'Todo crime contra a humanidade deve ser punido'

Renata Tranches

 

Há pouco mais de um ano no Brasil, o embaixador armênio Ashot Galoyan disse respeitar a posição brasileira, que não reconhece o genocídio armênio. No entanto, ele espera que um dia ela possa ser revista. A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu ao Estado.

Qual o significado dessa data para o povo armênio?

 

Vamos voltar às raízes e à natureza da atrocidade que ocorreu há cem anos, durante o Império Otomano e a 1.ª Guerra. Armênios foram abruptamente enviados para o "exílio", a propaganda oficial continua repetindo essa declaração. Mas, para os historiadores armênios, tratou-se de ações orquestradas com o propósito de tirar o povo de sua nação. A Armênia tem hoje o privilégio de enviar essa clara mensagem: a história tem de triunfar nas bases da justiça e da verdade. As pessoas foram simplesmente enviadas para o exílio e mortas sem justificativa. As vítimas dessas atrocidades ainda esperam por justiça.

 

Quando o sr. fala sobre justiça, a que exatamente se refere?

 

Raphael Lemkin, advogado polonês judeu, que nos anos 30 iniciou sua investigação sobre genocídio, surgiu depois com uma simples mensagem para a humanidade. Esse tipo de atrocidade política, segundo acreditavam os advogados internacionais, deve ser levada a uma organização internacional. Qualquer ação contra a humanidade deve ser punida. A questão é, quando falamos de política internacional, quão longe podemos ir para preservar a vida do ser humano no caso de falha de outra nação? Esta talvez seja a principal questão para podermos fazer prevalecer a justiça.

 

E como foi recebida a mensagem do papa?

 

Em seu pronunciamento no dia 12, ele mencionou claramente para todos que o primeiro genocídio que ocorreu foi o do povo armênio. Depois, houve o holocausto do povo judeu. Ele mencionou também o stalinismo, outros atos de genocídio ocorridos depois. Isso é algo que chamamos de justiça. O Parlamento Europeu também se posicionou e enviou uma clara mensagem aos turcos. É preciso bravura para reconhecer o fato, ser responsabilizado pelo evento que ocorreu em 1915 no Império Otomano. Isso é justiça em primeiro lugar.

 

A recusa da Turquia em reconhecer que houve um genocídio é um obstáculo?

 

Essa não é necessariamente a principal questão que temos tentado trazer quando falamos em justiça. Claro que há também países muito importantes no mundo que não reconhecem. A Turquia, como o principal perpetrante do genocídio armênio, claro, que deve ser responsabilizada. Mas uma questão muito importante é sobre como continuaremos em frente para impedir que qualquer um no futuro possa usar esse crime extremo em forma de atrocidade contra a humanidade quando estiver buscando seus objetivos políticos. Talvez esse seja o principal objetivo pelo qual os armênios e as pessoas e países que os apoiam tentam visualizar.

 

O Brasil é um dos países que não reconhecem o genocídio. O que o sr. acha?

 

Estamos contando com o vibrante comportamento democrático deste país onde sou embaixador e respeito muito sua decisão. Claro que é nosso desejo ver uma resolução relacionada ao genocídio no governo federal. No Brasil, o respeito aos direitos humanos é um de seus maiores valores. Para o povo brasileiro, essa é uma questão central, pois trata pacificamente as pessoas de diferentes grupos étnicos e origens que vieram para cá em busca de uma vida e um futuro melhor.

 

Há algum tipo de negociação entre os governos turco e armênio?

 

É sabido que, sob o apoio diplomático dos EUA, Rússia e países europeus, demos início ao que no Brasil chamam de "diplomacia do futebol". As seleções da Turquia e da Armênia jogaram duas partidas (nas eliminatórias da Copa de 2010) e os presidentes se encontraram na ocasião. A ideia era estabelecer protocolos para enviar documentos diplomáticos que pudessem preparar o caminho para tornar as relações melhores. Mas, depois de tudo, os turcos vieram com algumas queixas injustificadas, colocando precondições para fazer as ratificações oficiais. Espero que possamos voltar às negociações um dia.

 

System of a Down faz turnê especial

 

Talvez alguns dos principais porta-vozes para o reconhecimento do genocídio armênio não estejam no palco político, mas no musical. Netos de sobreviventes do massacre de 1915, os integrantes da banda de rock System of a Down chamaram a atenção dos fãs para a turnê #Wakeupthesouls que lançaram no início deste mês tendo os 100 anos do genocídio como tema.

O ápice de turnê será o show que a banda fará na Praça da República, na capital armênia, Erivan, na quinta-feira. Será a primeira vez que a banda tocará no país de seus ancestrais. "Isso é algo que transcende a música", disse o baterista John Dolmayan, em uma teleconferência nos EUA para anunciar os shows.

 

Não é a primeira vez que o tema entra no trabalho da banda. O próprio baterista lembrou que eles já falaram sobre o genocídio nas músicas P.L.U.C.K. (do primeiro disco, System of a Down) e Holy Mountains (do último, Hypnotize).

 

Para apoiar a turnê, a banda lançou um site especial com um mapa mostrando os países que já reconhecem o genocídio. Divulgou também um vídeo e um comunicado explicando aos fãs o que foi o massacre e pedindo a eles que exijam de seus governos o reconhecimento - especialmente os fãs da Turquia. "Ao marcarmos esse centenário solene, por favor, junte-se a nós e às boas pessoas de consciência na Turquia que apoiam a verdade e a Justiça e peça a seu presidente e ao Parlamento que a República da Turquia aceite a responsabilidade moral e material pelo genocídio armênio."

 

Brasil. A turnê passará pelo Brasil em setembro. No Rio de Janeiro, no dia 24, no Rock in Rio. Em São Paulo, no dia 25, na Arena Anhembi. Depois, a banda segue para a Argentina. Nesses dois países estão as duas maiores comunidades armênias da América Latina. Não está claro se a banda fará um pedido especial aqui, já que a Argentina já reconhece o genocídio.

 

No Brasil, um projeto de lei foi apresentado em 2007 pedindo que o governo reconhecesse o genocídio, mas ele foi tirado de pauta. O autor do projeto, deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB/SP) afirmou ao Estado que será reapresentado em um "momento mais oportuno".

 

O Ministério das Relações Exteriores, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que o governo "se solidariza com a dolorosa tragédia dos armênios em 1915" e busca favorecer o diálogo entre a Armênia e a Turquia. "Ao reconhecer o importante papel da numerosa e ativa comunidade armênia para a formação e o desenvolvimento do Brasil, o governo brasileiro dispõe-se a aprofundar, ainda mais as relações de amizade e cooperação que existem com a Armênia."