Título: Nixon e o STF
Autor: Wedy, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 04/08/2011, Opinião, p. 21

Juiz federal, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)

O STF no Brasil decidiu matérias importantes e polêmicas nos últimos tempos, como a decisão acerca da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, o reconhecimento das uniões homoafetivas para todos os fins de direito e a legalidade da marcha da maconha. As decisões provocaram profundo debate no país, por envolverem matérias controvertidas e de grande alcance político-social.

A nossa Corte Constitucional foi duramente criticada por setores da sociedade por supostamente estar ocupando espaço garantido ao Poder Legislativo e usurpando competência constitucional exclusiva do Congresso Nacional. Todavia, não assiste razão ou fundamento sólido e plausível às críticas contra as decisões do STF.

O Poder Judiciário, modernamente, não é apenas a boca da lei, como dizia Montesquieu. Tampouco deve ser um simples aplicador da lei escrita, como queria o falecido ex-presidente americano Richard Nixon. Aliás, o republicano Nixon, ao indicar Powel e Rehinquist para integrarem a Suprema Corte, afirmou em rede nacional de televisão daquele país que esses juízes iriam apenas aplicar o direito e jamais distorcê-lo, criá-lo ou inventá-lo. Isso porque Nixon era crítico ferrenho da Suprema Corte americana, em virtude de suas interpretações flexíveis da Constituição em matéria de direitos civis.

No caso Swann Vs Charlotte-Meckelenburg Board of Education, por exemplo, a Suprema Corte concedeu aos tribunais federais amplos poderes para ordenar o uso do transporte escolar pelas crianças negras, como solução para certas formas de segregação. Assim, as crianças negras poderiam frequentar escolas utilizadas pelas brancas compartilhando o transporte público gratuito com as crianças brancas.

Outro caso célebre foi Sweat Vs Painter. Nesse caso, a Suprema Corte norte-americana, em 1945, reconheceu a um negro chamado Sweat o direito de ingressar na Faculdade do Texas, o que era vedado por lei estadual, que previa que apenas os brancos poderiam frequentar essa faculdade. A Suprema Corte aplicou a cláusula da igual proteção para todos os homens perante a lei.

Isso para não falar no célebre e emblemático caso julgado pela Suprema Corte norte-americana Marbury Vs Madison, em que foi reconhecido que o Poder Judiciário tinha o poder de revisar leis e atos administrativos contrários aos padrões constitucionais.

No Brasil não é diferente. O caso do reconhecimento pelo STF da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa atende um anseio social em defesa da ética, do repúdio à corrupção e da garantia de que apenas homens probos, com o passado limpo e de reputação ilibada, concorram a cargos eletivos. Em relação à decisão referente à garantia dos direitos decorrentes das uniões homoafetivas, esses devem ser concedidos sem discriminação para aqueles que optam por relacionar-se e constituir família com pessoas do mesmo sexo. A esses devem ser estendidos todos os direitos de que gozam os casais heterossexuais, para que tenhamos uma sociedade mais igualitária e livre de preconceitos.

No que toca ao direito de realizar-se a marcha da maconha, não podemos confundi-la com o vetusto crime de apologia às drogas, mas longe disso, como direitos de uma minoria à liberdade de reunião, pensamento e expressão amparados pela Constituição. A esses cidadãos deve ser facultado o direito de debater e expressar as suas ideias.

Como afirmado pelo professor norte-americano Ronaldo Dworkin, com o qual o ex-presidente Nixon jamais concordaria, não é necessário que os juristas desempenhem papel passivo no desenvolvimento de uma teoria de direitos morais contra o Estado. Eles devem reconhecer, contudo, que o direito não é mais independente da filosofia. Ou seja, o juiz pode e deve valer-se da hermenêutica jurídica e interpretar regras, valores e princípios no sentido de extrair o máximo de significado do texto constitucional e jamais se contentar em aplicar a letra fria da lei como se fosse um autômato.

O vácuo na afirmação e regulamentação desses direitos civis e garantias constitucionais tem sido ocupado com competência e maestria pelo Judiciário enquanto poder do Estado. O Estado tem a obrigação de atuar em matérias que a sociedade reclama regulação e atuação positiva. Esse papel está sendo realizado com legitimidade constitucional e política pelo Poder Judiciário, que assume posição de ponta, qualificada e vanguardista em benefício da sociedade.