Valor econômico, v. 15, n. 3738, 17/04/2015. Brasil, p. A2

 

Decisões do TCU sobre as 'pedaladas' elevam dívida em 0,8% do PIB

 

Por Ribamar Oliveira e Murillo Camarotto | De Brasília

As decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as "pedaladas fiscais" terão impactos importantes nas estatísticas fiscais e na administração das contas públicas, se elas forem mantidas depois dos recursos que serão apresentados pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pelo Banco Central (BC).

O reconhecimento dos passivos produzidos pelas "pedaladas" elevará a dívida pública em R$ 40,25 bilhões, de acordo com estimativa do TCU, ou cerca de 0,8 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) previsto para este ano. Esses passivos se referem a dívidas da União, que foram se acumulando ao longo dos últimos anos, com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com o Banco do Brasil e com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

 

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Além disso, o Tesouro Nacional terá que estabelecer um cronograma de pagamento dessas dívidas já existentes e regularizar os pagamentos do que vencer daqui para frente. Haverá também impactos no Orçamento de 2016 por causa do reconhecimento da dívida da União com o FGTS.

O acórdão do TCU, aprovado na quarta-feira, determina que o Banco Central registre entre os passivos da União na Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) os valores devidos ao Banco do Brasil relativos à equalização de taxas de juros da safra agrícola e de outras subvenções, no valor estimado de R$ 9,7 bilhões, na data base de junho de 2014.

O Banco Central terá que registrar também, de acordo com a decisão, os valores devidos pelo Tesouro ao BNDES por conta da equalização da taxa de juros referente ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Em junho de 2014, a cifra estava em R$ 12,1 bilhões.

Além disso, o TCU determinou ao BC que registre na DLSP os valores referentes ao passivo da União junto ao FGTS. O governo antecipou recursos do fundo para pagar os subsídios do Programa Minha Casa, Minha Vida, no valor R$ 7,6 bilhões. Outro passivo que deve ser incorporado à dívida refere-se à arrecadação da multa adicional do FGTS por demissão sem justa causa, que não foi transferida pelo Tesouro ao fundo. Esse passivo foi estimado pelo TCU em pouco mais de R$ 10 bilhões.

Durante a auditoria do TCU, os técnicos do Banco Central argumentaram que a metodologia de cálculo do superávit primário utilizada pela instituição - chamada "abaixo da linha" e que mede a variação dos ativos e passivos do setor público - não é capaz de detectar as chamadas "pedaladas". Há divergência de interpretação da metodologia entre os auditores do TCU e os técnicos do BC, mas o ministro relator do processo, José Múcio, deu razão à equipe do tribunal.

"Ainda não compreendo como é que dezenas de bilhões de reais em passivos da União tornaram-se imperceptíveis ou indiferentes aos olhos do Banco Central, não obstante constarem devidamente registrados nos ativos das instituições credoras (BNDES e BB) e terem sido rapidamente flagrados pelos auditores do TCU", disse Múcio em seu voto.

O Banco Central já anunciou que vai recorrer da decisão do TCU, o que suspenderá a obrigação da incorporação dos passivos na DLSP. Pela decisão de quarta-feira, o reconhecimento dos passivos teria que ser feito após decorrido o prazo do recurso, segundo explicou o gabinete do ministro Múcio.

O tribunal deu prazo de 30 dias para que o governo estabeleça cronogramas para a regularização de diversos pagamentos. Ao Ministério da Fazenda, foi determinado que faça o pagamento dos valores devidos ao BNDES a título de equalização das taxas de juros do PSI. O acordão não dá prazo para esse pagamento, embora ressalte que deva ser efetuado no "prazo de duração mais curto possível".

Além de regularizar as dívidas existentes, o Ministério da Fazenda terá que normalizar os pagamentos do que está vencendo. O Valor informou recentemente que o governo não pagou a parcela da equalização do PSI devida em janeiro deste ano.

O Tesouro foi convocado a regularizar, também em "prazo mais rápido possível", o pagamento ao Banco do Brasil dos passivos referentes à equalização de taxas de juros do crédito agrícola e de outras operações. Os ministérios do Trabalho e do Desenvolvimento Social deverão, de acordo com decisão do TCU, cobrir os saldos negativos porventura existentes nas contas de suprimento de fundos do seguro-desemprego, do abono salarial e do programa Bolsa Família.

Uma decisão que terá impacto no Orçamento da União de 2016 é a que manda o Ministério das Cidades incluir em seu orçamento, como fonte de recurso referente à contratação de operação de crédito interna, o montante correspondente aos adiantamentos feitos junto ao FGTS.

