Governo defende maior participação privada

Correio braziliense, n. 18992, 26/05/2015. Economia, p. 9

Simone Kafruni

No mesmo dia em que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou que o país precisa repensar os gasto públicos de longo prazo porque o dinheiro acabou, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, em palestra no Seminário Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, disse que o grande desafio do país para a realização de projetos de infraestrutura é a maior participação do setor privado, especialmente do mercado de capitais, numa clara mudança de postura do banco.

Pelas contas de Coutinho, existe potencial de investimento de
R$ 611 bilhões em rodovias, portos, aeroportos, telecomunicações e outras áreas prioritárias até 2018, que precisam de recursos para financiamento de longo prazo. “A taxa de acerto dessa previsão é bastante alta e tende a subestimar, e não a superestimar, projetos”, disse. Coutinho ressaltou que, nesse valor, estão incluídos projetos do plano de concessões que será lançado em junho.

O secretário-executivo do Ministério do Planejamento, Dyogo Oliveira, que também participou do seminário, anunciou que os empreendimentos de ferrovias do novo pacote de concessões não terão modelo único. O secretário também não descartou a possibilidade de ser aplicado o modelo criado em 2012, segundo o qual a Valec (estatal ferroviária) compra e gerencia as cargas e que afastou investidores. “A cada trecho, estamos estudando qual é a melhor maneira de fazer a concessão.”

Oliveira destacou que a única novidade já anunciada para o setor é a ferrovia Transoceânica, em parceria com a China, que irá do litoral brasileiro ao litoral do Peru. “Ela entra nesse pacote como novo projeto”, ressaltou. Mas também teceu comentários sobre a Ferrovia Norte-Sul. “A Norte-Sul é uma ferrovia que já está construída, o modelo de concessão para ela é diferente de uma nova. Estamos finalizando as discussões. Pode ser outorga”, observou.

O secretário, disse, ainda que, além dos quatro trechos de rodovias que já têm Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) e cujas concessões devem sair ainda este ano — BRs 476, 153, 282 e 480 (SC-PR), BRs 163 e 230 (MT-PA), BRs 364 e 060 (MT-GO) e BR-364 (GO-MG) —, outras oito ou 10 rodovias devem entrar no plano. “O pacote rodoviário terá de 12 a 14 projetos”, assinalou. O governo também conta com aportes em outras três rodovias — Porto Alegre-Canoas, Rio-Petrópolis e Serra das Araras — feitos pelos atuais concessionários. “São investimentos que não estavam previstos no projeto inicial e, uma vez autorizados pelo governo, poderão ser incorporados na concessão”, disse.

O seminário contou com a participação de vários representantes de instituições financeiras, como Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial, Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Caixa, Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Anbima e Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A ideia foi debater as possibilidades e desafios de alavancar os financiamentos de infraestrutura utilizando o mercado de capitais, bancos comerciais e seguradoras para criar um ambiente atrativo para investidores de longo prazo.

Para o presidente da Febraban, Murilo Portugal, a participação dos bancos comerciais é pequena no Brasil. Dos 60% de investimentos de longo prazo, 30% é financiado pelo setor público, 19% pelo mercado de capitais e 16% por bancos. “Isso ocorre porque 75% dos financiamentos são de curto prazo — em média, três anos. Apenas 2%, são prazos acima de 15 anos. E investimentos de infraestrutura são de longo prazo.”

Estrada ruim eleva custo em 30,8%
As péssimas condições das rodovias no Brasil são responsáveis por R$ 3,8 bilhões em gastos adicionais na movimentação da produção agrícola — um aumento de 30,5% do custo operacional. O impacto maior ocorre nas cadeias de milho e soja, que têm participação de 85,5% no volume de grãos produzidos no país e contribuem com 43% das exportações. Os dados são do estudo Transporte e Desenvolvimento — Entraves Logísticos ao Escoamento de Soja e Milho, divulgado ontem pela Confederação Nacional de Transportes (CNT).

A pesquisa, que analisou as rotas de escoamento de quatro regiões produtoras — Centro-Oeste, Paraná, Rio Grande do Sul e a área apelidada de Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí, Bahia) —, identificou os principais gargalos à exportação e propôs soluções para que os custos sejam reduzidos. O presidente da CNT, Clésio Andrade, ressaltou que a competitividade do agronegócio brasileiro está condicionada à existência de um sistema logístico eficiente. “Os projetos de transporte precisam ser implementados com uma visão sistêmica, integrando ferrovias, portos, hidrovias, rodovias e terminais de transbordo”, afirmou.

Para melhorar o escoamento da safra, embarcadores e transportadores entrevistados apontaram a necessidade de 139 intervenções em todos os modais. A CNT identificou outras 111, totalizando 250 projetos, que exigem investimentos de R$ 195,2 bilhões para a adequação das atuais rotas. Os R$ 3,8 bilhões de custo operacional extra pelas más condições das rodovias equivalem ao valor de quase 4 milhões de toneladas de soja, ou a 24,4% do investimento público federal em infraestrutura de transportes em 2014.

BID lançará títulos no Brasil
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) vai lançar títulos no Brasil, em reais, para financiar projetos de infraestrutura. A informação foi dada pelo presidente da instituição, Luis Alberto Moreno, após reunião com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. A medida faz parte da estratégia do governo para levantar fundos para obras do setor privado em estradas, ferrovias, portos e aeroportos. “Podemos ajudar em projetos de longa maturação, em que o risco de câmbio é um problema. Já emitimos na Ásia, na Europa e na Colômbia”, disse o vice-presidente de países do BID, Alexandre Meire da Rosa.