Divergências entre Câmara, Senado e Partidos imobilizam a reforma política

Daniel Carvalho

 

Divergências internas entre partidos, nas próprias bancadas, e entre a Câmara e o Senado devem fazer com que a reforma política, mais uma vez, não saia do papel. O tema será analisado inicialmente nesta segunda-feira, 25, na comissão especial criada na Câmara - onde não há garantia de aprovação do relatório do deputado Marcelo Castro (PMDB-PI) - e dominará os três dias de atividades no plenário. Mas o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), não assegurou maioria para aprovação.

“A reforma política já era. Do jeito que está aí, eu não sei onde nós vamos parar”, disse ao Estado o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS). “A Câmara está discutindo uma coisa e o Senado está discutindo outra.”

O senador Humberto Costa (PE), líder do PT na Casa, também acredita que a reforma não tem condições de ser aprovada. “É um tema, como sempre, muito polêmico. Ninguém tem força suficiente para apresentar uma proposta que tenha maioria.”

 

Presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ao chegar para sessão da Casa

Presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ao chegar para sessão da Casa

O Congresso tenta fazer a reforma política há vários anos, mas os desentendimentos são grandes. “Reforma política é uma coisa que cada um olha para sua sobrevivência”, afirmou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

O peemedebista quer começar a discussão em plenário com o modelo de sistema eleitoral a ser adotado. Cunha elegeu a adoção do distritão como prioridade. Por este modelo são eleitos os mais votados em um Estado. As demais opções são o distrital misto - sistema pelo qual metade das vagas de deputado é escolhida por lista fechada e a outra metade é eleita por voto majoritário por distrito -, e o voto em lista, pelo qual o eleitor vota no partido - neste caso é a legenda que, antes da disputa, diz quais os candidatos, e em que ordem, serão eleitos.

Hoje, está em vigor no País o sistema proporcional, que considera toda a votação dada nos candidatos da sigla ou da coligação, além do voto na legenda.

O distritão também é defendido pelo vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP). Foi incluído a contragosto no parecer do relator da Comissão Especial e conta com a desaprovação de Castro e do senador Valdir Raupp (PMDB-RO), que lidera um grupo de parlamentares que trabalha para enfraquecer o apoio à proposta.

Clique na imagem para ver os detalhes da proposta

 

Atualmente, nenhuma das alternativas detém os votos necessários para a garantia de aprovação. São necessários, no mínimo, 308 votos de um total de 513. Cunha já admite a aliados que pode não conseguir aprovar qualquer mudança.

Mas não é apenas o presidente da Câmara que tem encontrado dificuldade para levar adiante seus planos. Sem apoio para defender o modelo de voto em lista, o PT se viu obrigado a unir forças com o PSDB na defesa do voto distrital misto.

No plenário, Eduardo Cunha quer votar ponto a ponto para garantir alguma aprovação. Por isso, tem atuado para evitar a votação do relatório de Marcelo Castro na comissão de reforma política. O presidente da Casa entende que o texto de Castro “engessaria” a reforma e dificultaria ainda mais o consenso em torno das propostas.

No relatório do deputado do Piauí, além da sugestão do distritão, há a defesa do financiamento público e privado de campanhas; fim de reeleição para o Executivo; fim de coligações nas eleições proporcionais; estabelecimento de uma cláusula de desempenho para os partidos nas eleições; e mandato de cinco anos para todos os cargos eletivos, inclusive dos senadores.

Cunha pretende deixar de fora questões que afetam o Senado, para que cada Casa resolva suas próprias questões. Na lista de suas prioridades, depois do sistema eleitoral, estão o fim da reeleição, a coincidência de mandatos e o financiamento de campanha.

Alguns líderes acreditam que uma eventual derrota de Cunha na questão do sistema eleitoral, primeiro item da pauta, pode contaminar as demais votações e apostam, nos bastidores, que não haverá qualquer mudança.

