O globo, n. 29846, 25/04/2015. País, p. 6

Dívida põe Haddad e Sartori contra governo

Jaqueline Falcão, Flávio Ilha, Catarina Alencastro

 

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), entrou na Justiça para obrigar o governo Dilma Rousseff a cumprir a lei que muda a correção das dívidas de estados e municípios e permite reduzir os pagamentos que a cidade faz para a União. A ação foi protocolada na quinta-feira à noite na Justiça Federal, em Brasília. Já o governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori (PMDB), anunciou ontem que suspendeu o pagamento da parcela de abril da dívida à União. A parcela, de R$ 280 milhões, vence na próxima quinta-feira. A dívida do estado é superior a R$ 50 bilhões. As duas decisões colocaram governos de partidos aliados em rota de colisão com o Planalto.

Em rápida entrevista, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, minimizou o anúncio do governador do Rio Grande do Sul.

— Vamos aguardar. Tenho certeza de que o governo do Rio Grande do Sul está fazendo esforços para resolver esta situação. Financeiramente, fiscalmente, é muito difícil. Vamos atualizar. Calma, por enquanto não aconteceu nada. Não vamos nos precipitar. Ele está fazendo um esforço extraordinário — afirmou Levy.

SARTORI DIZ QUE NÃO É MORATÓRIA

Em Porto Alegre, Sartori disse que a suspensão do pagamento da dívida foi a única fórmula encontrada para manter os salários dos servidores em dia. O governador admitiu que o estado deverá ficar inadimplente até o dia 10 ou 11 de maio, quando espera quitar a parcela da dívida com a União.

— Trata-se de uma situação extrema e de emergência. Estudamos todas as alternativas possíveis para evitar o atraso, mas a receita não se comportou como desejávamos. Não estamos declarando moratória, nem dando um calote ou promovendo um golpe. A parcela vai ser honrada, até porque um atraso prolongado iria penalizar ainda mais o estado — disse Sartori.

O risco assumido explicitamente pelo governador é a União não repassar recursos ao estado referentes ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e ao Fundo de Desenvolvimento da Educação (Fundeb), que devem ser depositado no dia 8 de maio. Também deverão incidir juros de R$ 20 milhões sobre a parcela devida, que serão incorporados ao principal contratado com o governo federal.

O anúncio de Sartori foi feito no dia seguinte à reunião com Levy, na qual o governador foi a Brasília pedir que a União repassasse R$ 200 milhões ao estado em parcelas atrasadas da Lei Kandir e do Fundo de Exportações (FEX). A resposta de Levy foi negativa.

Já Haddad afirmou ontem que dificuldades administrativas do governo federal levaram a prefeitura a entrar com a ação. O prefeito disse que "não tem surpresa” para o governo, e que Levy o alertou, no início de abril, sobre as dificuldades do acordo, e, à época, "sugeriu que talvez o caminho fosse aquele percorrido pelo Rio de Janeiro”.

Há um mês, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), recorreu aos tribunais para obrigar o governo a corrigir a dívida da cidade de acordo com os parâmetros definidos em lei aprovada pelo Congresso e sancionada por Dilma em novembro de 2014.

— Não se trata de questão partidária, é uma questão federativa. Como houve dificuldades do governo federal de resolver esse problema administrativamente, e o Senado não se manifestou até agora sobre o prazo de regulamentação da lei, entendemos que o melhor caminho era buscar a homologação do acordo com o Judiciário — disse Haddad.

O prefeito afirmou que a prefeitura buscou "segurança jurídica” depois de Levy dizer que havia grande dificuldade administrativa para estabelecer o acordo:

— Estamos em busca de segurança jurídica para não sermos surpreendidos depois. Não basta intenção, você tem que ter autorização. A segurança jurídica é para dar a ele o respaldo e a nós, a certeza de que não haverá problema jurídico no cumprimento do acordo.

A prefeitura de São Paulo gasta R$ 4 bilhões por ano com o pagamento da dívida. Pelo acordo, a prefeitura depositaria R$ 2,7 bilhões para a União e o restante, R$ 1,3 bilhão, em juízo. A prefeitura diz que quando o contrato foi assinado em 2000 a dívida da cidade era de R$ 11 bilhões. Desde então, foram pagos R$ 25 bilhões em amortização, e o saldo pendente atinge hoje R$ 62 bilhões. A estimativa é que, com as novas regras, a redução será de R$ 26 bilhões.

A Lei Complementar 148, com regulamentação pendente, prevê que as dívidas de estados e municípios sejam corrigidas pela taxa Selic ou pelo IPCA, o que for menor, mais 4% ao ano. Atualmente, os débitos são corrigidos pelo IGP-DI mais 6%a 9% ao ano. Quando a lei for regulamentada, a diferença depositada em juízo pode ser recuperada.

