Defesa em dose tripla

 

Dilma escala ministro, advogado da união e procurador do bc para negarem 'pedaladas' fiscais

Martha Beck, Maria Lima,

Jailton de Carvalho e Isabel Braga

opais@oglobo.com.br

Defesa. Cardozo e Adams frisaram que não há fato imputável à Dilma e que ela não foi citada pelo TCU no relatório sobre as "pedaladas fiscais"

André Coelho

Manobras fiscais

BRASÍLIA

Diante da ofensiva da oposição em busca de embasamento jurídico para um pedido de impeachment, a presidente Dilma Rousseff decidiu reagir. Ela ordenou ontem que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo; o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, e o procurador-geral do Banco Central dessem entrevista para contrapor o principal argumento que passou a ser usado pelos adversários: a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que entendeu esta semana que a equipe econômica fez manobras que descumpriram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nos últimos dois anos. Ontem mesmo, a AGU entraria com um embargo no TCU para tentar mudar o voto do ministro José Múcio Monteiro, aprovado por unanimidade na Corte, argumentando que não houve contraditório e que a União não foi ouvida.

O relatório de José Múcio apontou que o Tesouro atrasou repasses de recursos a bancos públicos, como Caixa, Banco do Brasil e BNDES, o que obrigou essas instituições a usarem recursos próprios para pagar despesas que cabiam à União, como Bolsa Família e seguro-desemprego. O TCU entendeu que o artifício, conhecido como "pedaladas fiscais" configurou empréstimo de uma instituição controlada a seu controlador, o que é vedado pela LRF.

Cardozo: "chega a ser patético"

O ministro da Justiça classificou a tentativa da oposição como "lamentável" e fez críticas diretas ao senador Aécio Neves (PSDB-MG. O tucano afirmou, anteontem, que, caso seja confirmada a responsabilidade de Dilma nas "pedaladas", dará força ao pedido de impeachment. Para Cardozo, Aécio está se aproveitando de um momento político e econômico delicado. Segundo o ministro, as manobras foram legais e vêm sendo usadas desde 2001, tanto no governo Fernando Henrique quanto no governo Lula.

- O que me causa espécie são líderes da oposição, em especial o candidato derrotado (Aécio), de querer pegar um caso para tentar encontrar o fato de pedido de impeachment. Há um desespero compulsivo para justificar um pedido de impeachment - afirmou Cardozo.

O ministro também tentou descolar a imagem de Dilma das manobras, mas não respondeu quando perguntado se a presidente não era a responsável pela política econômica do seu governo.

- Não há fato nenhum imputável à presidente Dilma. Ela sequer foi citada na decisão do TCU levada por alguns como prova. Chega a ser francamente patético e só justifica o desespero de tentar encontrar um fato. Chega a depor contra o passado democrático - afirmou.

Cardozo disse que conversou com Dilma sobre as tentativas da oposição de usar a decisão do TCU e que ela teria minimizado.

- Isso faz parte do jogo político. A oposição quer criar factoide - teria dito Dilma.

Além de dizer que as manobras são uma "infração" à LRF e não crime, o advogado-geral da União anunciou que pediria ao TCU a análise das contas dos bancos oficiais em 2001 e 2002, últimos anos do governo Fernando Henrique Cardoso, quando, segundo o petista, teria começado essa prática. Ele defendeu ainda que eventuais punições só deveriam valer daqui para a frente. Os dois ministros frisaram também que a presidente Dilma não é "imputável" na decisão do TCU.

- Nunca levantou-se problema em relação ao sistema. Nesses 14 anos nunca ninguém, jornal, cidadão, partido, pessoas ou técnicos, levantou isso. Então, o problema surgiu. E surgiu num ambiente de stress econômico, fiscal e político (...) Nem toda infração da LRF é crime. Dizer que houve crime de responsabilidade é uma afirmação leviana e irresponsável que não pode subsistir. Não há crime aqui - afirmou Adams, destacando que não teria havido "dolo" por parte do governo.

O PSDB reagiu, em nota, destacando que Cardozo estaria agindo como militante do PT:

"À beira de um ataque de nervos, o ministro da Justiça convocou mais uma vez a imprensa para cumprir suas tarefas como militante do PT. As graves e reiteradas denúncias que vêm sendo feitas ao seu governo não partem da oposição, e sim do Tribunal de Contas da União e de órgãos públicos de fiscalização que cumprem o importante papel de lembrar ao Palácio do Planalto e ao PT que o Estado brasileiro pertence aos brasileiros e é regido por leis que a presidente Dilma e seus ministros precisam respeitar".

PSDB adia parecer jurídico

Para apresentar argumentos econômicos que justificassem a manobra fiscal, a missão coube ao Banco Central. Embora a instituição seja conhecida por seu perfil técnico e costume ficar fora de polêmicas, foi o procurador-geral do BC, Isaac Ferreira, que deu explicações. Segundo Ferreira, no entendimento da autoridade monetária, que é quem regula o sistema financeiro, os pagamentos feitos pelos bancos no lugar da União não podem ser considerados empréstimos. O que existe, afirmou o procurador, são contratos de prestação de serviço entre o governo federal e as instituições. Ele admitiu que União devolve o dinheiro aos bancos com alguma remuneração quando há atraso.

- Se houve pagamento de juros aos bancos pelo atraso, isso ocorreu porque está previsto no Código Civil. Nem todo ativo sobre o qual incide juro é operação de crédito - afirmou Isaac Ferreira.

O líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), decidiu adiar a divulgação do parecer de juristas que embasaria o eventual pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. A previsão era que o documento fosse entregue na próxima semana, mas o jurista Miguel Reale Júnior pediu para ter acesso ao detalhamento, feito pelo TCU, sobre o crime de responsabilidade da equipe econômica. Cunha Lima já fez o pedido ao TCU e disse que o primeiro prazo para que as informações sejam repassadas termina no fim de abril, podendo, entretanto, ser prorrogado.

- Eu tenho conversado com o Reale, e ele pediu uma perícia, um detalhamento do crime de responsabilidade sobre as pedaladas. Podemos esperar 10, 15 dias mais para ter um parecer mais robusto, consistente - justificou Cunha Lima.