer e o que não em cada momento, de modo que essa quase permanente tensão entre rua e a instituição é normal, tem que existir", afirmou o ex-presidente.

No domingo, o presidente nacional do PSDB, Aécio Neves (MG), mais uma vez incentivou por mensagens e entrevistas os protestos, mas não tomou parte deles. Marcus Pestana, disse que Aécio tenta mapear se sua participação nos atos contra o governo é bem-vinda e vai convidar líderes dos protestos para dialogar.

"Esses movimentos atuais têm várias fontes de coordenação e algumas delas falam que não querem políticos, não querem partidos políticos. Como é que vai tomar café na casa de alguém que não te convidou? O passo que temos que dar agora, as oposições, é um diálogo com esses movimentos para clarear isso. Nos querem lá?", afirmou Pestana.

O dirigente participou das manifestações em Belo Horizonte e disse que Aécio "pensou realmente em ir às ruas" também. No entanto, o senador recuou. "O receio do Aécio é sempre essa coisa de não dar o ar do terceiro turno, de contaminar. É um gesto de respeito", afirmou Pestana.

Tucano próximo ao presidente nacional do PSDB, Pestana sinalizou, no entanto, que Aécio poderá participar de futuros protestos contra Dilma: "Na Venezuela a oposição ia para as ruas, mas eram eles que as convocavam. Agora precisamos perguntar: querem que a gente vá? Porque alguns políticos foram vaiados."

O tucano classificou o senador como "estuário da insatisfação" e do "sentimento oposicionista" e disse que Aécio "está mais forte do que nunca". "Cada bobagem que a Dilma faz cai no colo dele por gravidade."

Pestana afirmou que há um ambiente propício ao impeachment da presidente, mas disse que ainda faltam elementos jurídicos e políticos, como o apoio do PMDB, à saída da presidente do cargo. "Quem vai dar o tom e o ritmo é a Operação Lava-Jato e a CPI da Petrobras. Se descobrirmos coisas densas, substantivas, inequívocas de ligação da presidente Dilma seja como usuária ou organizadora do sistema de corrupção aí sim pode se instalar [o impeachment]... É a famosa Elba do Collor que ainda não tem", disse Pestana a jornalistas, depois de participar do seminário. Em 1992, uma Fiat Elba comprada por Fernando Collor e paga pelo ex-tesoureiro de campanha Paulo César Farias foi a prova material que mostrava que o presidente era financiado pelo empresário.

Um dos governistas presentes no seminário sobre reforma política promovido por Fernando Henrique, o ex-governador fluminense Moreira Franco (PMDB), ligado ao vice-presidente Michel Temer, afirmou que a presidente deve analisar de forma política os protestos que levaram ontem milhares de pessoas às ruas e ressaltou que há um forte sentimento de insatisfação contra Dilma.

"A comparação entre o de ontem [domingo] e o anterior não é simplesmente uma comparação aritmética. É muita gente que está na rua, insatisfeita e nós estamos em um ambiente econômico extremamente tenso, num ambiente político ruim", afirmou Moreira Franco.

Presidente da Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB, e ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos durante o primeiro mandato de Dilma, Moreira Franco disse que a indicação de Temer para liderar as articulações políticas do governo deve "desanuviar" a crise política e "criar um ambiente favorável", marcada sobretudo pelo embate entre PT e PMDB, que comanda a Câmara e o Senado.

 

Repúdio ao distritão une PT e PSDB

 

Por Cristiane Agostine | De São Paulo

Um seminário sobre reforma política, organizado pelo instituto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso mostrou ontem PT e PSDB unidos contra propostas do PMDB para mudar o sistema político e eleitoral do país. Em sintonia, petistas e tucanos tentam impedir a aprovação do "distritão" e de alterações no financiamento privado de campanha, duas das principais bandeiras de pemedebistas para o projeto que está em discussão no Congresso.