Advocacia-Geral e BC tentam suspender exigências do tribunal

 

Por Bruno Peres e Eduardo Campos | De Brasília

 

Leo Pinheiro/ValorLuís Adams diz que metodologia de repasse de recursos do Tesouro Nacional aos bancos federais é a mesma desde 2011

A Advocacia-Geral da União (AGU) e o Banco Central entrarão com embargos no Tribunal de Contas da União (TCU) para suspender a exigência feita ao Banco Central de que contabilize na dívida pública federal o efeito do atraso nos pagamentos de despesas obrigatórias ao longo do ano passado, as chamadas pedaladas fiscais.

O TCU determinou ao BC refazer as estatísticas fiscais de 2013 e 2104, incorporando as despesas que foram indevidamente deixadas de fora. Em reunião anteontem, o plenário do tribunal aprovou relatório que aponta descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.

"Nós achamos que isso é uma contradição, porque se o tema ainda está submetido a algum tipo de contraditório, antecipar decisão é equivocado", disse o ministro-chefe da AGU, Luís Adams. "Queremos que essa decisão não seja implementada agora. É preciso ter o contraditório para poder emitir algum tipo de reflexão." Escalado para defender o governo de haver desrespeitado a LRF, Adams deu entrevista no saguão do Palácio do Planalto. Em vez de sair pela porta privativa, acompanhando os demais ministros, Adams retornou para falar com os jornalistas.

A estratégia de defesa do governo passa por atacar a oposição. Adams afirma que a metodologia de repasse de recursos do Tesouro Nacional aos bancos federais é a mesma desde 2011, ano em que a LRF entrou em vigor e também fim do segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

"Em 2001 e 2002, temos várias situações de pagamento a descoberto, pelo conceito do TCU. O que houve, no caso de 2014, é que vivemos uma situação de estresse maior, que também estressou a sistemática de pagamentos a esses órgãos, mas essa sistemática existe há 14 anos. Se é errada, ela é errada há 14 anos. Por que só agora virou um problema?", disse Adams.

O ministro afirmou que não houve violação à LRF nem qualquer outro tipo de crime e cobrou que o TCU unifique o entendimento sobre o tema. De acordo com Adams, a análise da prestação de contas dos bancos estatais responsáveis pelo pagamento dos programas sociais que sofreram atrasos dos anos de 2001 e 2002 não foram feitas com ressalvas.

Além disso, o governo argumenta que os bancos ganham com a aplicação dos recursos depositados pelo Tesouro Nacional entre o dia do repasse e o dia do pagamento ao beneficiário. Desta forma, se ficam a descoberto em outros momentos e usam recursos próprios, é preciso analisar o efeito líquido desses dois movimentos.

"Nós entendemos que em qualquer situação, de 2001 até agora, não há violação à Lei de Responsabilidade Fiscal. E [essa metodologia de pagamentos] não configura crime de responsabilidade nem crime qualquer", disse o ministro da AGU.

O Banco Central também reagiu à determinação do TCU. "As determinações feitas pelo TCU até agora ainda são passíveis de recurso e o BC recorrerá, bem como apresentará os argumentos que demonstram ser indevidos, do ponto de vista técnico e jurídico, mudar estatísticas fiscais que seguem a mesma metodologia desde 1991. De todo modo, como cabe recurso, não há prazo para qualquer providência a cargo do BC", disse o procurador-geral do Banco Central, Isaac Sidney Ferreira, por meio de nota.

Governo quer custeio e investimento de 2014 como parâmetro para o Orçamento de 2016

 

Por Ribamar Oliveira | De Brasília

O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2016, enviado pelo governo ao Congresso na quarta-feira, tem um artigo que controla fortemente o aumento das chamadas despesas discricionárias (custeio e investimento) do Judiciário, do Legislativo, do Ministério Público e da Defensoria Pública.

Quando forem elaborar as propostas orçamentárias para o próximo ano, esses Poderes e instituições terão como parâmetros os limites para empenho e movimentação financeira definidos no último decreto de contingenciamento de 2014.

Até a LDO de 2015, o parâmetro que utilizavam para planejar seus gastos com custeio e investimento para o exercício seguinte era o conjunto das dotações fixada na lei orçamentária do ano em curso, com as alterações decorrentes dos créditos suplementares e especiais, aprovados até o dia 31 de maio. Esse critério foi adotado depois de uma longa disputa entre os Poderes em torno dos gastos.

Embora não esteja explicitado no texto do projeto, fonte oficial informou que o governo não poderá utilizar na elaboração da proposta orçamentária do Executivo um parâmetro diferente dos demais Poderes. O governo alega que sempre elabora suas propostas orçamentárias com base no que foi executado no ano anterior. Assim, a regra do PLDO não mudará a sua prática.

