Governo coloca em prática estratégia para tentar abafar tese do impeachment
Vera Rosa
O governo decidiu adotar nova estratégia para enfrentar o agravamento da crise política. Surpresa com o movimento da oposição para revestir de legalidade a tese do impeachment, a presidente Dilma Rousseff traçou um roteiro de emergência para tirar o governo das cordas. Além de forte ofensiva de marketing, com campanhas na TV para mostrar que o governo não está parado, a reação prevê a "pronta resposta", em contraste com o silêncio dos primeiros meses do segundo mandato, e uma distância regulamentar do PT.
Dilma reuniu ministros no Palácio da Alvorada, na sexta-feira, e deu a senha para o contra-ataque. Na avaliação do governo, é preciso demonstrar a "total falta de amparo jurídico" no discurso do impeachment e, ao mesmo tempo, criar uma espécie de "cordão sanitário" em torno do Planalto, para proteger a presidente dos sucessivos escândalos de corrupção.
A presidente Dilma Rousseff (PT)
A preocupação dos conselheiros de Dilma é com as suspeitas, alimentadas pela Operação Lava Jato, de que o dinheiro arrecadado pelo então tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, tenha chegado de alguma forma ao comitê da reeleição. Vaccari foi preso pela Polícia Federal e obrigado a se afastar do cargo.
"Todo o processo de arrecadação financeira foi coordenado por mim e se deu dentro da legalidade", insistiu o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, que foi tesoureiro da campanha de Dilma, em 2014. "Não houve nada informal."
Na última semana, o senador Aécio Neves (MG), presidente do PSDB, elevou o tom contra Dilma, aproveitando a prisão de Vaccari, acusado de desviar recursos da Petrobrás para abastecer o caixa do partido. Depois veio a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que considerou irregulares as manobras fiscais feitas pelo governo, de 2013 a 2014. Foi outro prato cheio para a oposição, que tenta colar em Dilma o carimbo do "crime de responsabilidade".
"O candidato derrotado na eleição presidencial está adotando um revanchismo despropositado", disse ao Estado o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, numa referência a Aécio. "Falar em impeachment é mais uma tentativa de manter viva uma chama que não existe, porque não tem vela", ironizou o titular da Advocacia Geral da União, Luís Inácio Adams. Questionado sobre ações jurídicas para barrar pedidos com esse teor, Adams respondeu: "Não luto contra fantasmas".
Propaganda. Para reagir à crise, o governo vai inaugurar, a partir de maio, a temporada de propagandas no rádio, na TV e na internet. Uma delas, com o mote "Ajustar para Avançar", explicará as medidas do ajuste fiscal. Outra campanha, intitulada "Dialoga, Brasil", incentivará a população a escolher as prioridades do governo no Plano Plurianual (PPA). Além disso, o Planalto lançará uma ofensiva regional para divulgar programas sociais bem avaliados, como Minha Casa, Minha Vida. "Queremos que a informação sobre nossas ações chegue sem ruídos, para que todos saibam onde o dinheiro dos impostos está sendo gasto", disse Edinho Silva.
Em outra frente, o Planalto iniciará a distribuição dos cargos de segundo escalão aos aliados. Estão na lista cadeiras em estatais e agências reguladoras, como a Anvisa. A articulação política com o Congresso é coordenada pelo vice Michel Temer e será reforçada pelo novo ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
"Estou pronto para entrar em campo com chuteira, camisa e calção", brincou Alves, que é amigo do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A nomeação de Alves, que também comandou a Câmara, foi feita para agradar a Cunha, um desafeto do governo, mas acabou descontentando o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Motivo: Vinícius Lages, afilhado de Renan, foi desalojado do Turismo. Na operação para apaziguar os ânimos no PMDB, Dilma jantou com Cunha na quinta-feira, no Alvorada. O diagnóstico do Planalto é que sua base de sustentação no Congresso está "instável" e propensa a traições. A força-tarefa para debelar a crise inclui o corpo a corpo no Senado, por onde passará a indicação do novo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fachin.
Mercadante perde terreno e fica fora da equipe anticrise
Apesar de estar próximo da presidente Dilma Rousseff, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, tem perdido força dentro do núcleo decisório do poder e não está na linha de frente da tentativa do governo de recuperar terreno em meio à crise.
Logo depois de chegar à Casa Civil, em fevereiro de 2014, Mercadante conquistou ares de superministro. Mas, nestes primeiros quatro meses do segundo mandato de Dilma, foi obrigado a compartilhar poder.
Atuação de Mercadante tem sido questionada
A antipatia do PMDB em relação a Mercadante também aumentou depois de ele ter atuado nos bastidores contra a eleição tanto de Renan Calheiros (AL) para a presidência do Senado quanto de Eduardo Cunha (RJ) para a da Câmara.
Com o agravamento da crise, Lula, nome natural do PT para 2018, acabou por convencer Dilma a afastar o ministro da articulação política e entregar essa função exclusivamente ao vice-presidente Michel Temer. O ex-presidente chegou a sugerir que a presidente tirasse Mercadante da Casa Civil e o substituísse pelo ministro da Defesa, Jaques Wagner, mas Dilma não quis abrir mão daquele que tem sido um dos seus mais fiéis aliados.
Foi a presidente que alçou Mercadante à condição de ministro, primeiro da Ciência e Tecnologia, depois da Educação e, por fim, da Casa Civil. Apesar de ter ocupado a liderança do PT no Senado, o petista nunca foi visto pelos seus pares como um articulador habilidoso. Essa fama de poucos amigos, de quem raramente dá "bom dia", não ajudou nas negociações com o Congresso, criando um limbo na relação entre as duas Casas e o Planalto.
A escolha do deputado Pepe Vargas (PT-RS) para a Secretaria de Relações Institucionais também se mostrou equivocada. O resultado foi sua rápida passagem pela pasta, sendo realocado na semana passada para a de Direitos Humanos.
Substituição. Antes escalado por Dilma para ser a voz do governo em todas as ocasiões, Mercadante agora vem sendo preterido por outros nomes, como o do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a quem a presidente recorreu na sexta-feira para defendê-la da ofensiva da oposição, que tem ameaçado abrir um processo de impeachment contra a petista. Também foi Cardozo que, na primeira grande manifestação deste ano contra o governo, no dia 15 de março, foi à TV dar a avaliação do Planalto sobre os protestos.
No último mês, Mercadante também perdeu o protagonismo para o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sobre as questões econômicas, já que ele não conseguiu avançar nas negociações para aprovar o pacote de ajuste fiscal. Levy, por outro lado, tem encontrado as portas abertas para conversar tanto com Renan quanto com Cunha.
Aliados do ministro minimizam a situação. Dizem que Mercadante nunca quis assumir a articulação política e que tudo permanece como sempre foi na Casa Civil. Ninguém arrisca dizer até quando.