Discurso conciliador

 

Flávia Barbosa

 

CIDADE DO PANAMÁ — A um auditório lotado de ativistas e cidadãos de 33 países do continente, no Fórum da Sociedade Civil paralelo à VII Cúpula das Américas, o presidente americano, Barack Obama, afirmou nesta sexta-feira que ficou no passado o tempo em que os Estados Unidos interferiam impunemente na América Latina para impor sua agenda. Ele, porém, salientou que Washington irá sempre se pronunciar contra violações de direitos humanos e de princípios democráticos fundamentais, porque têm “obrigação moral”, e mandou um recado aos presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e de Cuba, Raúl Castro, cujas políticas domésticas são alvos de críticas por parte dos EUA: “Nações fortes não temem cidadãos ativos.”

— Quando virmos o espaço da sociedade civil se fechar, trabalharemos para abri-lo. Quando forem feitos esforços para separá-los do mundo, tentaremos conectá-los. Quando vocês forem silenciados, denunciaremos a seu favor. E quando forem reprimidos, queremos fortalecê-los, estaremos ao seu lado no trabalho por mudança. Respeitamos as diferenças entre os nossos países. Os dias em que o pressuposto da nossa agenda no hemisfério era que podíamos interferir impunemente, esses dias estão no passado — afirmou.

Os EUA vivem momento de tensão com a Venezuela, devido à repressão violenta do governo de Nicolás Maduro a manifestantes e à oposição e às sanções impostas pela Casa Branca a venezuelanos. Com Cuba, as relações estão sendo retomadas. Obama e o presidente Raúl Castro falaram ao telefone na última quarta-feira e se encontrarão nesta sábado no intervalo das sessões de trabalho dos 35 chefes de Estado e governo.

Mas Washington permanece crítica à situação dos direitos humanos e à falta de liberdade de expressão na ilha, condições que o restabelecimento do diálogo diplomático pretende ajudar a reverter.

— A sociedade civil é a consciência de nossos países. É a catalisadora da mudança. É por isso que nações fortes não temem cidadãos ativos. Nações fortes abraçam, apoiam e dão poder a cidadãos ativos — afirmou o americano.

Obama enfatizou que, na comunidade interamericana, o consenso é a democracia e o respeito aos direitos humanos, com desenvolvimento e inclusão social:

— Acredito que todos podemos nos beneficiar do diálogo aberto, tolerante e inclusivo, e que todos devemos rejeitar a violência e a intimidação que objetiva silenciar as vozes dos povos. A liberdade de ser ouvido é um princípio com o qual as Américas, em geral, estão comprometidas.

Castristas abandonam fórum

Após a apresentação, Obama participou de uma mesa-redonda onde estiveram presentes os presidentes da Costa Rica e do Uruguai, além de dois dissidentes, num total de 15 participantes, com quem manteve uma reunião privada. Antes, foi muito aplaudido pelas centenas de organizações da sociedade civil, inclusive brasileiras, em diversos trechos de sua apresentação. O discurso foi calibrado para criar uma cumplicidade com os ativistas latino-americanos, dentro da estratégia de enterrar a imagem imperialista dos EUA na região. O presidente repassou a luta dos americanos por uma sociedade mais justa, da escravidão aos direitos civis, citou o reverendo Martin Luther King e afirmou que, apesar da longa jornada positiva, os EUA não são perfeitos.

— Temos que lutar com os nossos próprios desafios, que vão do racismo ao policiamento e à desigualdade. Mas o que mais me dá orgulho no extraordinário exemplo dos EUA é que não somos perfeitos, mas lidamos com isso, e temos um espaço aberto no qual a sociedade continuamente tenta nos tornar uma União mais perfeita — disse Obama.

A boa recepção só não foi completa porque um grupo de entidades patrocinadas por Havana deixou o plenário do fórum antes de Obama começar a falar. Foi o ponto culminante de três momentos de enfrentamento entre castristas e dissidentes, que precisaram ser separados pela polícia local durante a manhã.

“Tomamos essa decisão depois de refletir coletivamente sobre o cenário desenhado no Fórum da Sociedade Civil, para nos forçar a dividir espaço com mercenários radicados no exterior, que têm o objetivo de subverter o sistema político e social do país”, afirma uma declaração do grupo.

No discurso, Obama disse que, na reaproximação com Cuba, o objetivo não é impor mudança, mas criar um ambiente que melhore a vida do povo cubano. Ele reconheceu que há e haverá diferenças entre os governos, “e não há nada errado com isso”. E Washington sente-se livre para continuar opondo-se a políticas que violam “certo conjunto de valores universais”.

— Nossa política de Cuba, em vez de isolar Cuba, isolou os EUA em nosso próprio quintal — ressaltou.

Apesar das ressalvas, as relações entre os EUA e Cuba atingem novo patamar hoje, quando Obama e Raúl Castro se encontrarão durante a VII Cúpula das Américas. Será o contato de mais alto nível entre as duas nações desde antes da Revolução Cubana de janeiro de 1959, ou seja, há mais de 56 anos. A expectativa é que Obama anuncie a Raúl que Cuba será retirada da lista de Estados que apoiam o terrorismo. O passo é fundamental para a reinserção cubana no mercado internacional, por meio de financiamentos e comércio.

Apenas o formato e o horário do encontro ainda não estavam definidos, devido à agenda intensa dos líderes.

— Encontraremos um tempo para que eles discutam os temas (bilaterais) à margem da Cúpula — afirmou Ben Rhodes, diretor de Comunicação Estratégica do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca. — Os dois líderes terão a oportunidade de se encontrar amanhã. Nas discussões da Cúpula, vão interagir. Estamos ainda fechando a agenda (...). Mas os dois líderes poderão fazer um balanço dos assuntos, como a abertura das embaixadas.

Rhodes, porém, não quis antecipar o anúncio da remoção. Afirmou apenas que a revisão “está nos seus estágios finais”. Sair da lista negra é a principal demanda de Cuba nas negociações para pleno restabelecimento das relações diplomáticas, a começar pela abertura de embaixadas em Washington e Havana. Obama e Raúl já haviam falado ao telefone na quarta-feira. No mesmo dia, o americano recebeu a recomendação do Departamento de Estado a respeito da remoção de Cuba da lista — integrada ainda por Síria, Irã e Sudão.

O teor do documento não foi divulgado, mas não há dúvida de que a conclusão é pela retirada. Quando Obama anunciar a decisão, será aberto um prazo de 45 dias para manifestação do Congresso. Só depois a medida será válida.