Valor econômico, v. 15, n. 3735, 14/04/2015. Empresas, p. B1

 

Prevendo mais um ano difícil, elétricas cortam dividendos

 

Por Natalia Viri | De São Paulo

Tradicionais pagadoras de dividendos, as empresas de energia elétrica colocaram o pé no freio e diminuíram drasticamente a distribuição de proventos no ano passado. Assoladas por incertezas e com alavancagem maior, a maior parte das companhias preferiu segurar recursos e reforçar o caixa para enfrentar mais um ano considerado bastante complicado para o setor.

Entre as distribuidoras, a preocupação é com o impacto do aumento das tarifas sobre a demanda e, consequentemente, sobre a receita. Já as geradoras esperam um novo baque nas contas por conta do déficit de geração hídrica, que já custou mais de R$ 20 bilhões em 2014.

 

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A CPFL Energia, que costuma distribuir quase todo o lucro em dividendos, optou por pagar apenas 44,5% do resultado. Na mesma direção, a Tractebel deixou, pela primeira vez desde 2010, de distribuir a totalidade do lucro aos acionistas. Em 2014, apenas 50% do resultado líquido se transformou em dividendos.

Em teleconferência, o presidente da companhia, Mário Zaroni, reforçou a expectativa conservadora e afirmou que espera que este ano os gastos para cobrir o déficit de geração hídrica ultrapassem aqueles verificados no ano passado e possam totalizar até R$ 30 bilhões para o setor como um todo.

Pela regulação do setor, a diferença entre a garantia física das usinas hidrelétricas e o volume efetivamente despachado é rateado entre todos os agentes via compras no mercado de curto prazo, a preços elevados. No ano passado, esse déficit ficou em pouco menos de 10%. Em 2015, a previsão de especialistas é que esse número gire entre 12% e 20%, gerando novo impacto bilionário.

Prevendo "um ano igualmente difícil" em 2015, nas palavras do próprio presidente, Miguel Setas, a EDP Energias do Brasil cortou o "payout" para o mínimo de 25% do lucro. "Quando o conselho de administração tiver expectativa de um cenário diferente, essa decisão poderá ter uma alteração", disse o executivo em teleconferência com analistas. Com menos recursos em caixa, a companhia já anunciou que não deve entrar em novos projetos até a conclusão de obras de grandes hidrelétricas que estão em andamento.

Na mesma linha, cortaram o pagamento de dividendos como proporção do lucro para o mínimo de 25% a Cemig e a Light. No caso da Eletropaulo, não houve lucro a ser distribuído - a companhia saiu do azul em 2013 para um resultado negativo em R$ 132 milhões no ano passado.

Na Eletrobras, a situação foi ainda mais grave: após três anos consecutivos de perdas bilionárias, até a reserva estatutária para pagamento de proventos secou, levando a empresa a não declarar dividendos pela primeira vez na história. No ano passado, a estatal federal registrou prejuízo de pouco mais de R$ 3 bilhões.

Entre as empresas que compõem o Índice de Energia Elétrica (IEE) da BM&FBovespa, ficou por conta da Cesp manter a tradição. A geradora paulista usou reservas e aprovou distribuição de R$ 1,77 bilhão aos acionistas, apesar do lucro de apenas R$ 560 milhões.

Analistas, no entanto, criticaram a medida, já que a maior parte das concessões da companhia vence neste ano e ainda não há planos para novos investimentos. "Sentimos que a companhia está em seus últimos momentos", disse Antonio Junqueira, do BTG Pactual, em relatório, ao rebaixar a recomendação para os papéis da companhia de manutenção para venda.

Entre os especialistas de mercado, preservar caixa no atual cenário é a melhor estratégia. Diante da escassez de oferta de energia, a expectativa é que haja novos leilões do governo a preços atrativos e, para aproveitar a oportunidade, as companhias precisam estar capitalizadas. "Com o BNDES e o mercado de dívida em modo de aversão ao risco, o caixa mais uma vez volta a ser o rei, e a proteção do balanço pode trazer bons resultados no curto prazo", disse a equipe do BTG. "O setor passou de uma história defensiva para uma de crescimento. Exige mais estômago, mas ainda pode dar bons retornos", resume um analista. (Colaboraram Camila Maia, de São Paulo, e Rodrigo Polito, do Rio)

 

Mudança contábil dá força ao resultado anual em 2014

 

Por Natalia Viri | De São Paulo

Uma mudança contábil deu fôlego ao resultado das empresas de energia elétrica em 2014. Mas a redução dos recursos em caixa e o endividamento mais elevado deixam claras as dificuldades pelas quais passou o setor ao longo do ano, marcado pelo agravamento da seca, escassez de oferta e custos mais elevados.

Segundo levantamento elaborado pelo Valor Data, as 14 empresas que fazem parte do Índice de Energia Elétrica (IEE) da BM&FBovespa tiveram lucro de R$ 11,49 bilhões no ano, com alta de 17% em relação a 2013. O montante não considera a Eletrobras, que, por seu tamanho e representatividade, distorce a comparação.

Apesar de expressivo, o resultado líquido foi inflado por uma nova regra, que permite que as distribuidoras de energia reconheçam como recebíveis, futuros reajustes tarifários. Essa alteração trouxe cerca de R$ 5 bilhões às receitas, com impacto de mais de R$ 3,5 bilhões sobre o lucro se considerarmos apenas a incidência de alíquota de 34% do Imposto de Renda. Sem esse efeito, o lucro seria de apenas R$ 7,8 bilhões, 20,5% menor que o registrado em 2013.

