Lições do embrião da Lava-Jato
Correio braziliense, n. 19969, 03/05/2015. Política, p. 5
Eduardo Militão
Procuradores, policiais federais e o juiz que atuam na Operação Lava-Jato adquiriram parte da experiência para analisar crimes de corrupção e lavagem na Petrobras há cerca de 15 anos, no caso Banestado. Como ocorre hoje, havia uma força-tarefa para desvendar a rede de criminosos e conseguir punir os culpados o mais rapidamente possível. Os resultados, entretanto, foram frustrantes. Cerca de US$ 368 milhões foram bloqueados no exterior, mas apenas R$ 27 milhões voltaram aos cofres públicos, graças a acordos de delação premiada e a decisões judiciais dos EUA.
Há sete anos, o Ministério Público envia relatórios trimestrais para pedir que uma parcela de US$ 12 milhões, ainda guardada em solo norte-americano, não seja liberada aos réus, apesar da demora dos processos criminais, que se arrastam no Brasil — causa da “frustrante impunidade”, segundo os investigadores.
O foco é o antigo banco Merchants, em que ficava boa parte dos recursos revelados no caso Banestado, e sobre o qual foram apresentadas cerca de 30 denúncias criminais. Apesar da persistência, só US$ 462 mil dos US$ 12 milhões devem ser repatriados nos próximos meses. E isso apenas porque os réus perderam o prazo para recorrer. Há, ainda, US$ 1 milhão perdido, porque a 4ª Vara Federal de Belém anulou provas vindas do exterior, e o caso já se encerrou. Outros 10 processos aguardam o desfecho de ações judiciais, alguns ainda em primeira instância. Sem o fim do processo no Brasil, os EUA não enviam o dinheiro bloqueado de volta aos cofres brasileiros, a repatriação.
Sistema fracassado
“A situação é tão absurda que os valores foram bloqueados há mais de 10 anos e há processo que ainda está na primeira instância: temos um sistema criminal falido”, diz Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato e ex-integrante do grupo responsável pelo caso Banestado. “A experiência é frustrante. O sistema é fracassado para o criminoso de colarinho branco. Para pobre, não. Ele não tem dinheiro para pagar advogado e recorrer até o Supremo Tribunal Federal.” O 24º relatório dos casos referentes apenas ao Merchants foi enviado por Dallagnol à Justiça do Distrito de Columbia (EUA) em março. “É muito difícil, para pessoas de diversos outros países, acreditar que o fim de um processo criminal possa se estender tanto.”
Segundo Dallagnol, o caso Merchants é uma “amostra boa” do cenário do caso Banestado. Apesar das 59 pessoas condenadas, praticamente ninguém ficou preso por período relevante, e apenas R$ 27 milhões foram repatriados (veja memória). Não fosse a Justiça dos EUA condenar réus brasileiros, outros US$ 4,8 milhões não seriam recuperados. Desse valor, os americanos repassaram US$ 1,6 milhão ao Brasil.
Dallagnol diz que, se não forem mudadas as leis processuais no Brasil, o problema pode se repetir na Lava-Jato. O Ministério Público preparou um conjunto de 10 medidas para combater a corrupção, que será apresentado ao Congresso. Juízes, advogados e o Poder Executivo também prepararam seus próprios pacotes de leis contra organizações criminosas que assaltam o Estado.
Memória
Lavagem bilionária
Em 2000, a PF deflagrou a Operação Macuco, em que foram identificados doleiros mandando ao exterior dinheiro de corrupção, tráfico, contrabando e sonegação. Na primeira fase, descobriu-se que o Banestado usava contas CC-5 para mandar recursos a Nova York. Naquele período, os investigadores chegaram ao doleiro Alberto Youssef. Ele confessou crimes, fez acordo de delação premiada e devolveu R$ 1 milhão. Na segunda fase, foram identificados doleiros e empresários com recursos no exterior. Nas remessas de Vivaldo Alves, os investigadores chegaram ao deputado Paulo Maluf (PP-SP), até hoje com mandado de prisão expedido pelos Estados Unidos por crime de conspiração.
As remessas ao exterior envolviam outros bancos, como Banestado de Nova York, Merchants, Beacon Hill, MTB, Lespan, Bank of New York e MTB. A Receita Federal abriu cobrança de R$ 8,3 bilhões em impostos não pagos. Uma CPI foi aberta no Congresso em 2003, mas o relatório não foi aprovado porque PT e PSDB divergiam quanto à lista de indiciados, como o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta.
Youssef e o doleiro Hélio Laniado fecharam delações e devolveram dinheiro, mas houve impunidade e casos de prescrição. O empresário Paulo Roberto Krug, por exemplo, foi denunciado em 2005, condenado a menos de cinco anos de cadeia e recorreu até o Supremo Tribunal Federal. Só em dezembro de 2013 foi para a prisão, mas ficou poucos dias detido em regime fechado.
No ano passado, o juiz Sérgio Moro condenou Youssef por pagar R$ 131 mil a um gerente do Banestado para fazer um empréstimo de R$ 1,5 milhão a um cliente. Ele só foi condenado por quebrar o acordo de delação premiada firmado em 2004, que o impedia de cometer novos crimes. Ao fazer novo acordo de colaboração na Lava-Jato, sua antiga sentença foi suspensa novamente. (EM)