No encontro, realizado um dia depois das manifestações de rua contra a corrupção e em favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff, o ex-governador fluminense Moreira Franco indicou as apostas do partido para tentar atender às demandas das ruas. Ao falar sobre o distritão, disse que no atual sistema os eleitores não se lembram em quem votaram depois do pleito e que a medida ajudaria na aproximação com os eleitos. "Pode ser um passo", disse. "Há uma possibilidade muito grande de o distritão ser o sistema para que as mudanças se façam", afirmou o pemedebista, que é presidente da Fundação Ulysses Guimarães, órgão de formação e formulação política do PMDB.

O modelo prevê que sejam eleitos os parlamentares que obtiverem as maiores votações em cada distrito ou Estado, o que acabaria com as votações proporcionais para deputado. No atual modelo, o total de votos de cada partido ou coligação é que determina a distribuição de vagas. Dessa forma, um candidato com menos votos do que outro pode assumir a vaga.

Na defesa da limitação da doação de uma empresa a um único partido político, Moreira Franco foi enfático. De acordo com a proposta do PMDB, a companhia que decidir contribuir com a campanha de um postulante não poderá destinar recursos a outras candidaturas, como é comum nas eleições, e a doação terá de ser feita aos partidos, que repassarão os recursos ao candidato. "É preciso transparência. É melhor doar assim do que pelo caixa dois", disse, defendendo um teto para as doações tanto de pessoa física quanto jurídica.

O deputado federal Henrique Fontana (PT-RS), que já coordenou as discussões sobre reforma política em uma comissão na Câmara, criticou as propostas. O petista afirmou que tentará impedir a aprovação do distritão na Câmara e afirmou que o modelo fortalecerá o personalismo na votação. No lugar de 513 deputados federais serão "513 partidos", disse. "É preciso preservar o sistema proporcional."

Sobre financiamento de campanha, o petista atacou a proposta de uma empresa "adotar" um partido e disse que dessa forma as companhias teriam força para decidir uma eleição. "Seria dar um poder absurdo às empresas em um governo". Fontana reclamou dos altos custos e repetiu algumas vezes que o caixa dois é prática recorrente. O deputado defendeu a criação de um teto para os gastos, para baratear os custos da campanha.

Anfitrião do seminário, Fernando Henrique ficou na plateia. Representando o PSDB, o presidente do diretório de Minas Gerais, deputado Marcus Pestana, repetiu as críticas feitas por Fontana: "Serão eleitas 513 pessoas físicas. Isso não fortalece o sistema partidário nem barateia a campanha", disse. "Vai ser uma coisa selvagem. As campanhas ficarão 'n' vezes mais caras". O tucano defendeu o financiamento privado e disse que no Brasil não há uma cultura de financiamento de campanha pelas doações de eleitores.

O cientista político Jairo Nicolau afirmou que o modelo de distritão só é usado no Afeganistão e na Jordânia e que ajudaria os deputados eleitos. "A maioria que está lá se reelegeria", disse. "O modelo me preocupa, porque o sistema proporcional levou à inclusão e foi muito importante na nossa história. Vejo um perigo na adoção do distritão", disse. Jairo Nicolau afirmou que esse sistema não combateria problemas como a hiperfragmentação partidária no congresso nem o que chamou de hiperpersonalismo, que valoriza mais a figura do candidato do que de seu partido ou a agenda política que representa. Partidos pequenos poderiam perder a representatividade, disse.

Para Paulino, Dilma já chegou ao 'fundo do poço'

 

Por Cristian Klein | Do Rio

A queda na quantidade de pessoas que foram às ruas, no domingo, protestar contra a corrupção e pelo impeachment de Dilma Rousseff demonstra que a presidente já teria chegado ao "fundo do poço" durante as mobilizações do mês passado, mas os números ainda indicam um cenário sombrio para os petistas permanecerem no poder. É o que afirma o diretor do Datafolha, Mauro Paulino, para quem Dilma, "ao que parece, não afunda mais", embora algumas ameaças, como o aumento do desemprego, possam disparar o "gatilho" e reavivar um sentimento maior de revolta na população.