PLANALTO NÃO SE SURPREENDEU

Até a semana passada, o prefeito de São Paulo negociava com Levy uma alternativa para evitar um embate entre o município e o governo, que é do mesmo partido dele. Mas as negociações não evoluíram, o que levou o prefeito a entrar na Justiça.

A decisão de Haddad não foi surpresa para o governo. Segundo interlocutores da presidente Dilma, ela e toda a equipe econômica sabiam que os estados e municípios passariam a recorrer ao Judiciário, depois que o prefeito do Rio agiu dessa forma. A diferença, disse um auxiliar, é que no caso do Rio o Planalto não foi avisado.

No dia 13 de abril, Dilma se reuniu com representantes da Frente Nacional de Prefeitos, Haddad e Levy. Na ocasião, ficou acordado que, se o Senado não aprovasse logo o projeto que regulamenta a mudança do indexador, os municípios recorreriam à Justiça para se proteger.

Senado debate semana que vem texto que libera R$ 21 bi para estados e municípios

Projeto de Serra prevê que bancos repassem percentual de depósitos relativos a processos

BRASÍLIA- Com apoio do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da senadora Marta Suplicy (PT-SP), relatora do projeto de lei complementar que obriga a União a adotar novo indexador para correção das dívidas, o Senado discute na próxima semana a incorporação de uma proposta do senador José Serra (PSDB-SP) que libera, este ano, R$ 21,1 bilhões para aliviar as contas de estados e municípios. A mudança permitiria a estados e municípios o uso de até 70% dos depósitos judiciais e administrativos de processos em andamento para pagar precatórios e investir em fundos de previdência.

O tucano avalia na próxima semana se a tramitação mais rápida seria por emenda ao relatório de Marta ou por projeto de lei ordinária. A pedido do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, Serra vai incluir uma terceira possibilidade de uso desses recursos, como garantia de Parcerias Público-Privadas. Se transformada em lei, além dos R$ 21,1 bilhões, a proposta enviaria a estados e municípios cerca de R$ 1,6 bilhão por ano a partir de 2016.

— Isso daria um alívio para o sufoco de estados e municípios. No Senado, passa voando — disse Serra.

O projeto prevê que os bancos liberem para uma conta única do Tesouro do estado ou do município 70% do valor atualizado dos depósitos referentes aos processos judiciais e administrativos. Outros 30% constituiriam um fundo de reserva. O fundo seria usado para pagamento nos casos de decisões favoráveis aos contribuintes. Segundo Serra, esse modelo já é usado pela União, e ele, ao governar SP, também usou:

— Como alguns tribunais de Justiça criam dificuldades, a aprovação do projeto dá legalidade e amplia porque inclui os depósitos administrativos.

APOIO DE MARTA E RENAN

Nesta semana o projeto começou a ser discutido junto com o novo indexador, mas a votação foi adiada para semana que vem porque os senadores querem profundar a discussão. Mas a relatora Marta Suplicy diz que está disposta a incorporar a proposta de Serra em seu parecer.

— É uma iniciativa importante. Com o acolhimento da emenda, a projeção é de um acréscimo nos orçamentos da ordem de R$ 21,1 bilhões já em 2015, e de R$ 1,6 bilhão em cada ano subsequente. Essa é mais uma medida que garantirá um alívio nos caixas estaduais e municipais, com recursos que hoje estão parados, em aplicações financeiras, aguardando sentenças judiciais — adiantou Marta.

Entusiasta da proposta, Renan Calheiros comunicou ao plenário, durante a discussão do indexador, essa semana, que já estava negociando a com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e com a presidente Dilma Rousseff para que fosse aprovada no Senado.

— Defendi, na oportunidade, a necessidade da aprovação do projeto de lei do senador José Serra, que é fundamental, importantíssimo, porque cria alternativas para que os estados tenham acesso à utilização de recursos grandes — comunicou Renan.

Em plenário, também apoiaram a proposta o líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), e o senador Walter Pinheiro (PT-BA). Eunício defendeu que o projeto de Serra fosse incorporado como emenda ao relatório de Marta.

"Os estados, o DF e os municípios estão em grave situação fiscal. As receitas próprias e as transferências do governo central, mesmo as constitucionais, sustentam desempenho pífio, em linha com a dinâmica da atividade econômica. A situação tende a se agravar no futuro próximo em razão das baixas expectativas quanto ao desempenho da economia brasileira, sendo esperada uma retração das receitas públicas para todos os entes federados em 2015”, diz a justificativa do projeto de Serra.