O globo, n. 29838, 17/04/2015. País, p. 3

A conta do aparelhamento

Alexandre Rodrigues

Relatório indica que Petros teve prejuízos como os de Funcef e Postalis, todos

controlados por políticos

Funcionários e aposentados da Petrobras correm o risco de ter de fazer contribuições extras para cobrir

prejuízos do fundo de pensão da estatal, a Fundação Petros, a partir de 2017. É o que indica um relatório

elaborado por dois conselheiros independentes da Petros com base nos números de 2014, que ainda não

foram divulgados pela entidade. Um dos alvos das investigações da Operação LavaJato,

a Petros fechou

2014 com o seu principal plano de previdência no vermelho pelo segundo ano consecutivo, com um déficit

técnico de R$ 6,2 bilhões, diz o relatório.

O documento aponta que o Plano Petros do Sistema Petrobras (Petros BD) — que tem um ativo líquido

de R$ 62,5 bilhões e envolve 28 mil contribuintes e cerca de 51 mil aposentados da estatal — deverá

repetir um resultado negativo este ano. Se isso acontecer, a fundação será obrigada a cobrar dos

participantes uma contribuição extra para cobrir o rombo.

VACCARI INTERMEDIAVA NEGÓCIOS DA PETROS

A Petros entrou na mira da LavaJato

depois que o advogado Carlos Alberto Pereira Costa, um dos

auxiliares do doleiro Alberto Youssef, disse em delação premiada que o extesoureiro

do PT João Vaccari

Neto, preso anteontem, intermediava negócios na Petros e em outros fundos de pensão. O negócio

envolvendo Vaccari teria rendido, segundo o advogado, R$ 500 mil em propinas a exgerentes

da Petros.

Os números negativos de 2014, que a Petros será obrigada a divulgar até julho, acirraram ainda mais

as queixas de má gestão e aparelhamento político da entidade feitas pelos participantes.

Na Petros, os principais cargos são divididos entre petistas da Federação Única dos Trabalhadores (FUP)

e do Sindicato dos Bancários de São Paulo, ambos ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT), braço

sindical do PT. Em março, uma disputa interna por cargos terminou com a substituição de toda a equipe,

com o apoio do novo presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, mas os sucessores também pertencem

aos dois grupos políticos.

O relatório dos conselheiros admite que as condições adversas da economia contribuíram para os maus

resultados de todos os fundos de pensão. Mas dizem que a ingerência política é um fator que agrava as

perdas da Petros. Os diretores do fundo são acusados de fazer investimentos controversos.

A contribuição extra já deverá ocorrer em 2016 com os participantes de outro plano da Petros, o

Ultrafértil, dos funcionários de uma subsidiária de fertilizantes da Petrobras, que, segundo os conselheiros

independentes, já “apresenta neste momento déficit da ordem de 20%”.

Pela legislação do setor de previdência privada, quando um plano tem déficit acima de 10% das

provisões matemáticas (os recurso necessários para honrar as pensões), ou tem perdas por três anos

consecutivos, a administradora tem um ano para formular um plano para que os funcionários e a

patrocinadora cubram as perdas.

O déficit técnico mostra o equilíbrio do plano ao estimar a quantidade de dinheiro que faltaria hoje para

pagar as aposentadorias de todos os participantes até o fim da vida. Isso significa que o plano da Petros

não tem um risco imediato de quebrar, mas precisa ser reequilibrado para garantir a sua sustentabilidade

no longo prazo.

NO POSTALIS, PODER DIVIDIDO ENTRE PMDB E PT

Recentemente, o fundo de pensão dos Correios, o Postalis, iniciou a cobrança de contribuições extras

de participantes e o desconto de pensionistas para cobrir um rombo de R$ 5,6 bilhões. A Funcef, dos

funcionários da Caixa Econômica Federal, também terá de elaborar um plano similar depois que o

resultado de 2014, divulgado há poucos dias, mostrou déficit de R$ 367 milhões num dos planos.

Os três fundos de pensão de estatais são administrados por indicados políticos, que, inclusive, têm

passagem por mais de um deles, e são alvo de uma série de denúncias de participantes por má gestão e

investimentos suspeitos feitas à Previc, o órgão regulador do setor.

No Postalis, o poder é dividido entre afilhados do PMDB e o mesmo grupo de petistas que domina a

Petros. O atual presidente dos Correios, Wagner Pinheiro, foi presidente da Petros durante os oito anos do

governo Lula. Ele indicou o atual presidente do Postalis, Antonio Carlos Conquista, que foi diretor do fundo

de pensão dos funcionários da Petrobras na gestão de Pinheiro.

Desde o início do governo Lula, os principais fundos de pensão de estatais são dominados por esse

grupo, ligado ao Sindicato dos Bancários de São Paulo. O grupo, que era liderado pelo exministro

Luiz Gushiken (morto em 2013), tem entre seus integrantes Vaccari, Wagner Pinheiro, o expresidente da

Previ Sérgio Rosa e o atual ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini.

Os dados usados no relatório dos conselheiros da Petros Ronaldo Tedesco e Silvio Sinedino, eleitos

pelos funcionários e aposentados, ainda não foram divulgados porque a fundação precisa submetêlos

a

uma auditoria independente e ao Conselho Deliberativo da entidade.

No entanto, os conselheiros decidiram divulgar os dados preliminares para tentar acalmar os

funcionários da Petrobras, que estão preocupados com suas aposentadorias diante do envolvimento da

Petros nas investigações da Operação LavaJato.

