Perigo no contracheque

 

Aumento do limite do desconto em folha para 50% pode piorar endividamento

Mônica Tavares

monicao@bsb.oglobo.com.br

Henrique Gomes Batista

henrique.batista@oglobo.com.br

Pressão dos bancos

BRASÍLIA e RIO

Aprovada na última quinta-feira pelo plenário da Câmara dos Deputados, uma emenda à Medida Provisória (MP) 661/14 permitiu que trabalhadores, aposentados e pensionistas ampliem o limite para novos empréstimos com desconto na folha de salários ou benefícios em mais 10% da renda, para pagar dívidas com o cartão de crédito. Com a nova autorização, o comprometimento máximo com esses financiamentos - que têm os menores juros do mercado - sobe para 40%. Somados aos outros 10%, que hoje as empresas podem reter para cobrir gastos do trabalhador com plano de saúde, remédios e previdência privada, o desconto total poderá chegar a 50% do salário.

A emenda que permitiu ampliar os limites do crédito consignado foi incluída de última hora no texto do projeto de conversão pelo relator da MP 661, Leonardo Quintão (PMDB-MG). Segundo fontes da Câmara, isso ocorreu depois de um forte lobby de emissários do setor financeiro. E, com mais renda comprometida, especialistas temem que as famílias fiquem mais endividadas e tenham descontrole financeiro.

O relator nega que tenha cedido ao lobby:

- O pedido foi feito pelos próprios aposentados, por quatro entidades que fazem parte do Conselho Nacional de Previdência Social: CUT, Força Sindical, UGT e Confederação dos Aposentados. Há dois anos eles apresentaram este pleito, que incluísse esta modalidade de pagamento - disse Quintão ao GLOBO.

Interesse dos bancos

Inicialmente, os deputados acertaram que o texto do relatório de Quintão seria aprovado sem emendas. O conteúdo original da MP refere-se à concessão de empréstimo de R$ 30 bilhões ao BNDES. Após uma negociação com o Palácio do Planalto, foi incluída uma emenda autorizando o refinanciamento das dívidas dos caminhoneiros na compra de veículos. Esta foi uma das exigências da categoria para encerrar o bloqueio das estradas em fevereiro e março.

O vice-líder do PMDB na Câmara, deputado Manuel Júnior (PMDB-PB), disse que, atendendo ao pedido do relator, orientou a bancada a votar na emenda para incluir o empréstimo para cartões de crédito, e afirmou que vários líderes sindicais também estavam interessados.

A inadimplência total do cartão de crédito em fevereiro de 2014 estava em 6,4%, enquanto no mesmo mês deste ano subiu para 7%, segundo dados do Banco Central. Mas se for analisada a inadimplência somente do crédito rotativo, aquele em que o consumidor paga parte do seu débito com o cartão de crédito, ela é muito maior. Em fevereiro do ano passado, estava em 31,6%, enquanto no mesmo mês de 2015 atingiu o patamar de 34,1%. A inadimplência do crédito com desconto em folha de pagamento é bem menor: apenas 2,4% com atraso de mais de 90 dias.

Por isso, no momento atual de crise econômica, aumento do desemprego e dos juros, as instituições financeiras querem incentivar esse tipo de crédito. A MP 661 segue agora para análise do plenário do Senado e, caso sofra alterações, terá que voltar para a Câmara. Procurada, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) não respondeu. A Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi) explicou que as operações em crédito consignado estão concentradas no setor bancário, não no de financeiras. Assim, não se trataria de assunto de competência da entidade.

Especialistas criticam

Para os especialistas, o aumento do limite para o crédito consignado é algo delicado, que pode agravar ainda mais o endividamento das famílias. O professor Claudio Felisoni de Angelo, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar), acredita que esta medida terá pouco impacto macroeconômico, pois as famílias já estão com a renda muito comprometida.

- Vejo esta medida em linha com os antigos incentivos ao consumo, como a redução do IPI. Isso pode até ter um impacto no curto prazo, mas não gera ampliação sustentável de consumo. É mais um voo de galinha.

Felisoni afirmou que o aumento do limite do crédito com desconto em folha é ruim pela falta de educação financeira das famílias, o que pode até gerar a alta de inadimplência de outras linhas de crédito do país, já que as prestações do consignado são retidas diretamente do salário.

Mauro Calil, especialista em finanças pessoais, diz que o crédito consignado é uma espécie cruel de financiamento, por reduzir diretamente a renda das pessoas. Ele afirma que não há razão para elevar o limite de comprometimento da renda das famílias:

- Com esse limite maior você pode simplesmente destruir uma família - resumiu ele.

Ainda de acordo com Calil, apenas em casos raros, nos quais uma pessoa esteja altamente endividada no cheque especial e no cartão de crédito, o aumento do consignado seria justificado:

- Mas, nesses casos, a pessoa teria de cancelar o cartão e o cheque especial para não adquirir mais dívidas, e sabemos que é quase impossível um banco concordar em cortar o cheque especial.

O diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira, afirma que não há motivo para um limite tão alto de endividamento deste tipo de crédito:

- É um perigo para as famílias perderem o controle. O ideal é que todo o financiamento de uma família não chegue nem a 25% da renda - pontuou.

Contudo, Oliveira disse que ampliar o acesso do brasileiro ao crédito mais barato, justamente agora que os juros estão subindo no país para conter a inflação, é algo positivo. Mas ele afirmou que as famílias devem estar mais atentas antes de contratarem novos empréstimos.

Amerson Magalhães, diretor da Easynvest, afirmou que o aumento do limite da modalidade mais barata de financiamento do país é sempre uma boa notícia.

- Com a taxa de juros que temos no Brasil, toda forma mais barata tem de ser comemorada. Mas é preciso cuidado, passar de certos limites de renda somente em casos emergenciais. É preciso educação financeira no país para convivermos com estas ofertas.