O globo, n. 29846, 25/04/2015. Opinião, p. 19

Agenda em aberto

Jorge Werthein

 

À medida que o ano de 2015 avança, os estados membros da ONU olham inquietos para o relógio: aproxima-se a data-limite para um balanço dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), e já se sabe que essa agenda está inconclusa.

Há países onde é praticamente nula a perspectiva de cumprimento das metas, e alguns dos ODM estão em situação mais crítica que outros. É o caso do objetivo número 2, que prevê a universalização da educação fundamental.

A despeito de esforços em diferentes esferas, quase 60 milhões de crianças no planeta ainda não frequentam uma escola. Como esperar desenvolvimento sustentável de populações que mal sabem ler e escrever, especialmente em um mundo que demanda cada vez mais informação e conhecimento?

Essa vem sendo considerada uma “agenda pendente”, que justificou a realização, por Unesco e Unicef, do Encontro Global sobre Educação, em novembro de 2013. A proposta dos ministros dessa área, à época, era promover o que chamaram de empurrão (big push) para que, até 2015, fossem atingidas as metas estabelecidas na Conferência Mundial Educação para Todos, realizada na Tailândia em 1990.

O ex-diretor do Grupo de Parcerias Globais do movimento Educação para Todos Olav Seim já alertava, em 2013, que as conquistas obtidas podem mesmo dar a falsa impressão de avanço quando, na realidade, o número de crianças fora da escola e os investimentos em educação cresceram para, em seguida, estagnar.

Para Sheikha Moza bint Nasser, presidente da fundação Education Above All (Educação Acima de Tudo), do Qatar, “o que precisamos é de vontade política, nos comprometer com o princípio de que a educação deve estar no centro dos objetivos do desenvolvimento, como elemento que possibilita todas as outras áreas”.

Em termos de agenda pós-2015, retoma-se a preocupação com a qualidade da educação. Parece haver consenso entre especialistas em políticas educacionais quanto à necessidade de se valorizar mais o conteúdo efetivamente ensinado e aprendido — de maneira a preparar crianças e jovens para a vida e o mercado de trabalho do século 21 — e menos os índices de matrícula ou de professores por estudante, ainda que esses dados tenham sua importância.

Embora o objetivo educacional da agenda pós-2015 preveja abrangência maior (da pré-escola ao ensino superior), isso não é necessariamente positivo. De forma relativa, a nova agenda reduz a prioridade ao ensino fundamental. Daí se buscar agora atenção especial à agenda inconclusa, o ODM 2.

A ênfase no ensino fundamental se justifica, sobretudo, pela visão de futuro. Nele, deposita-se a expectativa de realizações de um potencial hoje submerso devido ao “iletramento”, o analfabetismo funcional, e a exclusão social de segmentos populacionais. Nesse aspecto, 2015 é um ano que não começou e, se os relógios não se adiantarem, pode demorar a começar.

Jorge Werthein é sociólogo e foi representante da Unesco no Brasil e nos Estados Unidos