Título: ONU condena a Síria
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 04/08/2011, Mundo, p. 22

Declaração do Conselho de Segurança denuncia "as amplas violações aos direitos humanos e o uso da força contra os civis". Regime do presidente Bashar Al-Assad ocupa o centro de Hama, e morador relata desespero ao Correio. País registra mais três mortes

O sírio Saleh Al-Hawmi (nome fictício) não ousa sair de casa e está acompanhado da mulher, da filha e de sete amigos. Durante a conversa com o morador de Hama, que utiliza um telefone via satélite, tiros são ouvidos ao fundo. Lá fora, o massacre continua na cidade situada 209km ao norte de Damasco. Enquanto os tanques avançavam ontem e ocupavam a Praça Assi, os diplomatas do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) chegavam a um acordo de condenação do regime do presidente Bashar Al-Assad. Segundo a agência France-Presse, o texto critica "as amplas violações aos direitos humanos e o uso da força contra civis". Mas não faz referências a uma investigação do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a repressão, que já teria matado 2 mil pessoas desde março. A apuração era um pedido feito por Reino Unido, França, Alemanha e Portugal em versões anteriores do texto. O documento também pede às autoridades sírias "que respeitem totalmente os direitos humanos e cumpram com suas obrigações sob o direito internacional aplicável". "Os envolvidos nos atos de violência devem ser responsabilizados", defende.

É pouco para Saleh. "Apesar de ser um bom passo, precisamos de algo que detenha esse massacre", afirmou. "Não acho que o regime vai interromper os assassinatos, ao menos que (Al-Assad) seja submetido a uma forte ameaça", acrescentou. Ele apoia uma intervenção militar nos moldes da que ocorre na Líbia, e lembra que, por ser membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a Turquia poderia exercer um papel de destaque. "Um governo marcado pela força precisa ser tratado com a força", opinou. Tudo indica que o Brasil negociou a redação final do texto com o Reino Unido. Arinc Bulent, vice-primeiro-ministro turco, fez ontem uma das mais contundentes declarações sobre o vizinho. "O que está ocorrendo em Hama hoje é uma atrocidade. Os responsáveis por isso não podem ser nossos amigos. Estão cometendo um grande erro", comentou.

Dos 15 membros do Conselho de Segurança, apenas o Líbano rejeitou o texto, afirmando que ele "não ajudará" a acabar com a crise. O xiita Hezbollah, partido que representa a maior comunidade libanesa e detém importantes cargos no governo, mantém estreitos laços com Damasco. Na declaração, o Conselho também lamenta a "falta de progressos" na execução dos "compromissos de reforma anunciados pelas autoridades sírias" e pede a Al-Assad que cumpra com as promessas. Os Estados Unidos também endureceram o discurso em relação ao regime. O porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, assegurou que Washington não tem nenhum interesse em ver o presidente sírio sobreviver apenas para preservar a "estabilidade regional".

Confinamento Presos em suas próprias casas, os moradores de Hama rezam para o fim da matança. "Ninguém pode sair, pois há franco-atiradores espalhados por todos os lugares", relatou Saleh, por volta das 15h de ontem. De acordo com ele, os tanques de guerra, apoiados pelas forças de segurança e pelo Exército, iniciaram a ocupação do centro da cidade às 5h de ontem (23h de terça-feira em Brasília). "Todas as comunicações e a eletricidade foram cortadas. Os tanques começaram a atirar aleatoriamente e não podíamos saber o que estava ocorrendo fora de nosso raio de visão. Escutei muitos disparos de artilharia pesada." A quinta-feira começou em Hama com uma calma tensa. À zero hora de hoje (horário local), Saleh disse que entre três e 10 tiros podia ser escutados a cada hora.

Sem eletricidade, celular e telefone fixo, Hama está à beira de um colapso humanitário. "A situação é muito ruim. Temos comida e água, mas não o bastante. Algumas pessoas estocaram arroz, mas já não há pão na cidade. Os vizinhos tentam ajudar uns aos outros, passando alimento por sobre os muros", afirmou Ahmed. Segundo ele, ao menos uma pessoa morreu durante a invasão dos tanques ao centro da cidade.

O Observatório Sírio dos Direitos Humanos contabiliza 1.629 civis e 374 membros das forças de segurança mortos desde 15 de março. "Três mártires caíram e dezenas ficaram feridos por balas das forças de segurança" em Damasco, Doa (sul) e Palmyr (centro)", afirmou Rami Abdel Rahmin, presidente da entidade.