Foi isso, diz Paulino, que faltou às manifestações de domingo em relação às de 15 de março. Em sua opinião, houve a ausência de um fator mobilizador, como foi o pronunciamento de Dilma em cadeia de rádio e TV, no Dia Internacional da Mulher, 8 de março. Nessa ocasião, a fala da presidente foi rechaçada por uma série de panelaços em capitais brasileiras, o que animou o grande protesto no domingo seguinte, quando, pelas estimativas da Polícia Militar, 1,7 milhão de pessoas - convocadas por grupos em redes sociais da internet - saíram às ruas. Desta vez, o número caiu para menos de um terço, cerca de 550 mil pessoas no total, de acordo com a PM, e pela metade na capital paulista. Segundo o Datafolha, os manifestantes passaram de 210 mil para 100 mil.

Mauro Paulino compara as imagens dos panelaços, transmitidas pelas emissoras de TV em março, com as da ação da PM batendo em jovens de classe média, em São Paulo, e que desencadearam a onda de manifestações de junho de 2013. O diretor do Datafolha cita ainda o movimento das Diretas-Já, em 1984, que "começou com pouquíssima gente, chamada pelo PT", em frente ao estádio do Pacaembu, mas que se avolumou quando outros partidos políticos se juntaram e houve engajamento da mídia.

No impeachment do ex-presidente Fernando Collor, veículos de comunicação e partidos também estavam presentes. Mas agora, contra Dilma, os partidos não são os protagonistas. "Os partidos foram alijados. A opinião pública não os considera seus representantes. Hoje, mais de 70% da população não tem preferência partidária, o que é um recorde", diz Paulino. Reflexo disso é a resistência do candidato derrotado à Presidência, o senador mineiro Aécio Neves (PSDB), de liderar os protestos, com receio de ser hostilizado.

Apesar da diminuição da intensidade das manifestações, afirma o diretor do Datafolha, "mais significativo do que a voz das ruas é a voz da opinião pública", de toda a população. Pesquisa do instituto indica que 75% dos brasileiros apoiam os protestos. "Isso acaba legitimando o movimento, que é essencialmente de classe média,diz.

Para levar mais gente às ruas, no entanto, é preciso de algo que desperte a revolta, ressalta Paulino. O aumento do desemprego pode mudar o cenário, mas o mercado de trabalho ainda é o que sustenta o apoio ao governo federal.

Por enquanto, afirma o pesquisador, a iniciativa de ir para a rua é mais emocional do que racional. Prova disso é "a forte dose de desinformação" entre os manifestantes: apenas 12% dos que defendem a abertura de um processo de impeachment sabem que o substituto de Dilma seria o vice-presidente da República e que ele é Michel Temer (PMDB). "É mais um sentimento de raiva", diz Paulino, que associa os manifestantes a dois grupos principais, os "refratários", que não votaram em Dilma, não se conformam com a derrota e avaliam mal o governo, e os "frustrados", que votaram nela e se arrependeram, pela quebra de promessas de campanha.

No domingo, na avenida Paulista, 94% dos manifestantes eram de refratários. Por outro lado, a maioria, 33%, protestava contra a corrupção, enquanto 13% se diziam motivados pelo impeachment.

A má notícia para o PT, acrescenta o diretor, é que a principal esperança para a eleição de 2018 está perdendo força. "Dessa vez Lula não saiu incólume", diz. Em simulação da disputa, o ex-presidente tem 29% contra 33% de Aécio. E numa pergunta feita periodicamente pelo Datafolha, cada vez menos brasileiros o consideram o melhor presidente da história. "Essa taxa já chegou a mais de 70%, em 2010, e vem caindo. Agora está em 50%", diz.