A alavancagem, por outro lado, disparou. Em 2014, enquanto os recursos em caixa caíram 9,3%, para R$ 17,5 bilhões, a dívida bruta avançou 16,3%, para R$ 72,8 bilhões. Com isso, o endividamento líquido saltou 28%, para R$ 55,3 bilhões.

A situação chamou atenção das agências de classificação de risco. Em fevereiro, a Moody's colocou a nota "Baa3" da AES Tietê em revisão para possível rebaixamento. Se o corte realmente ocorrer, a companhia poderá perder o grau de investimento. A principal preocupação diz respeito à alavancagem e à perspectiva de gastos elevados com compra de energia no mercado de curto prazo para fazer frente ao déficit de geração hídrica.

Na mesma linha, a agência também ameaça cortar a nota "Ba1" da EDP Energias do Brasil, por conta de preocupações com o segmento de geração e do endividamento elevado na distribuição. Já a Fitch rebaixou em um degrau a nota da CPFL Energia em escala nacional, de "AA+" para "AA", por conta da pressão no caixa em virtude dos maiores gastos com compra de energia tanto no segmento de geração e distribuição. Em relatório, a agência destacou que os indicadores de crédito vinham sendo pressionados pela distribuição de dividendos e sugeriu uma postura mais conservadora de remuneração aos acionistas. (Colaboraram Camila Maia e Thais Carrança)

Eletrobras vai recuperar distribuidoras

 

Por Rodrigo Polito | Do Rio

Enquanto ainda não bate o martelo sobre a venda de suas distribuidoras, a Eletrobras vai entregar nos próximos dias à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) um plano de recuperação técnica e operacional das seis empresas do tipo controladas integralmente pela estatal. Na prática, o documento prevê a adoção de medidas para que as concessionárias alcancem o nível de qualidade do serviço exigido pela autarquia.

De acordo com dados da Eletrobras, o tempo de duração das interrupções do serviço das seis distribuidoras (Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia, Alagoas e Piauí) em 2014 piorou em relação ao ano anterior. O número de ocorrências de interrupção no fornecimento de energia também aumentou em cinco Estados. Apenas em Roraima, a frequência de apagões caiu de 2013 para o ano passado.

 

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Na mesma comparação, todas as distribuidoras conseguiram reduzir ou manter o nível de perdas técnicas. No entanto, cinco delas (Amazonas, Acre, Piauí, Rondônia e Roraima) apresentaram aumento do índice de perdas comerciais (furto e fraude de energia).

Segundo o diretor de Distribuição da Eletrobras, Marcos Aurelio Madureira, a Aneel terá um prazo de 30 dias para analisar o plano e, em seguida, solicitar mudanças ou aprovar o conteúdo. "Nossa expectativa é dar início [ao plano] no segundo semestre", disse o executivo ao Valor. "Em 2015, já deveremos ter alguns resultados", completou ele.

Madureira explicou, porém, que parte das ações propostas já está em andamento, como o projeto de digitalização da medição de consumo de energia dos principais clientes da Amazonas Energia. Os dados serão enviados para o centro de medição da Eletrobras localizado em Brasília, para identificar qualquer irregularidade que haja no atendimento ao cliente.

Neste ano, a Eletrobras pretende investir cerca de R$ 1,5 bilhão nas seis distribuidoras controladas integralmente. Também estão previstos investimentos de R$ 350 milhões na Celg -D, distribuidora que atende o Estado de Goiás, cuja participação de 51% foi adquirida pela Eletrobras no ano passado. Os 49% restantes pertencem ao governo de Goiás.

Desconsiderando a Celg D, as distribuidoras da Eletrobras registraram prejuízo de R$ 222 milhões em 2014, contra uma perda de R$ 2,31 bilhões apurada no ano anterior. Dentre elas, três deram lucro (Rondônia, Piauí e Acre). O principal destaque, porém, foi a queda do prejuízo da Amazonas Energia, de R$ 1,65 bilhão para R$ 415 milhões. A meta da estatal é que o negócio de distribuição esteja azul em 2016.

Madureira admite que boa parte do resultado foi influenciada por uma mudança de regra contábil aprovada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ele, porém, destaca que o custo com pessoal, material e serviços de terceiros (PMSO) das empresas está próximo ou abaixo do limite regulatório.

"O próprio aumento da receita líquida também contribuiu para uma melhoria operacional das empresas. O que ainda temos de dificuldade são os resultados financeiros", disse o executivo.

Junto com os trabalhos para melhorar os indicadores operacionais e financeiros das distribuidoras, a Eletrobras aguarda a definição das regras para a renovação das concessões das empresas, que vencem em meados deste ano. "A falta de uma definição tem dificultado a captação de recursos, porque não existe um horizonte de longo prazo para o negócio", explicou Madureira.

Depois da definição do modelo de renovação das concessões, e quando for atingida a meta de melhoria operacional e financeira das empresas, o próximo passo pode ser a venda das distribuidoras.

O diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Eletrobras, Armando Casado, admitiu, em entrevista coletiva no fim de março, a possibilidade de a estatal se desfazer parcial ou integralmente dessas empresas.

"O Santander fez um estudo de diversas alternativas de alienação de parte ou totalidade das distribuidoras. Mas obviamente ele não pode ser divulgado porque ainda não temos as condições de renovação [das concessões] estabelecidas. Assim que tivermos isso, vamos dar o andamento a esses trabalhos", disse o executivo, na ocasião.