A troca recente da diretoria da Petros e a comparação

com o Postalis, cuja situação é muito mais grave por ter patrimônio bem menor que o da Petros, fez o

alarmismo tomar os corredores da estatal.

VENDA DE TÍTULOS RESULTOU EM PREJUÍZO

Carlos Alberto Costa, advogado ligado a Youssef, disse à Justiça que João Vaccari Neto frequentou,

entre 2005 e 2006, a empresa CSA Project Finance, de um sócio do doleiro. Ali, ele teria intermediado a

venda de títulos de R$ 13 milhões de uma indústria de Barra Mansa (RJ) para a Petros, que mais tarde

resultou em prejuízos.

Dois executivos da Petros teriam recebido propina. Um deles, segundo Costa, seria Humberto Pires

Grault de Lima, que foi gerente de investimentos da Petros e atualmente é gerente de participações da

Funcef. Vaccari e Lima negam as acusações. Em janeiro, a PF abriu inquérito no âmbito da LavaJato

para

apurar a denúncia.

É justamente nesse tipo de operação com títulos de crédito privado que a Petros tem acumulado

investimentos controversos. O relatório dos conselheiros aponta que, de um total de R$ 801,9 milhões da

Petros em investimentos dessa carteira de crédito privado, R$ 730,6 milhões estavam provisionados com

alto risco de perdas em dezembro de 2014. Os dados consolidados ainda não foram divulgados.

Uma auditoria independente ainda em curso, contratada pelos conselheiros, apontou vários problemas

nesses investimentos, como a ausência de documentos e garantias insuficientes, além da falta de

mecanismos de controle internos. Um dos casos mais controversos é o da Galileo Educacional, a

mantenedora das universidades Gama Filho e UniverCidade, que vendeu R$ 700 milhões em debêntures

para Petros e Postalis. Afogadas em dívidas e má gestão, as universidades perderam o credenciamento do

MEC e fecharam as portas.

A Petros ainda amarga resultados ruins com investimentos em empresas de interesse do governo,

como a Sete Brasil, construtora de sondas para a Petrobras envolvida na LavaJato,

e a Lupatech, do setor

de equipamentos para a indústria de petróleo, que entrou em recuperação extrajudicial por causa de

dificuldades de financiamento.

Os conselheiros dizem ainda que a Petrobras tem dívida com a Petros que não é cobrada por seus

executivos. Também cobram a mudança do estatuto da Petros para permitir eleições entre os funcionários

para cargos da diretoria executiva.

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Petros diz que baixa no mercado de ações afetou fundos

 

 

RIO - A Petros informou ao GLOBO que não tem conhecimento do relatório dos conselheiros independentes e que não pode se pronunciar sobre os números de 2014, que ainda não foram aprovados pelo Conselho Deliberativo e enviados à Previc, o órgão regulador do setor.

 

 

Em nota, a Petros lembrou que o ano de 2013 foi o primeiro em que houve déficit no plano de previdência dos funcionários da Petrobras depois de sucessivos superávits desde 2008. E disse que a causa principal foi o mau desempenho do mercado de ações, que afetou todos os fundos. O argumento também tem sido usado por Postalis e Funcef para responder a críticas de participantes.

 

 

Em relação ao plano Ultrafértil, a Petros informou que nenhum estudo de equacionamento foi enviado ainda ao Conselho Deliberativo, porque os resultados de 2014 ainda não foram fechados.

 

Em relação aos resultados da área de títulos de crédito privado, a Petros disse desconhecer a auditoria independente dos conselheiros, mas informou que outra investigação do gênero foi iniciada pela diretoria para verificar se os investimentos foram realizados de acordo com as regras de governança da fundação. Ainda não há conclusões.

“O risco é inerente a este tipo de operação. De qualquer forma, em todos os casos em que os títulos apresentaram inadimplência, a fundação buscou judicialmente reaver os valores investidos”, diz a a nota da Petros.

Sobre a suposta intermediação de negócios por João Vaccari Neto, a Petros alegou que não teve acesso às investigações da Operação Lava-Jato. Mesmo assim, diz que o investimento da indústria de Barra Mansa que é alvo da investigação foi feito em 2006 de forma alinhada com a política de investimentos da fundação, apresentando classificação de baixo risco de crédito. Ainda segundo a Petros, quando o investimento não se mostrou rentável como esperado inicialmente, a fundação declarou o vencimento antecipado da dívida e exerceu as garantias previstas no contrato.

Além da investigação da Lava-Jato sobre a Petros, a Petrobras também estendeu à fundação a devassa que está sendo feita na estatal pelos escritórios Trench, Rossi e Watanabe Advogados e Gibson, Dunn & Crutcher. Vários investimentos malsucedidos da Petros foram compartilhados por outros fundos de pensão.

 

Participantes e funcionários dessas entidades denunciaram a Ministério Público, PF e Previc sinais de uma coordenação política externa para direcionar fundos de pensão de estatais para operações suspeitas. Uma das denúncias, que baseou a abertura de inquérito da PF, chama o esquema de “Clube do Amém”, como revelou O GLOBO em novembro de 2014.

O relatório dos conselheiros independentes da Petros faz uma série de críticas à ingerência política na entidade e também se queixa da lentidão da Previc. Segundo o relatório, foram enviadas mais de 50 consultas e denúncias por meio do conselho fiscal da Petros ou de iniciativas individuais dos conselheiros, mas não há resultados práticos.

Sérgio Djundi, diretor de Fiscalização da Previc, disse que está em curso uma auditoria do órgão nos investimentos da Petros com o auxílio de auditores da Receita Federal, mas ainda sem conclusão.


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