A segunda medida de contenção de despesas no Orçamento de 2016 está relacionada com gastos com pessoal. Artigo do projeto de LDO estabelece que o Ministério do Planejamento irá divulgar, no dia 14 de agosto, o montante do gasto adicional que cada um dos Poderes, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública terá para despesas no próximo ano com pessoal relativas à concessão de quaisquer vantagens, aumentos de remuneração, criação de cargos, empregos e funções, alterações de estrutura de carreiras, bem como admissões ou contratações a qualquer título.

O objetivo da medida é manter a mesma distribuição proporcional dessas despesas atualmente existente. Isto significa que os aumentos dos servidores dos Poderes até poderão ser diferentes, desde que não ultrapassem o teto para o aumento do gasto definido previamente. Com essa medida, o governo pretende manter constante as despesas com pessoal e encargos sociais, em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), ou em queda.

Embora a execução obrigatória das emendas parlamentares individuais ao Orçamento tenha sido incluída na Constituição, o projeto da LDO não traz qualquer norma a respeito de sua implementação. O governo entende que a emenda que trata do chamado "orçamento impositivo" é autoaplicável, ou seja, não precisa ser regulamentada.

As ações relativas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e ao Plano Brasil sem Miséria deixaram de ser as prioridades e metas da administração pública federal no projeto de LDO. Como este é o primeiro ano do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, o governo preferiu dizer que as prioridades e metas serão estabelecidas na Lei do Plano Plurianual 2016-2019, ainda em elaboração.

Para analistas, superávit primário de 2% no ano que vem pode não ser suficiente

 

Por Flavia Lima e Tainara Machado | De São Paulo

O esforço fiscal desenhado no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2016 contém pontos positivos, mas o superávit primário de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) incluído no documento não parece suficiente, sob as condições macroeconômicas esperadas, para reverter a trajetória de crescimento da dívida pública e melhorar o resultado nominal, estimam economistas ouvidos pelo Valor.

Para Fabio Klein, da Tendências Consultoria, é positivo que o governo tenha optado por usar o mercado como referência para traçar os cenários, mas as projeções parecem subestimadas. No PLDO, o governo estima que o déficit nominal em 2016 será de 2,93% do PIB. Nas contas da Tendências, cujos parâmetros macroeconômicos são próximos aos do governo, o déficit nominal em 2016 é quase um ponto maior (de 3,8% do PIB).

Assim, enquanto o governo estima que as dívidas líquida e bruta serão de, respectivamente, 34,9% e 61,9% do PIB no próximo ano, a Tendências projeta valores maiores, de 36,8% e 63,8% em 2016. Mesmo considerando os números do governo, diz Klein, a dívida bruta seria de 63,4% em 2016, acima, portanto, dos 62,5% do PIB previstos para 2015. "Eles poderiam detalhar melhor os dados para elevar transparência e credibilidade."

Amaury Bier, presidente da Gávea Investimentos, concorda. "Não é possível reverter a situação fiscal no triênio subsequente [2016-2018] com superávit primário da ordem de 2%", afirmou em palestra sobre os desafios para a economia brasileira. Bier, que foi secretário-executivo do Ministério da Fazenda entre 1999 e 2002, diz que o primário deveria subir para algo entre 2,5% e 3% do PIB nos próximos anos para estabilizar a dívida.

Segundo Bier, o cálculo apresentado pelo governo para estimar um superávit de 2% ao ano parece ter considerado uma taxa de juros real entre 3% e 4% ao ano, pouco provável diante de uma curva de juros futura que indica taxa real de 6,5% nos próximos anos.

Embora insuficiente para melhorar a dinâmica da dívida, a previsão de superávit de 2% do PIB para 2016 e 2017 estendida para 2018 não surpreendeu. No sistema de expectativas do BC, os economistas fixam o número para 2017 e 2018 há bastante tempo. Para 2016, o primário esperado pelo mercado em 2016 é de 1,7% do PIB. O Fundo Monetário Internacional (FMI) esperava metas mais ambiciosas - 2% do PIB em 2016, 2,25% em 2017 e 2,5% em 2018.

"Não adianta colocar metas muito altas, que serão difíceis de serem atingidas", diz Armando Castelar, pesquisador do Ibre-FGV. Para ele, as metas de primário para o período entre 2016 e 2018 são mais realistas e consideram as dificuldades atuais para aumentar o esforço fiscal. "É melhor surpreender positivamente com resultados maiores do que frustrar expectativas". Ele também vê problemas em estabilizar a dívida com superávit de 2% do PIB, mas diz que "é um processo que deve acontecer ao longo do tempo".

Já para o economista-chefe da Mapfre Investimentos, Luis Afonso Lima, entregar o primário de 2% nos próximos anos será mais factível do que chegar a 1,2% em 2015. "Em um prazo maior, é possível contar com crescimento um pouco melhor, além de mais tempo."