“Defendo que devemos fazer essa última tentativa de reforma política. Ou teremos que nos conformar com o atual sistema, que é uma tragédia. Ou fazermos uma constituinte exclusiva”, disse Castro.

 

Cientistas políticos fazem manifesto contra distritão

 

Com apoio da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), mais de cem cientistas políticos de diversas partes do País se posicionaram contra a proposta do distritão – sistema eleitoral defendido pelo PMDB e bandeira do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Segundo o modelo, os candidatos a deputado mais votados em cada Estado seriam eleitos, sem a transferência de voto dentro dos partidos ou voto de legenda nas eleições proporcionais.

Os especialistas publicaram um abaixo-assinado no site da ABCP. O documento será enviado à Câmara. De acordo com o manifesto, o distritão estimularia o personalismo na corrida eleitoral e enfraqueceria os partidos. “Além disso, diferentemente do atual modelo, milhões de votos serão jogados fora, visto que somente serão válidos os votos dos eleitos”, diz o documento.

O professor Cláudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), disse que o distritão era uma “aberração institucional”, porque aumentaria o custo de campanha, enfraqueceria os partidos políticos e aumentaria o personalismo. “Se o custo de campanha sobe, aumenta a corrupção. Quem colocar mais dinheiro na disputa ganha.”

Marco Antonio Teixeira, professor do Departamento de Gestão Pública da FGV, também acredita que mais recursos serão gastos para que um candidato seja eleito. “Será gasto mais dinheiro porque o candidato precisaria ficar entre os 70 mais bem votados. Isso cria até mesmo competição no desempenho individual e tira o papel do partido”, afirma.

A proposta surge como forma de combater os “puxadores de votos”, evitando que outros candidatos da coligação que receberam menos votos sejam eleitos. Mas, segundo a professora Argelina Figueiredo, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), casos como do humorista Tiririca (PR-SP) – eleito com 1,3 milhão de votos, o que garantiu mais três cadeiras para o partido – poderiam, na verdade, se tornar mais comuns.

“O partido vai querer o maior número de cadeiras possíveis e, para fazer isso, ele vai precisar de pessoas que têm votos, como os artistas. Irão em busca daqueles que têm dinheiro e fama e não daqueles que tenham um compromisso social com a política”, disse Argelina.

 

Análise: Relatório abandonou coerência no projeto da reforma política

 

Se a proposta de reforma política for aprovada como está, os eleitores não poderão mais votar em partidos na eleição para deputado - apenas em candidatos. Mas as empresas não poderão doar diretamente para candidatos, só para partidos.

O desempenho das legendas na disputa pela Câmara será irrelevante. Na distribuição das vagas pelo distritão, valerá somente a votação dos indivíduos. Isso também tornará irrelevantes as coligações - mas, por via das dúvidas, a reforma proíbe expressamente as alianças nessas eleições.

Também não será permitida a reeleição nos cargos executivos - exceção feita a quem "suceder ou substituir" os atuais detentores dos mandatos. Ou seja, na eventualidade de um impeachment, o sucessor de Dilma Rousseff estará devidamente autorizado a buscar um segundo mandato.

Esses exemplos indicam que o deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), relator da reforma, sacrificou a coerência ao tentar atender a interesses distintos e até antagônicos. Tanto que até ele promete votar contra o ponto central do relatório: o distritão.

Outras distorções se evidenciam na fórmula buscada para que o Brasil tenha só uma eleição a cada cinco anos após 2022. Para isso, o País terá, até 2027, senadores com mandatos de nove anos - os eleitos em 2018 - convivendo com outros com mandato de cinco anos - os eleitos em 2022.

Sobre o espinhoso tema do financiamento das campanhas, a única novidade é a exigência de que as doações sejam feitas aos partidos, e não aos candidatos. Essa mudança reduz a transparência do processo, já que o intermediário oculta conexões entre financiador e financiado.

Mas há ao menos um ponto positivo: a reforma só será aprovada com o voto de três quintos dos deputados e senadores - algo quase impossível de se atingir.